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Sri Lanka questiona ONU sobre direitos humanos

Uma mulher protesta em frente ao escritório da ONU, em Colombo, contra a visita de Pillay. Foto: Amantha Perera/IPS
Uma mulher protesta em frente ao escritório da ONU, em Colombo, contra a visita de Pillay. Foto: Amantha Perera/IPS

 

Colombo, Sri Lanka, 4/9/2013 – Como se esperava, a visita ao Sri Lanka de Navanethem “Navi” Pillay, alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, gerou tensões com o governo, cada vez mais pressionado pela comunidade internacional. Pillay visitou este país da Ásia meridional entre 25 e 31 de agosto. Já em seu terceiro dia de visita gerou uma discussão entre os próprios representantes da Organização das Nações Unidas (ONU) no país.

Ela se encontrava no coração do distrito de Mullaittivu, na Província do Norte, onde houve algumas das mais sangrentas batalhas do último capítulo da guerra entre o governo e o grupo separatista Tigres Para a Libertação da Pátria Tamil-Eelam (LTTE), concluída em 2009 depois de 30 anos de combates. A discussão foi sobre o acesso da imprensa. Vários representantes da mídia internacional em Colombo haviam acompanhado Pillay cerca de 390 quilômetros ao norte do país, e pelo menos dois jornalistas a seguiram até Mullaittivu, a segunda escala de sua viagem, após ter passado uma manhã em Jaffna, capital da Província do Norte.

Representantes do Conselho de Direitos Humanos, com sede em Genebra, queriam permitir que a imprensa, especialmente estrangeira, tivesse acesso às reuniões de Pilay com refugiados da guerra e parentes de desaparecidos, mas os membros do escritório da ONU em Colombo resistiam a isso. Segundo o governo, o escritório da ONU instruíra a imprensa a não acompanhar Pillay durante sua visita a Mullaittivu. De todo modo, o fizera, ao que parece convidados por seu porta-voz, Rupert Colville, para que presenciassem o momento em que a funcionária colocaria uma coroa de flores em memória dos caídos na batalha final  da guerra, na lagoa de Nanthikadal.

O governo cingalês havia advertido a delegação do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos que um gesto como esse “deveria ser realizado em algum lugar comum a todas as vítimas do conflito terrorista, e não em território onde morreu o líder” do LTTE, Velupillai Prabhakaran. Finalmente, Pillay nunca colocou a coroa de flores. Mais tarde, esclareceu que costuma honrar os caídos em conflitos em cada país que visita, e que não se tratava de um gesto exclusivo para Sri Lanka.

Quando ela deixou o Sri Lanka, as tensões já eram evidentes. Na declaração de cinco páginas e meia que leu antes de deixar o país, Pillay elogiou o governo pelos esforços de desenvolvimento que lançou em antigos redutos do LTTE, mas também pediu para que tome medidas contra os abusos dos direitos humanos, a perseguição das minorias religiosas e a militarização do norte, entre outras coisas. No Sri Lanka, Pillay se propôs a fazer um acompanhamento das recomendações incluídas na resolução adotada pela ONU em 21 de março, que exige ações de Colombo diante das persistentes denúncias de violações dos direitos humanos.

Sua avaliação foi crua: “Estou profundamente preocupada pelo fato de o Sri Lanka, apesar da oportunidade que oferece o fim da guerra para construir um novo país, vibrante e inclusivo, esteja mostrando sinais de tomar um rumo cada vez mais autoritário”. O governo do presidente Mahinda Rajapaksa rechaçou essa avaliação e afirmou tratar-se de uma declaração política que transgredia o mandato de Pillay e as normas básicas que deve observar uma funcionária internacional.

“É melhor que seja o povo do Sri Lanka a julgar os líderes do país, e não que estes sejam caricaturados por entidades externas influenciadas por interesses criados”, afirmou o governo em resposta à declaração de Pillay. Ao falar, no dia 2, nas celebrações pelo aniversário do Partido da Libertação do Sri Lanka, Rajapaksa disse que seu governo não cederá diante das pressões estrangeiras.

“Ela tem sua própria agenda”, disse Ithakandhe Sadathissa, monge budista e presidente da Organização Nacional de Poder Ravana, grupo nacionalista que realizou protestos diante do escritório da ONU em Colombo em duas ocasiões durante a visita de Pillay. “Ela veio aqui reunir dados para depois partir e criticar o país e o governo”, opinou à IPS. O ministro de Habitação e Serviços de Engenharia, Wimal Weeravansha, e o porta-voz do governo e ministro das Comunicações, Keheliya Rambukwella, também acusaram Pillay de ter uma agenda pré-estabelecida.

“Exortamos as pessoas a virem e verem tudo por si mesmas, em lugar de se deixarem guiar por propaganda”, afirmou o chanceler do Sri Lanka, Gamini Lakshman Peiris, durante uma visita a Nova Délhi, poucos dias antes da chegada de Pillay. “Queremos que o mundo veja o que está acontecendo no Sri Lanka”, destacou.

Na véspera da visita, o governo criou uma comissão dedicada a investigar os desaparecimentos forçados e elaborar uma rígida legislação contra estas. No que foi a mais longa das visitas que já fez, até agora a 60 países, Pillay pôde interagir com uma ampla gama de representantes, algo pelo qual agradeceu ao governo. Em Jaffna se reuniu com 15 representantes de cerca de 300 famílias de desaparecidos que se manifestavam diante da biblioteca pública da cidade.

“Já passaram quatro anos do final da guerra. As pessoas precisam de respostas sobre o que ocorreu com seus seres amados”, disse o padre católico Emmanuel Sebamalai, do distrito de Mannar. Os manifestantes “se reuniram com ela porque sentiam que podia ajudá-los a receber algum tipo de reparação”, contou à IPS. Pillay também participou de uma cerimônia que comemorou o Dia dos Desaparecidos, em Colombo, no dia  31 de agosto. “A alta comissária prometeu nos ajudar”, disse Sandya Ekanaligoda, mulher do desenhista Prageeth Ekanaligoda, desaparecido em janeiro de 2010. “Continuarei buscando meu marido”, afirmou.

A avaliação que Pillay fez antes de partir seguramente constituía o eixo central do informe que fará perante o Conselho de Direitos Humanos no final de setembro. Provavelmente, também apresente as denúncias feitas pelos civis e ativistas com os quais conversou. “A visita de Pillay ajudará a manter o Sri Lanka na agenda do Conselho de Direitos Humanos”, disse à IPS o ativista Ruki Fernando. “Seu informe indicará se as mudanças que ocorrem no Sri Lanka são superficiais ou genuínas”, disse, por sua vez, à IPS Ming Yu, pesquisador do escritório australiano da Anistia Internacional. Envolverde/IPS