Biodigestor pode solucionar parte do problema de saneamento básico no Brasil

Pesquisas e tecnologias existem. Aplicações práticas que comprovam a eficiência também. “O biodigestor trata o esgoto e ainda gera energia. É um ganha-ganha”, afirma Moacir Araújo, especialista em engenharia hidráulica e saneamento.

O saneamento básico ainda é um problema no Brasil. Mais da metade das casas não estão conectadas à rede coletora e, do volume que chega a ser coletado, menos da metade recebe algum tipo de tratamento. Não é segredo que o esgoto sem tratamento polui o meio ambiente e aumenta a chance de doenças.

Só para se ter uma ideia, das cem maiores cidades brasileiras, somente seis tratam mais de 80% do esgoto. Três cidades da região Norte e uma do Nordeste foram qualificadas como as com os piores serviços de tratamento. As cidades com melhores serviços estão localizadas em quatro estados: São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Rio de Janeiro.

O que dificulta, à primeira vista, a situação é o custo estimado para resolver o problema, que ultrapassa os R$ 150 bilhões. Este dinheiro, por enquanto, não está previsto no orçamento público. O investimento elevado se deve ao fato de o Brasil buscar a solução para a universalização do saneamento com a construção de grandes estações de tratamento e redes coletoras.

“Para um país onde 95% dos municípios são pequenos, com população de até cem mil habitantes, existem alternativas melhores. Uma delas, que eu chamo de ganha-ganha, é o biodigestor”, ressalta Moacir Araújo, consultor e especialista em engenharia hidráulica e saneamento, formado pela Universidade de São Paulo (USP).

A tecnologia conta com o apoio do Ministério das Cidades, mas não há levantamentos sobre quais e quantos municípios adotam esse tipo de solução. Moacir Araújo conta que as pesquisas desenvolvidas, por exemplo, pela Escola de Engenharia da USP de São Carlos, e por algumas empresas da área, recebem reconhecimento internacional. “As pesquisas e as aplicações têm demonstrado tecnologias eficazes para tratamento do esgoto sanitário por meio do biodigestor e, ainda, no fim do processo, com a oportunidade de gerar energia”, explica Araújo.

Para entender a tecnologia

O biodigestor é uma tecnologia simples e de baixo custo para tratar dejetos orgânicos, incluindo esgoto. Segundo Araújo, funciona da seguinte maneira: o esgoto é canalizado para um recipiente fechado, sem oxigênio. Todo o trabalho é feito pelas bactérias que se alimentam dos nutrientes da matéria orgânica. Como subproduto do metabolismo, há a produção dos diversos gases que compõem o biogás, principalmente metano. Ocorre também a produção de hidrogênio, ácido sulfídrico, monóxido de carbono e dióxido de carbono.

“O gás metano é 21 vezes mais danoso para o meio ambiente do que o gás carbônico, em termos de aquecimento global. Assim, o biodigestor só é uma tecnologia vantajosa como um todo se, após o tratamento do esgoto, o metano, que é um gás combustível, for usado para gerar energia”, destaca Moarcir Araújo.

Além de não consumir energia elétrica nem produtos químicos, a grande vantagem do biodigestor é tratar o esgoto no local onde ele é gerado. O biodigestor retira até 85% da matéria orgânica do esgoto. O que sai, depois do gás, é água residual numa condição muito melhor para retornar aos rios.

Petrópolis, no Rio de Janeiro, tem aproximadamente 40 biodigestores pequenos e grandes, que beneficiam 12 mil pessoas. A cidade instalou os equipamentos em cinco comunidades de baixa renda. São 900 mil litros de esgoto tratados por dia. O custo de implantação dessas unidades é cinco vezes menor que o de uma unidade convencional.

A tecnologia brasileira já chegou até ao Haiti, país devastado pelo terremoto e que investiu no biodigestor para solucionar, de uma só vez, dois problemas sérios: tratamento de esgoto e falta de energia. A organização Viva Rio, do Brasil, ajudou a construir os biodigestores no Haiti e lá eles estão ligados a banheiros públicos, onde os dejetos são recolhidos, e a cozinhas comunitárias ou escolas, onde é utilizado o gás produzido. A Viva Rio transferiu a tecnologia para o país, que já têm dez microempresas reproduzindo a técnica da transformação de resíduos orgânicos em energia. Desde o início de 2012, já foram implantados mais dez biodigestores, propagando a cultura do saneamento básico sustentável.

O engenheiro, pesquisador e consultor, Moacir Araújo, afirma que falta um pouco de vontade política para ter 100% do esgoto tratado e mais energia gerada. “E as pessoas, sabendo disso, podem cobrar do setor público uma ação mais efetiva”, enfatiza. (Envolverde)