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Comunidades extrativistas de manguezais serão aouvidas na COP 30

Salvaguardas socioambientais para projetos de carbono azul no Brasil, elaboradas com comunidades extrativistas de manguezais, serão apresentada na COP30

Atualizado em 07/11/2025 às 12:11, por Dal Marcondes.

Um caranguejo de manguezal da amazônia

O Brasil possui a segunda maior extensão de manguezais do planeta, atrás apenas da Indonésia. O cinturão contínuo de manguezal vai do Amapá até Santa Catarina. Apesar disso, o país ainda não avançou em projetos de carbono azul, que abordam o ciclo global capturado e armazenado por ecossistemas costeiros e marinhos. Esses ambientes representam o maior sumidouro natural de carbono do planeta, absorvendo cerca de 30% das emissões antropogênicas de CO2. No caso dos manguezais, o sequestro de carbono é até 4,3 vezes superior às florestas tropicais. No entanto, quando degradados, esses ecossistemas liberam grandes volumes de gases de efeito estufa, agravando o aquecimento global. A perda anual de ecossistemas ricos em carbono azul globalmente equivale a emissões de 206 milhões de carros a gasolina rodando por um ano.

Um quarto dos aproximadamente 1,4 milhão de hectares de manguezais brasileiros foram destruídos ou estão degradados e podem se beneficiar de projetos de carbono azul, contribuindo para que o Brasil cumpra seus Compromissos Nacionalmente Determinados (NDC) com o Acordo de Paris. “Os manguezais são indispensáveis no enfrentamento à crise climática. Incorporar o carbono azul às metas da NDC brasileira é reconhecer o papel que o oceano já desempenha na regulação do clima e garantir que as soluções de mitigação e adaptação também estejam na Amazônia Azul. O Brasil tem condições únicas para liderar essa agenda de forma inclusiva e repleta de inovação, valorizando a ciência, as soluções baseadas na natureza e as comunidades que há gerações protegem esses territórios”, diz Nátali Piccolo, Diretora de Conservação Marinha e Costeira da Conservação Internacional.

Manguezais, porém, são também a moradia de quase meio milhão de brasileiros. Eles vivem em comunidades que desenvolvem práticas extrativistas tradicionais, ligadas às suas culturas, e preservam conhecimentos ancestrais. São ativos imateriais que também precisam de proteção. Nesse contexto, a proposta de salvaguardas socioambientais surge como "espinha dorsal" para que a solução climática oferecida pelos projetos de Carbono Azul não reproduza injustiças históricas. As salvaguardas buscam assegurar que as decisões sejam tomadas “com” as comunidades e não “sobre” elas, por meio do Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI), conforme a Convenção 169 da OIT. Um documento inédito com essas salvaguardas será apresentado ao governo federal brasileiro e outros atores durante a COP30 (UNFCCC) em Belém, no Pará, como uma contribuição para assegurar que os projetos de restauração de áreas degradadas gerem benefícios climáticos, sociais e econômicos de forma justa.

As salvaguardas socioambientais para projetos de carbono azul preenchem um hiato. Embora o Brasil já tenha uma lei do carbono (Lei nº 15.042 de 11 de dezembro de 2024, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa - SBCE), o carbono azul não está claramente regulamentado pelo executivo, criando muitas lacunas de gestão. Elas foram construídas de forma coletiva e inclusiva, em um processo coordenado pela Comissão Nacional para o Fortalecimento das Reservas Extrativistas e dos Povos Extrativistas Costeiros Marinhos (CONFREM) em parceria com a Conservação Internacional (CI-Brasil) em parceria com a com apoio do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) e do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). A metodologia incluiu encontros, diálogo com lideranças e culminou na Oficina Nacional de Salvaguardas para Projetos de Carbono Azul (12 a 14 de agosto de 2025), que reuniu 80 participantes de diferentes regiões costeiras e marinhas. Essa origem coletiva garante legitimidade social, adequação territorial e aderência às necessidades específicas de cada comunidade. 

