Internacional

Cubanos desfavorecidos aguardam o papa

Menina segura um cartaz de boas-vindas ao papa Francisco na igreja São Paulo Apóstolo, na localidade rural de Consejo Popular Pablo Noriega, na província de Mayabeque, em Cuba. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
Menina segura um cartaz de boas-vindas ao papa Francisco na igreja São Paulo Apóstolo, na localidade rural de Consejo Popular Pablo Noriega, na província de Mayabeque, em Cuba. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

Por Ivet González, da IPS – 

Pablo Noriega, Cuba, 18/9/2015 – Com cuidado e devoção, a cubana Pastora Rodríguez colocou na porta de sua humilde casa um pequeno cartaz de boas-vindas ao papa Francisco, terceiro chefe da Igreja Católica a visitar esta nação de governo socialista em 17 anos. “Neste mesmo lugar coloquei os cartazes para receber em 1998 João Paulo II e em 2012 Bento 16”, contou à IPS esta mulher de 85 anos, que mora em Consejo Popular Pablo Noriega, um povoado da província de Mayabeque, 50 quilômetros ao sul de Havana.

“Se Deus quiser, também poderei ver o papa latino-americano durante as boas-vindas” no dia 19, em Havana, disse Rodríguez colocando a mão direita sobre a cruz que traz pendurada em seu pescoço. “Ele se parece mais com a gente, é mais familiar. Vou pedir para que todos em Cuba se unam em beneficio do país”, acrescentou.

Entre os dias 19 e 22, o argentino Jorge Mario Bergoglio visitará Havana e as cidades de Holguín e Santiago de Cuba, ambas no leste deste país de 11,2 milhões de habitantes e com cerca de 400 instituições religiosas, segundo dados oficiais.

Os números sobre religião neste Estado laico são escassos e segregados por denominações, mas especialistas destacam que atualmente se diversificam cada vez mais as comunidades espirituais que priorizam o trabalho social em lugares desfavorecidos, como esta pequena localidade rural de menos de duas mil pessoas.

Um templo católico, uma igreja pentecostal, uma casa de missão batista e outra de Testemunhas de Jeová se encontram neste assentamento que surgiu do antigo engenho de açúcar Pablo Noriega. Também não faltam seguidores do candomblé, fruto da mescla entre o catolicismo e as religiões yorubá trazidas a esta terra pelos escravos africanos.

“As autoridades locais nos informaram que temos um papel importante nessa comunidade, porque ajudamos muitas pessoas a restabelecerem suas vidas em condições muito difíceis”, disse à IPS a pastora Susana Hinojosa, da Igreja Pentecostal Caminho de Santiago. Esse templo de paredes rústicas foi levantado há pouco por seus próprios fiéis. Sobre longos bancos em piso de terra, a congregação celebra os cultos na acolhedora nave, vizinha à casa da pastora e seu marido, que há cinco anos introduziram essa denominação evangélica na localidade. Para ela, de 34 anos, a visita de Francisco só beneficiará o catolicismo cubano.

Pastora Rodríguez coloca na porta de sua humilde casa um cartaz de boas-vindas ao papa Francisco, no assentamento rural de Consejo Popular Pablo Noriega, 50 quilômetros ao sul de Havana, em Cuba. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
Pastora Rodríguez coloca na porta de sua humilde casa um cartaz de boas-vindas ao papa Francisco, no assentamento rural de Consejo Popular Pablo Noriega, 50 quilômetros ao sul de Havana, em Cuba. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

Nilda Mira, que foi conselheira municipal entre 2003 e 2013, desconhece o motivo, mas observou que “aumentaram bastante” as religiões no El Central, como ainda é chamado popularmente o antigo assentamento em volta do engenho. O nome atesta a saudades de sua gente pelo engenho de açúcar, que fechou em 2003 como parte da reestruturação acelerada do setor que foi o motor da economia cubana por mais de um século e agora é apenas o quarto do país. O processo começou em 2002 e levou ao fechamento de engenhos e uma dramática mudança nos assentamentos vizinhos.

