A Amazônia precisa ser ouvida
André Palhano - Mais do que apoiada, financiada ou estruturada, a Amazônia precisa ser urgentemente ouvida. Esse é um dos muitos aprendizados colhidos em quatro dias de jornada fluvial de Manaus a Belém, rumo à COP30, a bordo do Banzeiro da Esperança, um barco que reuniu e conectou mais de 200 lideranças extrativistas, ribeirinhas, quilombolas e indígenas de diversos estados da Amazônia brasileira, além de cientistas, pesquisadores, artistas e personalidades do mundo político e empresarial de todo o País.

por André Palhano -
É hora de esquecer a versão romantizada dos chamados Povos da Floresta. Ainda que mantenham seus costumes e tradições – como os rituais em que se escutam os ensinamentos dos mais velhos, as pinturas corporais ou os trajes típicos –, quem estava ali representado sabe exatamente o que quer e o que precisa ser feito para que a Amazônia tenha mais valor em pé do que derrubada, apontando um conjunto definido de soluções para um modelo sustentável de desenvolvimento econômico, social e ambiental do bioma.
Para quem aguarda discursos vazios e sem aplicação prática, o que se viu e ouviu nesses dias de viagem foram propostas de soluções e inovações viáveis, escaláveis e com alto impacto social, ambiental e econômico. Tais propostas estão profundamente fundamentadas na ciência e no conhecimento ancestral de quem vive cotidianamente os desafios das mudanças climáticas nesse território.
Aliás, nesses territórios. Outro aprendizado importante da jornada foi que não existe somente “uma” Amazônia, mas sim uma vasta diversidade de realidades, vocações, histórias e necessidades. É notável que essas particularidades muitas vezes não são observadas pelas políticas públicas e mesmo pelo investimento social privado, que tendem a olhar a Amazônia como um único amálgama verde e grandioso.
É também nítido, nas falas e discursos, que existe um volume significativo de recursos destinados a financiar projetos e organizações que trabalham esse complexo e necessário modelo de desenvolvimento sustentável da floresta. Contudo, esse dinheiro simplesmente não chega justamente onde teria mais eficiência, nas pontas, nas comunidades. Os obstáculos são muitos: ele fica emperrado na burocracia, é tragado por intermediários de todos os tipos e tamanhos e, claro, desviado por toda a sorte de grupos criminosos que atuam – de maneira cada vez mais interligada – nos diferentes territórios amazônicos.
Na Carta da Amazônia, o documento redigido ao longo da jornada pelas lideranças e entregue em mãos ao presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, o recado é claro: “Apesar das ameaças constantes e intensas, nossa esperança e força vivem nos territórios, por meio dos nossos saberes ancestrais transmitidos de geração em geração. Os saberes tradicionais são respostas à crise climática, pois ensinam a viver em comunhão com a natureza, valorizando o cuidado com as águas e a terra, o uso racional da biodiversidade e o manejo sustentável dos recursos naturais. Nós somos a resposta. A floresta em pé é resultado do trabalho, da sabedoria e da resistência dos povos que nela vivem.”
Enquanto se discutem em salas fechadas as “soluções”, “fundos” e “caminhos” para a Amazônia em um contexto de mudanças climáticas, o que esses guardiões da floresta trazem é uma visão inequívoca, acompanhada de prática e conhecimento: as soluções e caminhos já existem e são óbvios. Eles só precisam ser conhecidos, divulgados, estudados e, aqui sim, integralmente apoiados por todos os demais atores.
Em resumo, a Amazônia não precisa ser salva. Ela precisa ser ouvida. E nós, como aliados, temos o dever de dar protagonismo e voz plena aos povos da floresta.
André Palhano é jornalista e fundador da Virada Sustentável, que junto com a Fundação Amazônia Sustentável (FAS) idealizou e promoveu o projeto Banzeiro da Esperança, levando as vozes da Amazônia para a COP30 a bordo de um barco com capacidade para centenas de pessoas, com uma intensa programação de atividades, encontros e expressões artísticas e culturais.





