Política Pública

A islamofobia em tempos de Trump

Por Andy Hazel, da IPS – 

Nações Unidas, 20/1/2017 – O aumento de ações contra a comunidade muçulmana motivou uma reunião urgente na Organização das Nações Unidas (ONU), poucos dias antes da posse do novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, cujas declarações políticas propiciaram sentimentos antimuçulmanos. Um exemplo é a iniciativa #No2Hatred, impulsionada nas redes sociais, que foi mal-interpretada, cooptada e desviada por pessoas nefastas e que depois derivou em inflamados discursos políticos.

“O ódio contra os muçulmanos não surge do nada”, afirmou o embaixador extraordinário dos Estados Unidos para a Liberdade Religiosa Internacional, David Saperstein, no Fórum de Alto Nível para Combater o Ódio e a Discriminação contra os Muçulmanos, realizado no dia 17, na sede da ONU, em Nova York. “A crescente xenofobia que existe no mundo apresenta desafios que chamam nossa atenção e os dados não deixam dúvidas de que é assim”, acrescentou.

Saperstein citou estudos que mostram uma enorme violência e discursos antimuçulmanos. A França registrou 223% mais casos de ataques contra essa comunidade entre 2014 e 2015. A organização Tell Mama contou 326 casos de abuso e ataques públicos na Grã-Bretanha no mesmo período. Outra investigação mostra que, em 2016, 72% dos húngaros pesquisados para o estudo reconheceram ter opiniões negativas sobre os muçulmanos.

“A falta de registros é um problema estrutural muito grave, que deixa os dados obscuros. O efeito silenciador é enorme e devemos nos propor a enfrentá-lo”, destacou Saperstein. “Sinceramente, lamento a necessidade dessas deliberações”, declarou Richard Arbeiter, diretor-geral do Escritório de Direitos Humanos, Liberdades e Inclusão, de Assuntos Globais do Canadá. “A maioria dos crimes de ódio contra os muçulmanos se dirige contra as mulheres. Gostaria de convidar todos a pensarem na dimensão de gênero que essa violência tem”, ressaltou.

O debate no Fórum se concentrou na melhor forma de os governos combaterem a discriminação contra os muçulmanos e em como promover narrativas positivas para propiciar a inclusão. Vários temas foram recorrentes no encontro, como qual a melhor forma de envolver atores políticos e organizações de diferentes âmbitos, bem como a melhor maneira de combater a informação falsa que circula na internet e nas redes sociais.

A islamofobia se concentra especialmente nas mulheres. Foto: Tobin Jones/ONU

 

O diretor de relações muçulmanas-judias do Comitê Judeu Norte-Americano, Robert Silverman, destacou a ideia de enviar mensagens positivas mediante a criação de alianças e compartilhando prioridades com organizações pouco habituais. Ele argumentou que “é muito comum as pessoas acabarem falando entre si, dentro de bolhas. Em um país como os Estados Unidos, ou em um lugar como a Europa, precisamos sair da bolha e nos aproximarmos de sócios pouco prováveis e pouco ortodoxos”. E acrescentou que “é preciso se concentrar nos pontos em comum. Não se trata de apresentar um tema como a mudança climática. Apenas de se concentrar nos pontos comuns”.

Por sua vez, o coordenador da Comissão Europa para combater o ódio contra os muçulmanos, David Friggieri, se referiu à reunião que teve com diretores do Facebook, Twitter, Microsoft e Google, como “conversações abertas e francas”, que levaram ao fortalecimento da liberdade de expressão na União Europeia (UE), em um esforço para combater a islamofobia. A “linha vermelha” acordada entre as companhias e a legislação europeia foi uma incitação, ressaltou.

Segundo Friggieri, “temos uma lei que proíbe a incitação à violência e ao ódio por questão de raça, religião, origem étnica ou nacionalidade. Estamos monitorando a situação com eles a cada poucos meses. Tivemos nossos primeiros resultados e houve melhoras, mas esperamos que se registrem mais”.

“Quanto aos discursos de ódio realmente negativos como a incitação à violência, observamos como os retiram, quanto tempo passa até conseguirem, quais respostas foram oferecidas pelas companhias às empresas que notificam e aos sinalizadores confiáveis. Definitivamente, o objetivo é eliminar o pior tipo de incitação à violência”, explicou Friggieri.

Por sua vez, o secretário-geral da Organização para a Cooperação Islâmica (OCI), Moiz Bokhari, se referiu ao Centro para o Diálogo, a Paz e o Entendimento, um novo site que oferece argumentos para desconstruir narrativas perigosas. O site aponta contra os crimes e a radicalização, bem como contra “todo tipo de discurso radical extremista, a fim de deslegitimar atos violentos e manipuladores cometidos em nome da religião, da ideologia ou com argumentos de superioridade cultural”, detalhou.

O Fórum de Alto Nível se concentrou em como mudar os sentimentos negativos e divulgar uma mensagem de tolerância e inclusão. O secretário-geral da ONU, António Guterres, reafirmou o valor da iniciativa Juntos: Respeito, Segurança e Dignidade para Todos, surgida da Reunião de Alto Nível sobre Refugiados e Migrantes, realizada em setembro em Nova York, pensada para fortalecer os vínculos entre migrantes, comunidades e países anfitriões.

Os oradores relataram histórias de êxitos interconfessionais, como o povoado canadense que juntou dinheiro para reconstruir uma mesquita, incendiada após os atentados terroristas de Paris, em novembro de 2015, ou uma mesquita norueguesa protegida de ataques pela comunidade judia de Oslo. Também mencionou o poder de histórias positivas protagonizadas por muçulmanos no noticiário e na cultura popular, como o êxito de Sadiq Jan, que superou uma campanha de ódio e se converteu no primeiro prefeito muçulmano de Londres.

“A política está contra nós, mas não tanto a política local”, apontou Catherine Orsborn, diretora da campanha interconfessional contra a islamofobia da organização Shoulder to Shoulder. Muitos oradores também mencionaram a importância de ter relações com as forças de segurança, bem como com as autoridades políticas locais, para poder combater efetivamente todo futuro ato de islamofobia.

“O ambiente político está muito viciado, mas cabe aos dirigentes vender e ter confiança de que vendem uma sólida narrativa sobre inclusão e diversidade”, enfatizou o diretor de Europa e Geopolítica da organização Amigos da Europa, Alfiaz Vaiya. “Creio que os jovens são a chave para continuar avançando: vemos como votam, vemos como seguem tendências progressistas e devemos incentivar mais os jovens a participar desse tipo de debate”, ressaltou. Envolverde/IPS