Arquivo

Violência chega à selvageria no Sudão do Sul

Uma mulher e seus filhos atravessam uma área inundada no acampamento para refugiados internos de Tomping, em Juba. Foto: UN Photo/Isaac Billy
Uma mulher e seus filhos atravessam uma área inundada no acampamento para refugiados internos de Tomping, em Juba. Foto: UN Photo/Isaac Billy

 

Nações Unidas, 28/4/2014 – Após uma semana na qual aconteceram um massacre dentro de um acampamento da Organização das Nações Unidas (ONU) e uma matança étnica em uma zona petroleira, a comunidade internacional se pergunta se resta alguma possibilidade de salvar vidas no Sudão do Sul. A portas fechadas, o Conselho de Segurança da ONU assistiu um vídeo feito no povoado de Bentiu, onde, entre os dias 22 e 23 deste mês, grupos rebeldes executaram centenas de civis em uma mesquita e em um hospital

Após tomarem Bentiu, os rebeldes assumiram o controle da rádio local e passaram a transmitir mensagens pedindo aos seus seguidores que se vingassem dos dinkas e dos darfuries, violando as mulheres dessas comunidades étnicas, segundo o relatório das Nações Unidas.

Os membros do Conselho manifestaram em uma declaração o “horror e a raiva pela violência generalizada em Bentiu” e condenaram o ataque do dia 18 contra um acampamento da ONU na cidade de Bor, quando morreram pelo menos 48 das cinco mil pessoas que se refugiavam nele, a maioria da etnia nuer. Uma turba armada até os dentes entrou no complexo e abriu fogo contra a população.

Os Estados que integram o Conselho de Segurança “reiteraram sua firme demanda para que cessem imediatamente todos os abusos contra os direitos humanos e as violações do direito humanitário internacional e também expressaram que estão prontos para adotar medidas contra os responsáveis”, diz a declaração. Essas medidas poderiam ser sanções seletivas contra os chefes dos grupos acusados de cometerem atrocidades como as de Bentiu e Bor.

No dia 23, a Organização Human Rights Watch (HRW) pediu publicamente ao Conselho de Segurança para “impor sanções a indivíduos tanto do governo quanto da oposição que sejam responsáveis por abusos graves”.

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, mencionou este mês a possibilidade de proibir as viagens e de congelar os ativos de dirigentes políticos e militares do Sudão do Sul, mas seu governo ainda deve definir quem seria castigado. Em certas ocasiões, a simples ameaça norte-americana de ação basta para dissuadir, mas as medidas da ONU deveriam ir muito além no Sudão do Sul, disse Philippe Bolopion, da HRW.

“As sanções dos Estados Unidos são bem-vindas, mas não seriam suficientes porque muitos dos chefes envolvidos na violência têm contas bancárias nos países vizinhos. Se a ONU as adotar, constituirão uma firme mensagem a todos de que terão de pagar um preço por seus crimes”. Nesse novíssimo país, cuja vida independente começou em 2011 com a separação do Sudão, a crise começou em 15 de dezembro, com um enfrentamento na capital, Juba, entre facções do Exército de Libertação do Povo do Sudão, que desde a independência forma o núcleo das forças armadas.

O presidente sul-sudanês, Salva Kiir, ordenou a prisão imediata de 11 importantes líderes opositores e acusou o ex-vice-presidente, Riek Machar, de orquestrar um golpe de Estado. Esse negou a acusação e se dirigiu a Juba para assumir o comando das forças rebeldes. Kiir é dinka e Machar é nuer. O conflito – que se deve, em essência, a problemas não resolvidos de poder e de acesso aos recursos petroleiros – dividiu o país segundo fronteiras étnicas.

Em dezembro, o Conselho de Segurança autorizou o envio de 5.500 solados para reforçar a Missão de Assistência das Nações Unidas na República do Sudão do Sul (UNMISS), que conta com sete mil efetivos. Mas até este mês não chegaram mais do que 700, devido a questões burocráticas, disputas entre Estados membros e a sobrecarga que vive o Departamento de Operações de Manutenção da Paz.

Ainda que sejam enviados rapidamente os 12.500 soldados que a UNMISS deve ter, não está claro o que poderão fazer fora das bases e dos acampamentos nos quais se refugiam dezenas de milhares de pessoas desde dezembro. Mesmo essa proteção foi colocada em xeque depois do ataque a Bor. “Nem a missão nem os acampamentos foram criados para isso”, disse a jornalistas o porta-voz do secretário-geral da ONU, Stephane Dujarric.

O Conselho de Segurança apoia a Comissão de Investigação sobre o Sudão do Sul, criada pela União Africana, apesar de sua lentidão para começar a funcionar. Este mês, a Comissão anunciou que se reuniria com autoridades regionais para discutir sobre o conflito, incluindo os presidentes Omar al Bashir, do Sudão, e Uhuru Kenyatta, do Quênia, os dois sob investigação do Tribunal Penal Internacional.

A Comissão também realizará encontros com o mandatário de Uganda, Yoweri Museveni, cujas tropas lutam junto às forças governamentais do Sudão do Sul, enquanto delegados ugandeses tentam facilitar um acordo de paz em negociações cada vez mais fúteis em Adis Abeba. No contexto dessas conversações, no dia 23 de janeiro, foi assinado um cessar-fogo, violado poucas horas depois.

“Nenhuma das partes parece pronta para acabar com as hostilidades”, observou a jornalistas o chefe de operações de paz da ONU, Herve Ladsous. “O acordo, assinado há três meses, nunca foi aplicado. E não dão sinais de que querem realmente participar de conversações de paz”, ressaltou.

Na ONU pode-se perceber que as execuções em Bentiu impactaram delegados acostumados ao fogo lento, ainda que mortal, de uma guerra civil que pode ser discutida amanhã ou na próxima semana. O Conselho de Segurança solicitou rapidamente ao Escritório do Alto Comissário para os Direitos Humanos que envie especialistas a Bentiu para iniciar uma investigação.

“Os civis são retirados de uma mesquita e assassinados, pelo rádio se convoca as pessoas para violarem mulheres de determinada etnia… Chegamos a um ponto em que pode acontecer qualquer coisa”, opinou Bolopion à IPS. Apesar dos sinais de que há vida no Conselho de Segurança, a solução para o Sudão do Sul, provavelmente, dependa dos governos da região que, até agora, não expressaram nem neutralidade e nem vontade de exercer verdadeira pressão sobre Kiir e Machar.

A Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (Igad), que reúne os países da África oriental, disse ter intenções de substituir as tropas ugandesas por uma força regional, mas esse plano também não se materializou e não necessariamente resolverá a falta de imparcialidade em relação às partes em conflito.

“Essas sanções podem ajudar, mas não resolverão o problema”, destacou à IPS um alto funcionário da área de direitos humanos que pediu para não ser identificado. “Os principais jogadores na ONU sabem que a chave é que as potências regionais se mostrem mais ativas e façam o correto. A Igad e os vizinhos são cruciais. Se não encontrarem uma solução pacífica, o conflito ficará muito pior”, afirmou a fonte. Envolverde/IPS