Criatividade na crise japonesa

[media-credit name=”Fabricio Vanden Broeck” align=”alignleft” width=”300″][/media-credit]As decisões energéticas que forem tomadas após o desastre nuclear de Fukushima engendrarão uma nova corrente na história, afirma neste artigo o filósofo budista japonês Daisaku Ikeda.

Tóquio, Japão, 18 de julho de 2011 (Terramérica).- O espírito humano possui uma qualidade extraordinária: a capacidade de abrigar esperança mesmo na crise mais devastadora. A demonstração deste potencial é a maneira como as pessoas estão respondendo à catástrofe sísmica que assolou o Japão em 11 de março deste ano. Após o terremoto e posterior tsunami, pessoas de todas as partes do mundo expressaram à população japonesa sua solidariedade, somando-se às tarefas de resgate e colaborando com incontável ajuda humanitária, tanto material quanto espiritual.

Nosso povo jamais esquecerá essa sentida reação. Em cada instante do longo processo de recuperação teremos presente nossa dívida de gratidão com as pessoas do mundo inteiro que manifestaram sua boa vontade. O historiador britânico Arnold J. Toynbee é conhecido, entre outras coisas, por sua teoria da relação entre o desafio e a resposta, segundo a qual uma civilização cresce e prospera quando consegue responder com êxito a desafios sucessivos. A luta diante de novos desafios continuará enquanto se desenvolver a história da humanidade.

O povo japonês deve buscar a forma de se levantar e superar os mais complexos problemas gerados por aquela catástrofe telúrica sem precedentes. Quanto maiores são os desafios, mais devemos manifestar o potencial para avançar e encontrar respostas criativas que contribuam para o caudal de sabedoria do gênero humano. Definitivamente, o sucesso desse processo tem suas raízes na fortaleza da comunidade humana.

Muitas pessoas sobreviveram espantosamente ao desastre graças à ajuda de seus vizinhos. Nos dias e semanas posteriores ao sinistro, quando não funcionavam os serviços básicos de comunicação, eletricidade, água e gás, foram as plataformas de vizinhos e os vínculos de apoio entre concidadãos que proporcionaram meios para subsistir. Conheço inúmeras vítimas que, apesar de perderem seus seres queridos, casas e meio de vida, dedicaram-se nobremente a ajudar outros e a trabalhar pela recuperação de sua terra, compartilhando o que possuíam e colocando toda sua energia na assistência aos demais.

Qualquer pessoa se sente invadida de emoção e admiração diante do esplendor dessa humanidade que brilha em momentos de crise. Vimos tais atos nos centros comunitários da rede budista Soka Gakkai, que abrimos nas regiões afetadas para abrigar as vítimas imediatamente após o terremoto. Apenas transcorrido o desastre, apesar de a rede viária que unia as áreas devastadas a Tóquio ficarem severamente interrompidas, nossos voluntários de Niigata, na costa noroeste, conseguiram chegar com elementos de ajuda buscando uma série de rotas alternativas.

Eles sofreram terremotos de grande magnitude em 2004 e 2007, por isso compreendiam a dor e as necessidades dos sobreviventes. Durante toda a noite prepararam provisões e elementos essenciais, como água, bolas de arroz e outros alimentos de emergência, geradores elétricos, combustível e banheiros portáteis, e conseguiram entregar tudo no menor tempo possível. Me contaram que foram levados pela gratidão à ajuda recebida na época dos terremotos em Niigata: “Foi tanta gente que nos ajudou que agora cabe a nós fazer tudo o que pudermos”.

O sofrimento provocado por um terremoto é atroz. Contudo, qualquer que tenha sido o lugar onde essas tragédias ocorreram – o terremoto de Sumatra em 2010, o maremoto no Oceano Índico de 2004, o tremor de terra em Sichuan, na China, em 2008, ou o do Haiti, em 2010 – sempre emergiu no terreno a solidariedade, a valentia e o altruísmo de cidadãos dispostos a agir em conjunto para ajudarem-se mutuamente. Naturalmente, as operações de assistência por parte das autoridades são indispensáveis nas tarefas de resgate e reconstrução.

No entanto, ao mesmo tempo, fica documentado que é a cooperação entre os integrantes de cada comunidade que pode oferecer uma mão salvadora aos que sofrem o impacto dos desastres e ficam submetidos a condições de extrema vulnerabilidade. A rede de cidadãos, que dia após dia interagem, cuidando-se e alimentando-se mutuamente, desempenha um papel fundamental na reconstrução. As associações comunitárias são imprescindíveis para se alcançar o tipo de segurança humana que nada pode quebrar, nem mesmo a calamidade mais extrema.

Nossa resposta aos trágicos desastres deve ser a de extrair um valor perene. Por um lado, isto significa que devemos refletir profundamente sobre o significado da felicidade autêntica. Ao mesmo tempo, devemos examinar nossa visão do futuro da humanidade, em especial a delicada questão da política energética. Assim como o desastre de Chernobyl, em 1986, chamou à reflexão, o colapso da central nuclear de Fukushima exerce um enorme impacto na opinião pública mundial.

Embora a opção que cada nação adotar seja diferente, não resta dúvidas de que as escolhas feitas engendrarão uma nova corrente na história, como a urgente transição para novas fontes renováveis de energia e o desenvolvimento de tecnologias mais eficientes que promovam a economia e preservem os recursos. A criação de uma sociedade sustentável exigirá um olhar capaz de pôr freio aos excessos da cobiça e de transformar sabiamente esses impulsos para propósitos mais elevados.

Espero que sejamos capazes de encontrar uma resposta que congregue toda a sabedoria humana para que possamos recuperar nossos meios de vida, nossa sociedade, nossa civilização e, como coroamento de tudo isso, possamos reconstruir o coração humano.

* Daisaku Ikeda é um filósofo budista japonês dedicado à promoção da paz mundial e presidente da Soka Gakkai Internacional (SGI). Para saber mais sobre o trabalho humanitário da SGI em relação ao terremoto, visite o site www.sgi.org/es. Direitos exclusivos IPS.

Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.