Política Pública

O clima mata a mulher duas vezes, pelo trabalho e pelos desastres

Por Carolina de Barros, direto de Marrakech, especial para a Envolverde –

As mulheres são os grupos mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas, principalmente em comunidades rurais na África.

Um grupo particular de mulheres, pequenas agricultoras e mulheres indígenas, já precisam alterar suas vidas ou migrar por causa das mudanças climáticas. Para mudar isso, primeiro é preciso as empoderar, para que elas tenham voz.

A ex-Ministra marroquina do Meio Ambiente, Hakima El Haite, explica que as mulheres são as primeiras vítimas das mudanças climáticas. “Elas morrem em enchentes e desastres, elas mudam suas vidas para conseguir comida e criar suas famílias”, lamenta. El Haite acredita que as mulheres têm responsabilidade de mudar e inovar, buscando novas dinâmicas nas relações econômicas que sejam menos depredatórias. “As mulheres têm que ajudar umas às outras. Nós criamos a vida, nossa opinião deveria influenciar a dos líderes”, afirma.

As mulheres indígenas africanas não estão pedindo entendimento, mas estão pedindo pela própria vida. O gênero precisa ser considerado no Acordo de Paris. Existe uma oportunidade e nós, mulheres, temos que usar esse momento para agir.

Nessas comunidades, as mulheres são as guardiãs do conhecimento e dos recursos naturais. El Haite explica que por isso os aspectos culturais devem ser levados em conta antes de medidas serem executadas, já que  mulheres precisam vencer desvantagens históricas.

Realidade das mulheres africanas

Diversas vezes foi reforçado durante discursos e negociações que a COP22 é a COP da África, voltada para definir medidas de apoio e ação no continente africano. Mas isso é muito fácil e soa bonito quando dito de fora por nós, estrangeiros, ricos e brancos, sem escutar a voz das próprias e dos próprios africanos.

Agnes Leina é fundadora e diretora da associação I’llaramatak, voltada para os problemas de pequenas comunidades rurais. Nascida em uma comunidade pastoreia no Quênia, há oito anos é ativista pelos direitos das mulheres. Para ela, as mulheres ainda não são ouvidas nos debates climáticos e as NDCs não fazem recorte de gênero. “Os direitos não devem ser metade para cada gênero, porque sempre foram 100% para homens. Temos que corrigir isso”, explica.

Ela conta que no Quênia uma companhia nórdica junto com o governo desenvolveu um projeto de moinhos de vento para produzir eletricidade, mas sem consultar a população – e com zero retorno para as comunidades, que continuam sem energia. Em busca de ser “renovável”, o governo desalojou famílias e os maiores afetados foram mulheres e crianças, que precisaram voltar a atividades básicas para conseguir água e comida, sem poderem focar em lazer ou educação. “Nosso luto é o lucro dessas empresas. Devemos deixar as mulheres rurais terem voz, elas devem decidir os meios de mudança e gerenciar o processo de adaptação climática. Elas são as mais afetadas”, afirma Leina.

Agnes Leina e Sada Albachir em Conferência na COP22. Foto: Carolina de Barros
Agnes Leina e Sada Albachir em Conferência na COP22. Foto: Carolina de Barros

 

Também esteve na discussão Sada Albachir, nigeriana e diretora do Comitê da População Indígena Africana. Ela contou que, na Nigéria, existem caravanas de povos nômades, chamados de “Bleu” (povos azuis). As mulheres têm um papel importante na relação com o ecossistema porque cuidam da agricultura e são curandeiras usando plantas medicinais. Mas, por causa da ação de indústrias e das mudanças climáticas, essas regiões passaram por desertificação e elas perderam seu meio de sustento, que era a natureza. “As mulheres têm menos acesso à saúde, as crianças não vão para a escola. Em busca de condições melhores, essas mulheres saem de suas comunidades e vão para as cidades onde enfrentam a pobreza ou a prostituição”, lamenta.

Albachir acredita que a luta para evitar os impactos das mudanças climáticas deve também promover o direito das mulheres e das comunidades indígenas, exigindo legalmente que sejam respeitados pelas indústrias. Além disso, ela pensa que as mudanças devem focar em alternativas sustentáveis e educacionais para o estilo de vida nômade, realidade na África, e na preservação de plantas medicinais. “Qual a sua contribuição para fazer a vida de mulheres como as das comunidades nigerianas melhores?”, questiona. Os direitos das mulheres ainda são um desafio que precisa ser tratado nas NDCs.

Do que vivem as pequenas agricultoras?

Segundo o Fundo Internacional para Desenvolvimento da Agricultura (IFAD), cerca de 70% a 80% do trabalho braçal na agricultura africana é realizado por mulheres, mas só um quarto dessas trabalhadoras são parte de negócios formais e menos de 1% delas têm acesso a crédito rural. O IFAD desenvolveu o Programa de Adaptação para Pequenos Agricultores (ASAP), que atua em mais de 30 países em desenvolvimento, usando o financiamento rural para implementar medidas sustentáveis, mas sem focar especificamente na questão das mulheres.

Para mudar esse cenário, será desenvolvido um Financiamento para Mulheres Impactadas pelo Clima (AFAWA, em inglês), apresentado durante uma conferência da COP 22 por um representante do Banco da África. O objetivo é construir a resiliência climática através da inclusão, proporcionada pela criação desse fundo. A renda tornará possível o acesso das mulheres à mecanização e a equipamentos que facilitem o trabalho diário, ganhando cerca de duas a quatro horas, durante as quais as mulheres e meninas poderão realizar atividades paralelas de divertimento e educação.

Na África, o financiamento é mais difícil para mulheres, porque os bancos veem negócios femininos como muito arriscados. Nesse cenário, o AFAWA será uma medida que diminuirá a diferença entre os gêneros a partir do empoderamento feminino pelo trabalho. O fundo garantirá US$ 3 bilhões para auxiliar o negócio local de mulheres pelos próximos 10 anos. (#Envolverde)