Política Pública

Proteção de civis falha no Sudão do Sul

Soldados da Missão de Assistência das Nações Unidas na República do Sudão do Sul (Unmiss). Foto: Jared Ferrie/IPS
Soldados da Missão de Assistência das Nações Unidas na República do Sudão do Sul (Unmiss). Foto: Jared Ferrie/IPS

Por Lindah Mogeni, da IPS – 

Nações Unidas, 19/10/2016 – As forças de manutenção da paz da Organização das Nações Unidas (ONU) foram incapazes, e às vezes até contrárias, a intervir nos enfrentamentos violentos ocorridos na capital do Sudão do Sul em julho deste ano, segundo um estudo do Centro para Civis em Conflito (Civic).O informe detalha como a Missão de Assistência das Nações Unidas na República do Sudão do Sul (Unmiss) não pôde proteger a população civil durante o violento enfrentamento entre as forças governamentais e a oposição.

As forças de paz não estiveram dispostas a intervir porque estavam “desassistidas e desarmadas e teriam que enfrentar o exército sul-sudanês, quando enfrentam grandes obstáculos por parte do governo”, contou à IPS Matt Wells, assessor do Civic para a África e a manutenção da paz. Além disso, a falta de resposta da força de paz se deveu à morte de soldados chineses da ONU e à falta de atenção médica para os que ficaram feridos.

Aproximadamente 37 mil pessoas deslocadas residem em dois grandes acampamentos, conhecidos como locais de Proteção de Civis (POC), instalados em Juba, capital do país.Entre os dias 8 e 11 de julho, houve violentos confrontos perto deles, colocando em perigo os residentes civis, tanto dentro quanto fora dos acampamentos. Além disso, foram feitos vários disparos diretamente contra suas instalações.

“Mesmo levando em consideração o difícil cenário, a Unmiss claramente não agiu como deveria, segundo o cumprimento de partes de seu mandato, como a proteção de civis dentro e fora dos POC”, diz o informe do Civic. A Unmiss foi incapaz de atuar, em grande parte porque o governo sul-sudanês obstruiu seus movimentos e seu funcionamento. Mas o mau planejamento diante de imprevistos e o treinamento prévio à crise insuficiente fizeram com que a força de paz estivesse “mal preparada para responder às ameaças contra civis”, segundo o documento.

A atuação das forças de paz foi semelhante à que tiveram em outro ataque contra POCs, em fevereiro deste ano, quando alguns soldados abandonaram seus postos no perímetro dos acampamentos, se negaram a obedecer ordens e não compreenderam, ou não quiseram respeitar, o mandato da força, de acordo com uma investigação realizada pela própria ONU.

O informe das Nações Unidas sobre a crise de fevereiro foi divulgado em agosto, um mês depois do episódio de julho, lembra o documento do Civic. Por essa razão ainda não haviam sido feitas mudanças operacionais e a Unmiss continuava vulnerável. OCivic também detalha uma série de acontecimentos ocorridos em julho que levaram à ruptura da cadeia de comando dentro da Unmiss.

Nos enfrentamentos de julho, seis capacetes azuis (soldados da ONU) chineses foram feridos quando uma granada lançada por um foguete explodiu perto do blindado em que estavam. Dois morreram por falta de atenção médica adequada. Isso fez com que seus compatriotas abandonassem seus postos e que os portões do acampamento ficassem abertos e sem proteção, diz o informe do Civic.

“Na fuga, alguns soldados deixaram armas e munições, que foram temporariamente pegas por alguns jovens”, acrescenta o documento. Alguns capacetes azuis etíopes dos POCs permaneceram em seus postos, ajudaram a evacuar as vítimas, instruindo sobre como se proteger do fogo cruzado e, em algumas ocasiões, repeliram atraques de soldados. Os capacetes azuis ruandeses deram assistência básica, como médica, água e abrigo, diz o informe.

Estima-se que cerca de cinco mil civis fugiram pulando obstáculos e o arame farpado, com destino à base principal da ONU. Mas as forças da Unmiss teriam “lançado gás lacrimogêneo contra eles sem nenhuma ou pouca advertência”. Além disso, as forças de paz também foram incapazes e várias vezes não estiveram dispostas a defender os civis fora do acampamento, após ter início a violência.

Por exemplo, em 11 de julho, a Unmiss recebeu informação de um ataque contra um complexo em Juba, mas os “capacetes azuis etíopes e chineses se negaram a ir e não estiveram dispostos a intervir”, apesar de terem recebido ordem para responder à ação.Cerca de cem soldados do exército sul-sudanês teriam violado um grupo de cinco trabalhadoras humanitárias estrangeiras, agredido dezenas de pessoas e executado um jornalista do Sudão do Sul por sua suposta origem étnica nuer.

Os capacetes azuis também não protegeram armazéns importantes, nem escoltaram caminhões-tanque e nem ambulâncias, o que permitiu que soldados do exército saqueassem bens no valor de US$ 30 milhões, incluindo aproximadamente 4,5 mil toneladas de alimentos em um único depósito, suficientes para alimentar 220 mil pessoas durante um mês. Além disso, o risco para a população civil continuou sem resposta por parte da Unmiss, mesmo depois de declarado um cessar-fogo, no dia 11 de julho.

As mulheres e meninas, em especial, sofreram um grau de violência sexual generalizada quando deixavam o acampamento em busca de alimentos para suas famílias, segundo numerosos informes. “A lógica era que é melhor morrer fora do acampamento ou sair e ser estuprada do que morrer dentro dele. A fome era visível”, contou um alto oficial da Unmiss, segundo o Civic.

As forças de paz também demoraram a responder à violência sexual fora dos acampamentos. Muitos capacetes azuis não estavam dispostos a patrulhar em veículos que não fossem blindados, depois que o exército sul-sudanês limitou a circulação de blindados em certas áreas. Também a falta de comunicação entre a Unmiss e as comunidades dentro dos acampamentos dificultou uma vigilância efetiva.

A responsável pelo programa África e manutenção da paz do Civic, Lauren Spink, afirmou à IPS que “muitas mulheres não sabiam quando nem onde estavam as patrulhas e isso impediu que estas fossem um mecanismo de proteção efetivo”.O informe do Civic pediu ao governo sul-sudanês que “cessasse a obstrução dos movimentos e das atividades da Unmiss” e a esta pediu que investigasse e informasse sobre o mau desempenho de suas forças na proteção da população civil.

A organização também destaca a necessidade de impor um embargo de armas imediato contra o Sudão do Sul, para “limitar seu uso contra a população civil e responder aos contínuos obstáculos do governo”.Por sua vez, o Conselho de Segurança da ONU, de 15 membros, continua dividido sobre o embargo de armas e não tomou nenhuma decisão a respeito.

“Gostaríamos de ver menos condenações e mais ação”, pontuou Wells à IPS, se referindo ao costume do Conselho de emitir declarações condenando a violência, mas sem respostas concretas. O porta-voz do secretário-geral da ONU, Farhan Haq, informou, no dia 6 deste mês, que o fórum mundial aguardava a publicação de seu próprio informe sobre os episódios violentos ocorridos em Juba em julho, o que acontecerá em breve.

Segundo Haq, “depois da crise, houve atroca de alguns comandantes de uma unidade, porque,no atual contexto do Sudão do Sul, em que a missão da ONU está sobrecarregada, decidiu-se por não substituir uma unidade inteira sem que houvesse reposição imediata, para não deixar de proteger os locais de civis”. Envolverde/IPS