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Wall Street mira os inquilinos nos Estados Unidos

Entre 2000 e 2012, os aluguéis nos Estados Unidos subiram 12%, enquanto a renda dos inquilinos médios caiu 13%. Foto: Bill Lapp/CC-BY-2.0
Entre 2000 e 2012, os aluguéis nos Estados Unidos subiram 12%, enquanto a renda dos inquilinos médios caiu 13%. Foto: Bill Lapp/CC-BY-2.0

 

Nova York, Estados Unidos, 11/6/2014 – Seis anos depois de surgida a crise financeira que provocou a recessão dos Estados Unidos e de boa parte do mundo, os investidores de Wall Street esfregam as mãos diante do multimilionário potencial que lhes oferece o mercado de aluguel de casas nesse país. Justo quando os preços da moradia tocaram o fundo em janeiro de 2012, os grandes investidores institucionais começaram a comprar propriedades em dificuldades nas regiões mais afetadas pela crise hipotecária, e até agora adquiriram 200 mil imóveis.

Em um só ano o gigante de capital privado Blackstone Group passou de não ter nenhuma propriedade imóvel a ser o maior proprietário de casas de aluguel (VUA) nos Estados Unidos. Agora, várias companhias, entre elas Blackstone, comercializam suas VUA em bônus semelhantes aos valores apoiados por hipotecas que alimentaram a recessão econômica de 2008.

Com esses valores, os bônus de VUA estão apoiados pelas moradias, mas desta vez são os pagamentos dos aluguéis, e não as hipotecas, que amortizam os juros. A “titularização” libera dinheiro, o que permite aos grandes compradores adquirir mais propriedades com menos capital, aumentando sua influência – e risco.

As emissões de bônus VUA até o momento são pequenas, com valor inferior a US$ 3 bilhões. Mas as organizações que defendem o direito à moradia pressionam as autoridades para que reforcem a supervisão do mercado em crescimento. O papel de Wall Street como proprietário não tem precedentes, e ninguém sabe o que esperar, menos ainda as famílias que alugam as casas.

Em 2013, dois economistas do Federal Reserve (o banco central dos Estados Unidos) advertiram as instituições que poderiam “ter dificuldades na gestão de grandes quantidades de propriedades de aluguel ou com a manutenção adequada das moradias”.

De fato, em maio, um casal da localidade de Sun Valley, na Califórnia, apresentou queixa contra uma filial da Blackstone, a Invitation Homes, por causa do mofo tóxico de sua casa que lhes causou “sangramento nasal, dores de cabeça, fadiga, perda de memória, incapacidade de concentração, coriza crônica, problemas respiratórios e outros sintomas parecidos com gripe crônica”. Em janeiro Marcos Takano, legislador desse Estado, pediu uma investigação pública do assunto, que ainda não aconteceu.

“A ‘titularização’ permite que as más práticas floresçam de maneira exponencial”, apontou à IPS Kevin Stein, diretor associado da California Reinvestment Coalition, uma coalizão que defende o acesso ao crédito pela população de baixa renda. “Não sabemos que tipo de administrador terá a propriedade, nem se haverá pressão para aumentar os aluguéis”, acrescentou.

Em outubro, o banco de investimento Deutsche Bank comercializou o primeiro bônus apoiado por VUA, no valor de US$ 479,1 milhões em pagamentos de aluguéis previstos de 3.207 casas pertencentes à empresa Invitation Homes. O negócio representou uma fração das 44 mil moradias que a Blackstone possui em todo o país. Para o próximo verão boreal seu objetivo é “titularizar” unidades no valor de US$ 1 bilhão.

Em conjunto, nos últimos três anos, os grandes investidores gastaram cerca de US$ 20 bilhões na compra de bens imóveis. A ideia de ficar com uma porção maior dos US$ 3 trilhões que representa o mercado de casas faz com que em Wall Street muitos esfreguem as mãos com entusiasmo. Sua entrada no mercado de moradias ocorre em um momento em que a desigualdade atingiu níveis históricos nos Estados Unidos, onde se normalizou a extração da riqueza dos mais pobres.

A “financiarização” da vida cotidiana significa que algo tão comum como o locador bater à sua porta para cobrar o aluguel agora envolverá milhares de investidores, a milhares de quilômetros de distância, que desejam que o proprietário consiga um ganho maior.

“Os aluguéis de casas não são algo novo”, disse Sarah Edelman, analista do centro de pesquisa Center for American Progress. “Antes os proprietários eram pessoas com nome e sobrenome, mas agora são empresas com grandes carteiras que atuam em vários Estados”, disse à IPS. “Os sistemas que estão instalando funcionarão? Poderão mantê-los?”, questionou.

Como os investidores institucionais podem pagar mais do que o preço de venda – em dinheiro – por numerosas propriedades, na prática expulsaram os potenciais proprietários individuais e elevaram os preços em vários mercados imobiliários. Em um só ano a porcentagem de compradores à vista duplicou e atingiu 40% de todas as vendas de imóveis.

Os mesmos prestamistas que dividiam generosamente os perigosos empréstimos hipotecários “subprime”, ou de alto risco, antes de 2008, agora reduziram o crédito para as hipotecas pessoais, o que piorou o cenário para os inquilinos que buscam se mudar para uma casa própria. Isso levou a porcentagem de proprietários de imóveis ao mínimo nos últimos 20 anos e elevou os aluguéis em praticamente em todas as regiões do país. Mas a renda se move na direção oposta. Entre 2000 e 2012, os aluguéis subiram 12% em dólares reais, enquanto a renda média dos inquilinos caía 13% no mesmo período.

Na teoria, os valores apoiados por VUA liberam fundos para a expansão do mercado de locação. Embora exista uma necessidade imediata de moradias de baixo custo, é difícil digerir que Wall Street esteja alugando casas que seus proprietários tiveram que abandonar por causa da própria má conduta das empresas financeiras.

“Milhões de famílias perderam suas casas durante a crise hipotecária e agora, como resultado, temos milhões de famílias que buscam casas para alugar”, disse Edelman. “É verdade que precisamos de maior oferta de imóveis de aluguel, mas também temos que garantir que sejam estáveis”, acrescentou.

Mas, na medida em que os bônus VUA, como aparentemente ocorre com todo instrumento financeiro, se tornam cada vez mais inevitáveis, os defensores do direito à moradia pretendem que as autoridades não estejam desprevenidas. Como “o setor não tem muitos antecedentes na matéria, é importante que estabeleça quais são as melhores práticas, e que as autoridades estatais e locais reexaminem suas políticas regulatórias das relações entre proprietários e inquilinos”, ressaltou Edelman.

As emissões estão aumentando. Em abril a imobiliária Colony American Homes vendeu bônus no valor de US$ 513 milhões, enquanto em maio a American Homes 4 Rent, maior proprietário de casas com cotação na bolsa, vendeu títulos pela quantia de US$ 481 milhões.

Mais da metade das propriedades no negócio da American Homes 4 Rent estão nas cidades de Atlanta, Dallas, Las Vegas, Tampa e Phoenix, algumas das mais afetadas quando estourou a bolha da habitação. “A ‘titularização’ só proporciona um mecanismo para aumentar o volume dessa atividade. Não surpreende que tenham encontrado uma maneira de lucrar com isto”, pontuou Stein à IPS. Envolverde/IPS