Internacional

Êxito com sombras na redução da fome

Distribuição de alimentos em uma localidade do Estado mexicano de Tabasco, parte de um dos muitos programas criados na América Latina nos últimos 15 anos para reduzir a fome. Foto: Mauricio Ramos/IPS
Distribuição de alimentos em uma localidade do Estado mexicano de Tabasco, parte de um dos muitos programas criados na América Latina nos últimos 15 anos para reduzir a fome. Foto: Mauricio Ramos/IPS

Por Marianela Jarroud, da IPS – 

Santiago, Chile, 1/6/2015 – A América Latina e o Caribe são a primeira região do mundo a alcançar as duas metas internacionais de redução da fome, porém, mais de 34 milhões de seus habitantes estão longe desse êxito, por uma situação muito desigual segundo o território.

“Essa é a região que melhor interpretou o problema da fome, e é a região onde se deu mais ênfase às políticas de atenção a grupos vulneráveis. Os resultados estão de acordo com essa ênfase”, afirmou à IPS o representante regional da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Raúl Benítez.

O Panorama da Insegurança Alimentar na América Latina e no Caribe, divulgado no dia 28, em Santiago do Chile, na sede regional da FAO, estabelece que a prevalência da fome afeta 5,5% de sua população, ou 34,3 milhões de pessoas.

Estes números significam que a região já cumpriu a meta de reduzir pela metade a proporção de pessoas que sofriam fome, incluída nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), estabelecidos em 2000 e que vencem no final deste ano. Também estão de acordo com o contexto da Cúpula Mundial sobre a Alimentação, realizada em 1996.

Segundo o Panorama, atualmente vivem em condição de pobreza 28% da população latino-americana, estimada em cerca de 605 milhões de pessoas, contra 44% em 2002. Mas, por outro lado, a indigência voltou a crescer nos dois últimos anos.

Quanto à erradicação da fome, o documento afirma que a América do Sul obteve o maior grau de avanço entre os triênios 1990-1992 e 2012-2014, mas também é aí onde ainda existe um maior número de pessoas subalimentadas, em uma área cuja população equivale a 65,9% do total regional.

A América Central também conseguiu nesse período reduzir a fome de 12,6 milhões para 11,4 milhões de pessoas. Entretanto, um ponto negativo é que a queda está paralisada desde 2013, em grande parte devido à situação no Haiti, onde vive 75% da população subalimentada do Caribe. O país enfrenta a situação mais crítica de todo o subcontinente, afirma o documento da FAO.

“Os problemas do Haiti são muito profundos, históricos, de séculos, relacionados com o colonialismo, a distribuição de terras”, apontou a representante regional-adjunta da FAO, Eve Crowley, durante a apresentação do Panorama. “O problema recente da instabilidade política é um fator muito importante, que teve impactos negativos no crescimento econômico. Os problemas históricos demoram para serem resolvidos”, acrescentou.

Em contraste com essa realidade, mais de 30 milhões de pessoas superaram a fome na América Latina e no Caribe nos últimos 20 anos, gerando “um valioso repertório de políticas públicas que pode servir como base para outros contextos regionais.

Raúl Benítez, representante regional da FAO, em seu escritório na sede dessa agência da ONU em Santiago do Chile. Foto: Marianela Jarroud/IPS
Raúl Benítez, representante regional da FAO, em seu escritório na sede dessa agência da ONU em Santiago do Chile. Foto: Marianela Jarroud/IPS

Segundo a FAO, as melhoras na segurança alimentar e nutricional na região se sustentam, em boa parte, na positiva situação macroeconômica durante a última década e no compromisso político dos países da América Latina e do Caribe com a erradicação da fome.

A expressão mais recente, disse Benítez à IPS, é a aprovação do Plano de Segurança Alimentar, Nutrição e Erradicação da Fome até 2025 da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), principal órgão de concertamento econômico e político da região.

O plano, pioneiro em nível mundial, propõe a erradicação definitiva da fome até 2025, uma meta que significa vários desafios, como a mitigação dos efeitos da mudança climática que afeta principalmente a agricultura familiar camponesa e os grupos mais vulneráveis, que vivem em ecossistemas mais complexos, mais frágeis, detalhou Benítez.

Então, a tarefa é a adaptação à mudança climática para dar sustentabilidade aos sistemas alimentares. Os desafios também supõem vencer com êxito a etapa de paralisação ou desaceleração econômica que afeta não somente a região.

“Os perigos de retroceder sempre estão latentes. Temos que estar conscientes de que isso continua afetando milhões de mulheres, homens, meninos e meninas da região, que são próximos, são irmãos”, afirmou o representante da FAO. “A fome priva de educação, saúde, cidadania, mas priva principalmente da liberdade e nisso priva a todos nós: priva o faminto e também o satisfeito. Não podemos nos permitir a existência de uma irmã, um irmão latino-americano ou caribenho sofrendo fome”.

Benítez recordou que na América Latina e no Caribe o problema não é a falta de alimentos, mas o fato de os pobres não terem os recursos para adquiri-los. “É um problema de acesso, não de produção”, ressaltou. E acrescentou que “a fome é muito mais do que um prato de comida sobre a mesa e continua sendo um problema que aflige a todos nós. O consideramos um problema regional e, portanto, a solução também deve ser em nível regional”.

Benítez ressaltou que, “embora todos os países venham melhorando as porcentagens de pessoas que puderam superar o problema da fome, há alguns que conseguiram fazê-lo mais rápido do que outros. Então, os países com mais experiência ou os mais ricos da região, têm que sair em auxílio dos demais países, para que estes acelerem o processo de erradicação da fome”.

Francisco Quiroga, especialista em políticas púbicas da Universidade do Chile, disse à IPS que a nova etapa deve estar encabeçada por uma mudança de modelo, do atual extrativismo para um capaz de estabelecer a qualidade nas políticas e repensar as formas adequadas de desenvolvimento.

“Muitas políticas sociais implantadas pelos países da região com vistas ao cumprimento dos ODM foram focadas na erradicação de índices ou na redução das brechas por meio de números, mas que não consideraram temas tão relevantes para a região, como a desigualdade”, explicou Quiroga. Também surgiram novas carências, como o impacto da mudança climática ou o acesso ao desenvolvimento dos recursos naturais, ou a má qualidade dos hábitos alimentares, por isso o novo modelo deve ser sustentável, acrescentou.

Justamente, no final deste ano os ODM serão substituídos pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), nos quais, junto com a fome, aparecem outros desafios alimentares, como o perigoso avanço da obesidade, que ameaça se converter em um novo grande problema alimentar mundial, destacou Benítez. “O problema da obesidade é algo que não podemos deixar de analisar, porque tem impacto severo em nossas populações. Ainda não é tão grave como o problema da fome, mas ameaça ser igual”, enfatizou. Envolverde/IPS