Foto: Lincoln Barbosa/Wikimedia - Creative Commons 3.0
Curvas do Parque Nacional de Anavilhanas. Foto: Lincoln Barbosa/Wikimedia – Creative Commons 3.0

Ministro Sarney Filho defendeu uso do Fundo Amazônia para projetos de saneamento e gestão de resíduos no Norte e Nordeste – mas será que esta é a abordagem correta?

Por Vanessa Pinsky, Alexandre Prado e Isak Kruglianskas, na Página 22 –

O Fundo Amazônia é uma iniciativa pioneira e um estratégico instrumento de captação de recursos de doações voluntárias para investimento não reembolsável em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, e de promoção do desenvolvimento sustentável da Amazônia Legal. Criado pelo governo federal em 2008 e gerido pelo BNDES, o fundo é considerado instrumento fundamental para o cumprimento dos compromissos assumidos pelo Brasil no âmbito das negociações das ações nacionais no combate à mudança climática.

Nesse curto tempo de vida, o Fundo Amazônia consolidou-se como um instrumento financeiro inovador na captação de recursos e na gestão de projetos, contribuindo para a implementação de políticas públicas ambientais – sobretudo na região amazônica. Conta com o envolvimento de diversos atores da sociedade civil por meio de um modelo de gestão multisetorial e já captou mais de US$ 1 bilhão do governo da Noruega (96,6%), do governo da Alemanha (2,7%) e da Petrobras (0,7%). A carteira de projetos do Fundo Amazônia conta com 81 projetos apoiados, executados por municípios, estados, União, ONGs e universidades nos diversos estados do bioma amazônico.

Uma das principais motivações que levaram o governo norueguês a aportar esse expressivo montante é poder transferir os recursos condicionados à apresentação de resultados na comprovação da redução efetiva de emissões de carbono oriundas do desmatamento e degradação florestal em um determinado período.

Chamado de REDD+ (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal), esse mecanismo objetiva promover incentivos positivos para países em desenvolvimento reduzirem emissões oriundas das mudanças do uso do solo, por meio da gestão sustentável das florestas, da conservação e do aumento dos estoques de carbono florestal. Pagamentos são efetuados por países desenvolvidos (doadores) na medida em que os países em desenvolvimento (receptores) implementam ações e políticas em REDD+ que apresentem redução das emissões de CO2, e que são apresentadas à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês).

Entre os países que receberam doações das nações acima citadas, o Brasil é considerado o que apresenta os melhores resultados no que tange à efetividade da iniciativa, reconhecido como benchmarking internacional para cooperação internacional em REDD+. Esse programa de doação constitui uma iniciativa pioneira ainda na fase de aprendizagem tanto para os países doadores como para os receptores.

O Acordo de Paris, aprovado em dezembro de 2015 pelos 195 países-membros da UNFCCC para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, e com o objetivo de limitar o aumento da temperatura global abaixo de 2 graus Celsius até 2050, considera o REDD+ um mecanismo central de mitigação (redução de emissões) com foco em florestas.

O Acordo estabelece que, a partir de 2020, países desenvolvidos devem contribuir com pelo menos US$ 100 bilhões anualmente para financiar ações de mitigação e adaptação em países em desenvolvimento. O Acordo também define o Green Climate Fund – mecanismo financeiro semelhante ao Fundo Amazônia, mas com alcance global, como um dos principais canais de financiamento para operacionalizar acordos multilaterais, incluindo programas nacionais focados em REDD+.

Nesse contexto, nos parece inadequada a proposta do atual ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, divulgada durante o Seminário Fórum Economia Limpa em 26 de junho, promovido na capital paulista pelo jornal Folha de S.Paulo. O ministro propõe rever o foco de investimento do Fundo Amazônia para destinar recursos a projetos de saneamento básico e de gestão de resíduos sólidos – a chamada agenda marrom, nas regiões Norte e Nordeste do País.

Sem dúvida nenhuma o saneamento básico deve ser uma das principais prioridades socioambientais de qualquer país em desenvolvimento, assim como o complexo problema contemporâneo da gestão dos resíduos sólidos urbanos. No entanto, o Fundo Amazônia foi concebido com outro propósito e, como dissemos, é reconhecido internacionalmente como o primeiro e mais bem sucedido programa de REDD+ do mundo.

O próprio governo federal reconhece que “a implementação de atividades de REDD+ e a permanência de resultados obtidos requerem a provisão contínua de pagamentos por resultados de forma adequada e previsível, em conformidade com as decisões relevantes da Conferência das Partes. Nesse sentido, o fluxo de recursos financeiros provenientes dos pagamentos por resultados de REDD+ serão integralmente considerados como instrumento de implementação da INDC [sigla em inglês para Contribuição Nacionalmente Determinada Pretendida] do Brasil” (goo.gl/0O5sor).

Por fim vale a dúvida: será que o ministro combinou com os russos? No caso, os principais doadores noruegueses ou alemães? Uma vez que eles contabilizam este apoio como parte dos compromissos de apoio às ações de mitigação à mudança climática, não poderiam substituir esta meta pela implantação de projetos de saneamento básico e de resíduos sólidos. Não poderiam, e nem a sociedade de seus países apoiaria tal alteração.

Sendo assim, defendemos que a razão de existir do Fundo Amazônia continue sendo pautada no apoio a iniciativas inovadoras e adicionais com foco principal na gestão sustentável da floresta amazônica, com desenvolvimento territorial, negócios inclusivos e a manutenção da floresta em pé, visando também a preservação da biodiversidade única do bioma. (Página 22/ #Envolverde)

* Vanessa Pinsky é pesquisadora e doutoranda na FEA/USP. Alexandre Prado é ambientalista. Isak Kruglianskas é professor titular na FEA/USP e diretor geral na FIA.

** Publicado originalmente no site Página 22.