Política Pública

Migrantes climáticos são invisíveis na Ásia

Por Manipadma Jena, da IPS – 

Nova Délhi, Índia, 15/12/2016 – Tasura Begum lembra o dia em que ela e seu marido viram como o poderoso rio Padma levou sua casa de palha e sua pequena granja, na aldeia de Beparikandi, em Bangladesh, e com elas suas esperanças e seus sonhos. Seu marido teve que ir para a Arábia Saudita trabalhar na construção para poder pagar o empréstimo feito para comprar comida e construir outra choça mais afastada do rio. Seu filho mais velho foi para Daca e deixou-a com outro filho de quatro anos e uma filha adolescente, que sonha em ser médica para curar o problema renal de sua mãe.

As más colheitas, o aumento do nível do mar e as inundações causadas pela mudança climática geram mais emigração do que nunca no sul da Ásia, segundo o estudo A Mudança Climática Não Tem Fronteiras, divulgado no dia 8 deste mês em conjunto por ActionAid, Climate Action Network-South Asia e Pão para o Mundo.

Vítimas das inundações recebem comida de emergência em uma aldeia costeira no Estado de Odisha, na Índia. Foto: Manipadma Jena/IPS

 

As três organizações internacionais alertam para as consequências da mudança climática, em particular em Bangladesh, Índia, Nepal e Sri Lanka, e pedem aos governos que reconheçam e remedeiem as carências em políticas estatais antes que explodam e se convertam em emigração em massa, descontentamento e conflitos pelos recursos.

Desastres repentinos, como ciclones e inundações, podem provocar deslocamentos temporários. Mas, se esses fatos ocorrerem reiteradamente, as pessoas podem perder suas economias e seus bens até serem obrigadas a partir para outras cidades ou países, inclusive ilegalmente, para encontrar trabalho, segundo vários estudos. A salinização pela elevação do nível do mar e a perda de terra pela erosão, entre outros fatores, também obriga as pessoas a abandonarem suas casas no sul da Ásia, onde a dependência dos recursos naturais e a pobreza são altas.

O ciclone Roanu passou por Bangladesh, Índia e Sri Lanka em maio, causando danos generalizados, com custos de reconstrução estimados em US$ 1,7 bilhão. O impacto da seca e a falta de cultivos este ano se estendeu por Bangladesh, Índia, Nepal e Sri Lanka, afetando 330 milhões  de pessoas somente na Índia.

Em 2015, a Ásia meridional – que teve 52 desastres e 14.650 mortos, ou 64% das vítimas do planeta por esse motivo – foi a sub-região mais propensa aos desastres dentro da região Ásia-Pacífico, que por sua vez é a mais propensa aos desastres em todo o mundo, segundo a Comissão Econômica e Social das Nações Unidas para a Ásia e o Pacífico (Unescap).

Entre 2008 e 2013, os desastres naturais deslocaram mais de 46 milhões de pessoas no sul da Ásia. A Índia ficou em primeiro lugar, com 26 milhões de deslocados, de acordo com o Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno, com sede em Genebra. O estudo Perspectivas do Meio Ambiente Mundial (GEO-6), do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), alerta que 40 milhões de pessoas na Índia e 25 milhões  em Bangladesh – cerca de 3% e 16% das respectivas populações – correrão risco em razão da elevação do nível do mar até 2050.

“Apesar dos sinais claros, a magnitude da mudança climática como fator adicional de expulsão continua sendo majoritariamente invisível no discurso sobre a migração”, apontou à IPS Harjeet Singh, da ActionAid sobre a mudança climática. “A invisibilidade dos que são obrigados a deixar suas casas devido à mudança climática implica que possivelmente não recebam a mesma proteçção e os mesmos direitos concedidos aos demais deslocados internos ou refugiados”, destacou.


Uma semana depois de a água ter arrasado sua casa, esta família de Odisha continua vivendo na rua. O pai teve que ir trabalhar no vizinho Estado de Andhra Pradesh. Foto: Manipadma Jena/IPS

 

“As populações forçadas a emigrar, levadas pelo desespero e pela falta de opções, são menos seguras quando abandonam sua terra por outras desconhecidas. Têm que optar por empregos com remuneração menor, frequentemente são explorados e sofrem hostilidades”, explicou Sanjay Vashist, diretor para o sul da Ásia da organização Climate Action Network.

O informe cita também o crescente tráfico de mulheres e meninas com fins de exploração sexual como resultado da migração, bem como a carga que sofrem as mulheres que ficam para trás quando seus maridos são obrigados a emigrar, como é o caso de Tasura Begum.

As mulheres que emigram sozinhas são as mais vulneráveis à exploração e ao abuso. As jovens nepalesas e bengalis que buscam trabalho na Índia não têm outro contato além dos “agentes” locais que lhes prometem emprego, sobretudo como empregadas domésticas. Mas, em muitos casos, esses agentes são, na realidade, traficantes. Quando as migrantes chegam às cidades, são obrigadas a trabalhar em bordéis, contra sua vontade.

Embora esse fenômeno ocorra há anos e seja reconhecido, o informe ainda não compreende totalmente o grau em que a mudança climática contribui para o problema. De acordo com o Banco Mundial, 12,5% das famílias de Bangladesh, 14% da Índia e até 28% do Nepal são chefiadas por mulheres, muitas vezes como consequência da migração masculina.

“São necessárias definições mais claras para a migração e o deslocamento climático, e estas devem proporcionar a base para a recopilação e análise de dados, além de políticas claras baseadas nos direitos humanos”, ressaltou Singh à IPS, do Fórum Mundial sobre Migração e Desenvolvimento, realizado entre os dias 8 e 12 deste mês, em Bangladesh.

“O Mecanismo Internacional das Nações Unidas sobre Perdas e Danos (aprovado em Varsóvia em 2013) deve garantir a proteção legal das pessoas forçadas a emigrar ou que foram deslocadas pela mudança climática”, afirmou Singh. Os recursos hídricos transfronteiriços, que em grande parte são processos políticos muito complexos, também exacerbam a vulnerabilidade das comunidades diante da mudança climática, acrescenta o informe.

“Os governos da Ásia meridional devem reconhecer que a mudança climática não conhece fronteiras, e que têm a responsabilidade de usar nossos ecossistemas compartilhados, rios, montanhas, história e culturas para buscar soluções comuns para as secas, o aumento do nível do mar e a escassez de água”, enfatizou Vashist. Envolverde/IPS