Um homem passa de bicicleta e várias crianças jogam bola entre as ruínas, onde antes se erguia o colosso industrial Pablo Noriega. Nas fachadas dos antigos escritórios estão penduradas roupas das famílias, que os ajeitaram como moradia depois de perderem as suas casas em 2004, na passagem do furacão Charley.

Mira, de 53 anos e chefe de um escritório local, apontou que as principais fontes de emprego se reduziram ao trabalho no campo, duas repartições de centros de pesquisa para a cana-de-açúcar e a agricultura, uma fábrica de papel ecológico e uma pequena fábrica de pintura, além dos serviços públicos, escolas e centros de saúde.

As deterioradas estradas, o escasso transporte público, o escasso saneamento e uma oferta habitacional deficitária, que precisa urgente de reparos, constituem, segundo Mira, os problemas mais graves da localidade, que custou a se refazer depois da queda da indústria açucareira.

Um homem passa de bicicleta por áreas deterioradas do antigo Engenho Central Açucareiro Pablo Noriega, no povoado de Consejo Popular Pablo Noriega, 50 quilômetros ao sul de Havana, em Cuba. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
Um homem passa de bicicleta por áreas deterioradas do antigo Engenho Central Açucareiro Pablo Noriega, no povoado de Consejo Popular Pablo Noriega, 50 quilômetros ao sul de Havana, em Cuba. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

Pela situação visível deste e outros lugares, pesquisadores como a socióloga Mayra Espina observam um “aumento da pobreza, da desigualdade e o envelhecimento na sociedade cubana”, que afeta mais os grupos vulneráveis como as mulheres, pessoas não brancas, idosos e moradores do leste do país, com menor índice de desenvolvimento.

A academia esclarece que a pobreza em Cuba conta “com amparo”, pelo acesso universal e gratuito aos serviços de saúde e educação, além de outras coberturas sociais, mas propõe incorporar mais políticas de igualdade na reforma econômica impulsionada pelo governo desde 2008. A Igreja Católica cubana lamenta que “setores amplos da população sofram pobreza material, produto de salários que não bastam para sustentar dignamente a família”, em seu plano pastoral 2014-2020, que busca elevar seu alcance comunitário.

O catolicismo foi dominante no país no passado e agora conta com uma rede de 305 paróquias e 2.300 casas de missão (moradias privadas com permissão para realizar cultos religiosos), das quais 62% estão localizadas em zonas rurais. “Nossa igreja está escassa de fiéis. Antigamente, aqui, quase todo mundo era católico, mas agora há outras religiões que as pessoas seguem”, afirmou María de los Ángeles San Juan, uma das 12 pessoas que vai aos domingos à missa, na Igreja São Paulo, aberta desde 2003 em Pablo Noriega.

Registros católicos revelam que 60% da população cubana é batizada nessa fé, mas apenas 2% vai à missa dominical, isto é, os praticantes são muito poucos, ao contrário do outro país latino-americano visitado pelos três papas, o Brasil, onde 125 milhões de seus 202 milhões de habitantes são católicos.

Espera-se que 40 mil pessoas cheguem de várias províncias para a missa na Praça da Revolução de Havana, no dia 20. Também estará presente a presidente argentina, Cristina Fernández, que foi convidada pelo governo cubano para a liturgia que o papa oficiará em um altar pintado de branco, amarelo e azul, as cores do Vaticano.

María de los Ángeles, de 58 anos, disse que crentes e trabalhadores de seu conselho popular, estes últimos mobilizados pelas autoridades locais, irão à missa campal de Havana, em ônibus cedidos gratuitamente, que sairão em caravana a partir da madrugada do dia 19. “Assim foi nas outras visitas dos papas”, acrescentou.

Descendente de uma família camponesa de tradição católica, esta mulher dedicada a cuidar de sua casa disse que pedirá em suas orações ao papa que “interceda por Cuba e pelo mundo inteiro, para que exista menos violência e mais fé e união na família”. María de los Ángeles afirmou que “ele sabe conseguir a paz”, se referindo ao discreto e decisivo papel de Francisco no histórico degelo entre Cuba e Estados Unidos, iniciado em dezembro, após secretas negociações das quais o Vaticano participou. Envolverde/IPS