“Defender nossos modos de vida é defender a vida em equilíbrio pleno com a natureza. A cultura, os saberes e fazeres tradicionais são indissociáveis do ambiente onde vivemos, aprendemos e ensinamos a viver do mangue e do mar sem destruí-los, pois eles são a fonte da vida no maretório/território. Mas tudo isso está em risco com as mudanças do clima. Não as causamos, mas elas já afetam a pesca, o sustento e o cotidiano nas nossas comunidades. Ampliar a resiliência das comunidades costeiras é também reconhecer a cultura do bem viver e fortalecer a capacidade de enfrentamento à crise climática. Somos parte da solução e queremos continuar cuidando do lugar onde nascemos e perpetuamos as diferentes manifestações da vida”, explica Carlos Alberto Pinto dos Santos, coordenador de Relações Institucionais da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e Povos Tradicionais Extrativistas Costeiros e Marinhos (CONFREM).

A proposta estabelece um conjunto mínimo de diretrizes aplicáveis a todo o ciclo dos projetos, da concepção à comercialização dos créditos. Em termos normativos, adota-se, de forma subsidiária, as salvaguardas de projetos florestais (como a Lei nº 15.042/2024 - SBCE e a Resolução CONAREDD+ nº 19/2025), somadas à experiência internacional do High-Quality Blue Carbon Principles and Guidance, desenvolvido em um esforço colaborativo entre a Salesforce, a Conservation International, a The Nature Conservancy, a Ocean Risk and Resilience Action Alliance (ORRAA), a Friends of Ocean Action/Ocean Action Agenda no Fórum Econômico Mundial e o Meridian Institute. Essa recomendação para uma base normativa e orientadora contribui com a segurança jurídica, coerência técnica e alinhamento com boas práticas já testadas em contextos análogos.

O documento, construído com a participação de 80 representantes de diferentes regiões costeiras e marinhas do Brasil, engloba um conjunto mínimo de diretrizes aplicáveis a todo o ciclo dos projetos no Brasil, desde a concepção até a comercialização dos créditos, e pretende que as salvaguardas tenham caráter vinculante e não sejam meras recomendações genéricas. As sete premissas que orientam o documento são: a centralidade das comunidades tradicionais, reconhecendo seu direito de autodeterminação e veto; a proteção integral dos territórios e maretórios; a governança comunitária autônoma, com transparência financeira e controle social; a repartição justa, equitativa e coletiva dos recursos, prevenindo assimetrias de poder; a integração entre ciência e conhecimentos tradicionais; a presença ativa e humanizada do poder público na fiscalização, sem substituir o protagonismo comunitário; a interpretação favorável à comunidade e o aprimoramento contínuo do documento.

A futura regulamentação federal dessas salvaguardas é vista como o passo necessário após o marco global do mercado de carbono na COP29 (UNFCCC) e a instituição do SBCE, oferecendo sustentabilidade e segurança jurídica, e garantindo que as comunidades tradicionais estejam no centro das decisões. 

A apresentação na COP30, que reunirá diversos atores envolvidos com a questão climática, deve-se ao fato de que a implementação dessas salvaguardas é interinstitucional e escalonada e exige o envolvimento de diversos órgãos. O MMA, por exemplo, deverá liderar diretrizes nacionais, integrar as salvaguardas à legislação e ao SBCE, e criar uma instância nacional de governança. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), por sua vez, deverá realizar a fiscalização ambiental com abordagem humanizada, responsabilizando degradadores e apoiando tecnicamente as comunidades.  Ao ICMBio cabe reconhecer e valorizar o papel dos Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) na conservação de Unidades de Conservação e ecossistemas marinhos. No caso do Ministério Público Federal (MPF), sua atribuição consiste na defesa dos direitos coletivos e no apoio à proteção de territórios tradicionais. O setor privado também precisa se envolver, comprometendo-se a respeitar o CLPI, celebrar contratos justos e transparentes e investir na autonomia comunitária. Já os agentes financiadores devem exigir conformidade com salvaguardas como critério de elegibilidade e priorizar a governança comunitária.

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