Política Pública

Desafios do novo secretário-geral da ONU

Antonio Guterres, o preferido do Conselho de Segurança da ONU para ser o nono secretário-geral da ONU, a partir de 1º de janeiro de 2017. Foto: Jean-Marc Ferré/ONU
António Guterres, o preferido do Conselho de Segurança da ONU para ser o nono secretário-geral da ONU, a partir de 1º de janeiro de 2017. Foto: Jean-Marc Ferré/ONU

Por Lyndal Rowlands, da IPS – 

Nações Unidas, 7/10/2016 – Assuntos complexos e de difícil solução esperam o nono secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), e o português António Guterres é o preferido pelo Conselho de Segurança, de 15 membros, para estará frente do fórum mundial. “Temos um claro favorito e seu nome é António Guterres”, anunciou Vitaly Churkin, representante permanente da Rússia na ONU e presidente do Conselho de Segurança em outubro, durante entrevista coletiva ao lado de seus 14 companheiros do máximo órgão de segurança das Nações Unidas, em uma cena que acabará sendo histórica.

É tradição nas Nações Unidas que a decisão do Conselho de Segurança receba aprovação da Assembleia Geral, de 193 membros, o que aconteceu no dia 6. A unanimidade dos membros do Conselho ocorre em um contexto em que as relações diplomáticas devido à guerra na síria pioraram. De fato, o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, anunciou no começo desta semana que Moscou e Washington suspendiam as conversações sobre esse tema.

A guerra na Síria é apenas um dos muitos desafios que Guterres, de 67 anos, terá à frente da ONU. Muitos diplomatas parecem coincidir que o ex-primeiro-ministro de Portugal (1995-2002) é a pessoa mais preparada para assumir a tarefa, como prova sua atuação em um dos processos de eleição mais abertos e transparentes de um secretário-geral já registrado nas Nações Unidas.

Guterres também esteve à frente do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) entre 2005 e 2015, quando o número de pessoas deslocadas atingiu seu máximo desde o final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).Mas sua escolha desilude quem esperava que pela primeira vez uma mulher estivesse à frente da Secretaria Geral, ou que o cargo fosse ocupado por uma pessoa de um país da Europa oriental.

Não escolher alguém dessa região rompe a tradição de rotação geográfica, embora não optar por nenhuma das sete muito qualificadas candidatas parece um golpe mais duro para a organização, que há tempos sustenta que a igualdade de gênero está entre seus principais objetivos. Mas, como demonstra a própria formação do Conselho de Segurança, com 14 homens e uma mulher, ainda há muito a ser feito em inúmeros países membros em matéria de igualdade de gênero.

Guterres será o quarto europeu a ocupar o cargo máximo dentro da ONU, embora o primeiro desde 1981, o que mostra a enorme incidência da Europa ocidental, com apenas 10% da população mundial, nos assuntos globais. O secretário-geral europeu anterior foi o austríaco Kurt Waldheim (1972-1981).

Michel Gabaudan presidente da organização Refugees International e que trabalhou com Guterres no Acnur, afirmou à IPS que está contente que o processo de seleção aberto deste ano tenha terminado com sua designação. “Necessitamos de um líder forte, de um líder visionário e de um líder diplomático, e creio que Guterres demonstrou definitivamente contar com todas essas qualidades”, destacou.

Segundo Gabaudan, “ele é capaz de aproximar os países, que é basicamente o tremendo desafio do trabalho de secretário-geral que espera por Guterres, mas acredito que a ONU escolhe a pessoa correta para essa difícil tarefa”.

Por sua vez, Natalie Samarasinghe, diretora executiva da Associação das Nações Unidas da Grã-Bretanha e uma das fundadoras da campanha “1 para 7 bilhões”, opinou à IPS que a escolha de Guterres também reflete o êxito de um processo de seleção melhorado. “O anúncio é uma prova do impacto de um processo mais aberto e inclusivo que a “1 para 7 bilhões” defende, acrescentou.

Samarasinghe apontou que “Guterres não era o candidato melhor colocado no início da disputa. Para começar tinha região e o gênero equivocados, mas a impressão generalizada foi que apresentou um bom discurso diante da Assembleia Geral, bem como em outros encontros, o que propiciou comentários sobre sua experiência e capacidade para inspirar”.

A campanha “1 para 7 bilhões” pedia melhorias na designação do secretário-geral, como um mandato único mais longo para acabar com a ideia de que se cede às pressões para agradar os cinco membros permanentes e com poder de veto do Conselho de Segurança: China, França, Estados Unidos, Grã-Bretanha e Rússia.Essas pressões percebidas também foram apontadas por Louis Charbonneau, diretor do escritório da Human Rights Watch (HRW) na ONU.

“Definitivamente, o próximo secretário-geral será julgado por sua capacidade de enfrentar as mesmas potências que o elegeram, seja pela situação na Síria, no Iêmen, no Sudão do Sul, a crise de refugiados, a mudança climática ou qualquer outro problema que surgir”, ressaltou Charbonneau.

Mas o diretor da HRW também aplaudiu sua designação: “com António Guterres o Conselho de Segurança escolhe um franco e efetivo defensor dos refugiados, com possibilidades de impor o enfoque radicalmente novo sobre as questões de direitos humanos em um contexto de grandes desafios”.Também se considera que Guterres estará disposto e será capaz de defender os mais oprimidos dentro das Nações Unidas. Em abril ele relatou à imprensa como sua experiência como voluntário com os indigentes havia inspirado sua carreira política.

A notícia da escolha do ex-primeiro-ministro de Portugal também coincidiu com a confirmação de que o Acordo de Paris sobre mudança climática reuniu o número necessário de assinaturas para entrar em vigor no prazo de 30 dias. O próximo passo importante para a implantação desse documento não vinculante fica na órbita de Guterres, que substituirá o sul-coreano Ban Ki-moon à frente do secretariado geral da ONU. Envolverde/IPS