Política Pública

Ato de Trump coloca solidariedade à prova

Por Lyndal Rowlands, da IPS – 

Nova York, Estados Unidos, 3/2/2017 – Nkosazana Dlamini Zuma, presidente da Comissão da União Africana (UA), declarou, no dia 30 de janeiro, que a proibição por parte dos Estados Unidos à entrada de refugiados e imigrantes procedentes de sete países muçulmanos é “um dos maiores desafios para a nossa unidade e solidariedade”. E destacou que “o mesmo país para o qual nossa gente foi levada como escrava durante o tráfico transatlântico escravagista, agora decidiu proibi-lo aos refugiados de alguns de nossos países”.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou, no dia 27 de janeiro, uma ordem executiva suspendendo temporariamente a entrada no país dos cidadãos de sete países predominantemente muçulmanos: Irã, Iraque, Líbia, Síria, Somália, Sudão e Iêmen. A presidente da Comissão, braço executivo da UA, não é a única que vê a proibição como um teste de unidade e solidariedade.

Outros consideram que o crescente sentimento antimuçulmano nos Estados Unidos é um incentivo para a solidariedade entre as diferentes religiões. Judeus norte-americanos questionam o “terrível paradoxo” implícito, lembrando que a ordem tenha sido assinada na data em que é celebrado o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto.

A IPS conversou com Fadi Hallisso, da Síria, e com Said Sabir Ibrahimi, que nasceu no Afeganistão e participa de eventos de solidariedade inter-religiosa entre judeus e muçulmanos que vivem em Nova York. Halisso é cofundador da Basmeh e Zeitooneh, uma organização não governamental síria fundada por cinco pessoas, incluídas três cristãs. “Nosso trabalho na Turquia e no Líbano é quase 100% com muçulmanos sírios”, explicou à IPS.

“Creio que trabalhar junto com diferentes pessoas de distintas origens religiosas é o que precisamos nesse momento”, destacou Hallisso. Para ele, “a religião é uma poderosa ferramenta, mas, em lugar de usá-la para a destruição e o ódio, devemos usá-la para construir pontos entre diferentes comunidades, a fim de preparar o caminho para uma comunidade melhor para nossos filhos”.

A presidente da Comissão da União Africana considerou a proibição de entrarem nos Estados Unidos pessoas de sete países muçulmanos como um teste para a unidade e a solidariedade. Foto: Rick Bajornas/ONU

 

A ordem de Trump também implica que, uma vez reiniciado o programa de refugiados dos Estados Unidos, Washington dará prioridade às solicitações de integrantes de minorias religiosas, o que leva alguns a crerem que nesses grupos estarão incluídos os refugiados cristãos desses países majoritariamente muçulmanos.

Entretanto, Hallisso, ele mesmo um cristão sírio que estudou para sacerdote, não acredita que, no caso da Síria, os cristãos sejam mais perseguidos do que os muçulmanos. “Todos somos seres humanos que sofremos com uma situação impossível, que desejamos que acabe logo”, pontuou.

Hallisso destacou que as marchas de mulheres realizadas no dia 21 de janeiro, um dia após a posse de Trump, foram um importante ato de solidariedade. “Tomara que nos próximos meses e anos possamos expandir esta solidariedade para nos convertermos em um movimento de solidariedade mundial. Se as pessoas de boa vontade não trabalharem juntas, os maus terão a última palavra”, acrescentou.

Sabir Ibrahimi, que vive em Nova York, observou à IPS que viu um movimento crescente de pessoas de diferentes antecedentes nos Estados Unidos se unindo. Ele integra um grupo que organiza eventos inter-religiosos de solidariedade com judeus e muçulmanos que vivem nessa cidade. “Sentimos a islamofobia aberta e o sutil antissemitismo, sem mencionar o discurso contra as mulheres e muito mais”, afirmou.

“A boa noticia é que alguns grupos judeus-muçulmanos e outros, religiosos ou não, se uniram para expressar suas preocupações sobre esta caótica mudança de política. Vimos esses grupos aparecendo em manifestações gigantescas, em todo o país, algo sem precedentes provavelmente desde a década de 1960, durante a guerra do Vietnã”, apontou Ibrahimi. A Casa Branca também recebeu críticas por não mencionar os judeus em uma declaração feita no dia da lembrança do Holocausto.

“Para mim, é muito estranho falar sobre o Holocausto e não mencionar os judeus. Foi o povo judeu o que mais sofreu durante essa horrenda era da Segunda Guerra Mundial”, opinou Ibrahimi. E assegurou que as pessoas estão associando a marginalização das minorias na Alemanha nazista com os acontecimentos nos Estados Unidos. Para alguns judeus norte-americanos não foi uma coincidência o fato de a dramática mudança na política de imigração dos Estados Unidos ser anunciada nesse dia.

Jeremy Ben Ami, presidente do grupo judeu J Street, disse que é um “terrível paradoxo” Trump ter assinado a ordem no dia 27 de janeiro. “A ordem parece concebida especificamente para limitar a entrada de muçulmanos, evoca lembranças horríveis entre os judeus norte-americanos do período vergonhoso que levou à Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos não deram abrigo seguro à grande maioria de judeus na Europa que tentava fugir da perseguição nazista”, ressaltou.

Por sua vez, a ex-secretária de Estado norte-americana Madeleine Albright (1997-2001) escreveu no Twitter, no dia 1º deste mês, que está pronta para se registrar como muçulmana em resposta ao registro muçulmano proposto por Trump, que ainda não foi implantado. “Fui criada católica, me converti para a Igreja Episcopal e mais tarde descobri que minha família era judia. Estou pronta para me registrar como muçulmana em #solidariedade”, declarou. Ela chegou aos Estados Unidos em 1948 como refugiada da Checoslováquia.

Hallisso disse que sua consternação pelo fato de os Estados Unidos, um “país construído pela imigração e por imigrantes que fugiam da perseguição religiosa na Europa, agora qualifique todos os imigrantes e refugiados como potenciais terroristas”. “Também é problemático para nós no Oriente Médio por várias razões. Como se espera que países como Líbano, Jordânia e Turquia continuem recebendo mais de um milhão de refugiados se dez mil refugiados sírios que chegam aos Estados Unidos são um problema?”, questionou. Envolverde/IPS