Internacional

Desertificação, migração e guerras

Uriel N Safriel, presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia da Convenção das Nações Unidas de Luta Contra a Desertificação. Foto: Manipadma Jena/IPS
Uriel N Safriel, presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia da Convenção das Nações Unidas de Luta Contra a Desertificação. Foto: Manipadma Jena/IPS

Por Manipadma Jena, da IPS – 

Ancara, Turquia, 6/11/2015 – Faltam estudos científicos que vinculem a degradação da terra, a migração, os conflitos armados e a instabilidade política, segundo Uriel N Safriel, presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia da Convenção das Nações Unidas de Luta Contra a Desertificação (UNCCD).

A desertificação da terra poderia provocar o deslocamento de 135 milhões de pessoas até 2045, segundo um informe recente do Ministério da Defesa da Grã-Bretanha. E o número chegaria a 200 milhões até 2050, devido a outras consequências da mudança climática, como os desastres naturais, alertou o especialista britânico em refugiados ambientais, Norman Myers.

A guerra civil na Síria gerou mais de quatro milhões de refugiados em pouco mais de 24 meses, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), e mais de 7,6 milhões estão deslocados dentro do país, o que representa metade dos cerca de 23 milhões de habitantes que esse país tinha antes da guerra.

Apesar da dor e da angústia que a guerra na Síria provoca, esses números são mínimos, comparados com a quantidade de refugiados que provavelmente a desertificação e a mudança climática provocarão. Safriel destacou a urgente necessidade de os responsáveis políticos contarem com estudos científicos que vinculem a degradação da terra, a migração, os conflitos armados e a instabilidade política, evidente em vários países, especialmente na África.

“O território sírio consiste majoritariamente de terras áridas. Por lógica, e segundo a experiência não baseada na ciência, é provável que as secas ocorridas na Síria e no Iraque (entre 2006 e 2010) tenham reduzido severamente a produtividade da terra”, afirmou o presidente da UNCCD. “Grande parte da população síria depende da terra para subsistir e a crise agrária pode ter contribuído, ou mesmo incitado, o conflito”, ponderou.

A Síria é um país relativamente novo, cujas fronteiras foram definidas por França e Grã-Bretanha depois da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Dessa forma, reuniu-se diferentes grupos étnicos em um mesmo território, o que assentou as bases políticas para a instabilidade, afirmou o funcionário das Nações Unidas.

Safriel apontou ainda que “estudos de outros países apoiam indiretamente que as secas provocaram o conflito na Síria, um da ilha italiana de Sicilia e outros dois da África. Segundo esses estudos, regiões classificadas com áridas aqui se tornaram hiperáridas devido à mudança climática, como prognosticou o Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática” (IPCC).

“A ciência pode afirmar com razão que a degradação do solo é um fator importante na migração, porque os países que geram a maior quantidade de migrantes hoje em dia são aqueles onde a desertificação e a degradação da terra se materializaram”, afirmou Safriel.

Simulações científicas preveem que América Latina e Índia teriam quedas de 8% a 14% e 4%, respectivamente, em seu produto interno bruto agropecuário. Na África, Burkina Faso teria redução de 20% e Mali perderia até 30%. A mudança climática já afetou de diversas maneiras os dois bilhões de pessoas que vivem nas regiões mais áridas do mundo, que representam 41% da superfície terrestre, segundo a UNCCD.

A migração temporária se intensificou. As más colheitas obrigam 40% das famílias de todo o mundo a se deslocarem. A destruição dos cultivos faz com que 17% se desloquem, enquanto 13% abandonam suas terras devido a eventos climáticos de magnitude, como secas extremas.

Nos últimos 60 anos, 40% dos conflitos dentro dos Estados estiveram vinculados à terra e a recursos naturais como a água, segundo informes da UNCCD. Em 2008, a insegurança alimentar provocou 60 distúrbios em mais de 30 países, e em dez deles houve numerosas mortes.

Como acontece na Síria, também no Afeganistão, Eritréia, Gâmbia, Iraque, Nigéria, Paquistão, Senegal, Somália e Sudão, sob a superfície dos conflitos e da instabilidade política se encontram terras áridas e frágeis, que sofreram uma queda abrupta em seus rendimentos agrícolas, o que gerou fome, desemprego, falta de oportunidades e, por fim, o caos.

Atualmente, 70% dos países declaram problemas de segurança nacional em razão da mudança climática, manifestada na desertificação e na seca, entre outras consequências. O informe do Ministério da Defesa britânico diz que, devido a essas situações socioeconômicas, as zonas com maior população de jovens são mais suscetíveis à instabilidade e aos conflitos armados, bem como a serem vítimas do extremismo racial.

“Embora a migração sempre tenha sido um mecanismo de adaptação natural, a dificuldade atual é que as causas e as consequências da migração têm vínculos complexos com o clima e outros fatores sociopolíticos”, explicou Safriel. “Os cientistas sociais não apresentam com clareza – ou não o fazem em absoluto – os vínculos existentes entre o uso inadequado da terra, a consequente degradação e a perda de meios de vida como possíveis causas da migração”, acrescentou.

“Embora precisemos de mais informação sobre esses vínculos para conhecermos quais fatores contribuem mais para a migração, sabemos com certeza que a degradação da terra é o fator que pode impulsionar outros fatores”, pontuou Safriel. “Por sua vez, a degradação da terra tem outras numerosas causas, sendo uma delas a mudança climática. Um fator direto dessa degradação é o uso inadequado do solo. Por que um agricultor degrada sua própria terra? A resposta está em um conjunto de fatores indiretos: políticos, de políticas públicas e demográficos”, acrescentou.

Também é importante que os agricultores contem com um mercado estável para seus produtos, o que depende da estabilidade social, política e econômica do país, segundo Safriel, para quem os cientistas sociais e políticos não conseguem explicar o motivo de existirem tão poucas políticas públicas para apoiar os usuários da terra.

Segundo a Organização das Nações Unidas para a alimentação e a Agricultura (FAO), nos últimos 40 anos, quase um terço das terras cultiváveis do mundo sucumbiram à erosão. Um informe deste ano concluiu que se perde 12 milhões de hectares anualmente. Para alimentar a população mundial de 2050, estimada em 9,7 bilhões de pessoas, a produção agrícola deve aumentar 70%, e 100% nos países em desenvolvimento. Envolverde/IPS