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Uma conta a ser paga

Especialistas preveem tempestades mais intensas para o Caribe. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

Havana, Cuba, 26/4/2012 – Um aumento do nível do mar e tempestades de grande intensidade alternadas com secas, entre outros eventos extremos derivados da mudança climática, impõem aos países insulares do Caribe o desafio de aplicar medidas de adaptação que podem ser muito caras para suas economias. “Nas pequenas ilhas caribenhas, há populações vulneráveis para às quais estes fenômenos teriam consequências inusitadas”, alertou Christopher Field, do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática (IPCC) , que no dia 28 de março divulgou seu informe mais recente.

“Uma mensagem importante do informe é que, para atenuar os efeitos de eventos extremos não é preciso fazer investimentos elevados. Há outras formas de enfrentá-los não relacionadas com grandes gastos em infraestrutura”, disse Field à IPS. A precisão é importante porque na região os recursos econômicos para a adaptação são muito escassos, reconheceu Field, copresidente do Grupo de Trabalho II (Impacto e Adaptação à Mudança Climática) do IPCC, que desde sua criação, em 1988, concluiu quatro ciclos de avaliações integrais.

O IPCC recebeu em 2007 o Prêmio Nobel da Paz por seus esforços para construir e difundir um conhecimento maior sobre o aquecimento global causado pelo homem e indicar as medidas para enfrentar seu impacto. Field visitou Havana para participar de uma reunião de divulgação deste “Informe Especial do IPCC sobre gestão dos riscos de fenômenos meteorológicos extremos e desastres para melhorar a adaptação à mudança climática”, um documento definido como uma ferramenta de trabalho para a tomada de decisões.

Dados apresentados no encontro, realizado nos dias 18 e 19 deste mês, indicam que o aumento do nível médio das águas oceânicas pode levar a uma redução do tamanho das ilhas caribenhas e ter impacto negativo na infraestrutura, incluindo aeroportos, estradas e cidades importantes, que tendem a se localizar perto do litoral. Calcula-se que mais da metade da população da região vive a menos de 1,5 quilômetro da costa.

Para Ian King, especialista em Barbados do programa da Organização das Nações Unidas (ONU) para manejo de riscos e desastres, o primeiro desafio é avaliar as ameaças para depois decidir as políticas mais adequadas de adaptação. Ele explicou à IPS que, em Barbados, se pesquisa sobre o manejo das zonas costeiras e ecossistemas marinhos, e agora se procura investir nessas áreas para proteger não só as espécies, mas sua população e infraestrutura, facilitando informação que permita avaliar a melhor maneira de enfrentar os riscos de desastre.

“Uma das vias é criar modelos de diferentes cenários diante da possibilidade de ocorrerem tempestades de grande intensidade e seu impacto nas áreas costeiras. Sobre esta base mais científica, pode-se estabelecer melhores políticas de adaptação”, apontou King, para quem a decisão de se retirar ou não das zonas de perigo depende muito das comunidades.

Embora esteja claro que a adaptação às variações do clima é uma necessidade imperiosa, a questão do financiamento de programas para nações com economias fracas como as caribenhas gera incerteza. “São justamente os setores de menores recursos os mais vulneráveis a estes problemas”, declarou à IPS o diretor da Oxfam em Cuba, Beat Schmid. Os programas de adaptação dos países em desenvolvimento serem financiados pelos causadores do aquecimento global é um princípio de “justiça climática”, ressaltou.

Cientistas especializados em clima concordam que o aumento da temperatura média do planeta se deve aos gases-estufa liberados na atmosfera por atividades humanas, particularmente nas nações industrializadas. Schmid recordou que nas negociações internacionais a Oxfam e outras organizações defendem a criação de um fundo de US$ 100 bilhões ao ano para adoção de medidas concretas. “Na mesa também estão outros mecanismos, como a taxa sobre transações financeiras e imposto sobre passagens aéreas”, acrescentou.

A capacidade dos países em desenvolvimento para empreenderem algumas ações de adaptação é limitada, explicou o especialista da Oxfam, uma confederação internacional de 14 organizações que trabalham em conjunto em mais de cem países na busca de soluções duradouras contra a pobreza. Em sua opinião, o caso de Cuba é exemplo do que se pode conseguir, ressaltando que se trata de um Estado forte, com uma organização social que chega aos mais remotos lugares do país e um investimento sustentado em capital humano.

Schmid disse também que Cuba leva adiante vastos programas de longo prazo, como os relacionados com recursos hídricos e florestais, iniciados há anos, não com a ideia da adaptação, mas para reduzir riscos como a escassez de água e a desertificação de seus solos, problemas que a mudança climática agrava. “Entretanto, muitos não têm essas fortalezas ou o nível de pobreza é tamanha que os governos não podem nem pensar em planos de adaptação à mudança climática. Mesmo no caso cubano, as necessidades para custear estes programas ultrapassam com juros as possibilidades financeiras disponíveis”, destacou o especialista.

Schmid lamentou que até agora se continue falando que a adaptação seja paga por cada país e que apenas cinco nações industrializadas estejam cumprindo seu compromisso de aportar ao desenvolvimento do Sul 0,7% de seu produto interno bruto. Por outro lado, vários países começaram a reduzir os fundos de cooperação. O Informe Especial do IPCC sobre a gestão de riscos alerta que continuam aumentando as perdas econômicas com desastres relacionados a fenômenos climáticos, que no futuro terão maiores impactos em setores como turismo, agricultura e recursos hídricos. Envolverde/IPS