SBPC e ABC propõem mudanças no novo Código Florestal

Na última semana, órgãos encaminharam ao Senado um documento esclarecendo as questões que precisam ser revistas para que o conjunto de leis possa aliar desenvolvimento agrícola à preservação ambiental.

Após a polêmica aprovação do novo Código Florestal na Câmara dos Deputados, que ocorreu em maio deste ano, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) emitiram uma nota que classificava a decisão como precipitada, e que afirmava que nenhuma das entidades havia sido convidada a participar dos debates sobre o código.

Mas as autoridades políticas ainda têm tempo de considerar o parecer científico dos dois órgãos. Na última semana, a SBPC e a ABC emitiram um documento, enviado ao Senado Federal, que discorre sobre alguns pontos da nova legislação que precisam ser corrigidos para que o código possa de fato atender as demandas da agricultura brasileira sem negligenciar as questões ambientais.

O documento encaminhado ao Senado, juntamente com o livro “O Código Florestal e a Ciência: Contribuições para o Diálogo”, também de autoria da SBPC e da ABC e publicado em abril de 2011, apresenta um sumário resumido e uma parte mais detalhada com uma bibliografia indicativa, nos quais as entidades ressaltam e analisam os pontos que precisam ser modificados no novo código.

“No primeiro estudo, publicado em livro, defendemos que a Ciência tinha que ser ouvida nas discussões do Código Florestal; é um documento mais geral que aborda como a Ciência poderia ajudar nos debates”, explicou José Antônio Aleixo da Silva, coordenador do grupo de trabalho que desenvolveu o documento e secretário da SBPC, ao Jornal da Ciência.

“Agora o texto é mais objetivo e ataca pontos específicos que o grupo entende que devem ser revistos, que merecem maior dedicação dos congressistas. Trazemos uma posição mais clara dos pontos que merecem maior atenção. Esperamos que esse texto tenha grande impacto, que seja levado em consideração, porque a briga política em torno do Código é grande”, concluiu Aleixo.

O documento destaca dez questões da nova legislação que precisam ser mudadas: o falso dilema entre a conservação do ambiente e da produção de alimentos; as áreas de proteção permanente (APPs) de beira de cursos d’água; as áreas rurais consolidadas em APPs; a inclusão de manguezais e apicuns como APPs; a compensação de reservas legais (RLs); a separação de APPs e RLs; o uso de espécies exóticas em RLs; a equivalência entre agricultura familiar (AF) e os quatros módulos fiscais; os custos de restauração de áreas degradadas e a importância de alguns serviços ambientais e suas justificativas.

Em relação ao dilema entre a conservação ambiental e a produção de alimentos, o documento afirma que é falsa a oposição entre estes dois termos. Segundo as entidades, “a limitação para a expansão da agricultura brasileira é a falta de adequação de sua política agrícola” e não das restrições do atual Código Florestal.

O documento alega que “bastaria um aumento da produtividade da pecuária brasileira, que é ineficiente e ocupa mais de 2/3 das áreas agrícolas disponíveis, para que cerca de 60 milhões de hectares fossem disponibilizados para agricultura,” mais do que dobrando a área agrícola atual.

Sobre as APPs ripárias, ou seja, da beira de cursos d’água, o documento afirma que é necessário preservar ou restaurar toda a vegetação dessas áreas, e a definição do código atual deve ser mantida, devido à importância destas regiões para a preservação dos serviços ambientais.

As entidades dizem ainda que o uso dessas áreas por comunidades tradicionais e ribeirinhas deve receber tratamento diferenciado no código, e em áreas urbanas estas áreas devem ser reguladas pelo plano diretor da cidade.

Quanto às atividades em áreas desmatadas, a SBPC e a ABC consideram que “é um equívoco se considerar que APPs desmatadas até a data de julho de 2008, para uso alternativo do solo, sejam definidas como atividades consolidadas”, sendo, portanto, mantidas e regularizadas pelo Plano de Regularização Ambiental (PRA).

Segundo o documento, a maioria dessas APPs foi desmatada em desacordo com a legislação da época e não há justificativa para adotar a data de publicação da versão mais recente do regulamento da Lei de Crimes Ambientais. Além disso, a Constituição expressa que não há direito adquirido na área ambiental, pois o meio ambiente pertence à coletividade.

Em relação aos manguezais e apicuns e áreas intermediárias entre eles, os órgãos propõem a inclusão destes como APPs, dada a importância ecológica destes ecossistemas, e sugerem que as áreas deste tipo que tenham sido degradadas passem por um processo de recuperação ambiental baseado em iniciativas exitosas nesse sentido.

Sobre a compensação de RLs, a documento enfatiza que a compensação de áreas perdidas e degradadas não deve ser executada indistintamente, pois há diferenças físicas, biológicas e ecológicas nestes diferentes biomas.  Por isso, a SBPC e a ABC sugerem que a compensação deve ser feita em áreas mais próximas possíveis, dentro do mesmo ecossistema, para conservar um maior equilíbrio ecológico e de serviços ambientais.

Neste mesmo sentido, o documento indica que APPs não podem ser incluídas no cômputo de RLs, pois suas estruturas e funções são distintas, e suas comunidades biológicas são complementares. As duas entidades defendem a “manutenção de cobertura de vegetação em torno de um limiar de 30% da área, que vem se mostrando como um patamar mínimo de cobertura natural para se evitar a extinção massiva das espécies na paisagem”.

Quanto ao uso de espécies exóticas de até 50% em RLs, o documento se posiciona contra a prática, garantindo que esta é “extremamente prejudicial para as principais funções das RLs”. No entanto, o uso temporário de espécies exóticas, apenas nas fases iniciais de restauração de RLs, combinado com o uso de espécies nativas, “pode ser uma interessante alternativa de viabilização econômica da restauração dessas áreas, principalmente para o pequeno proprietário”.

As entidades também ressaltaram que a AF deve receber tratamento diferenciando no novo Código Florestal, mas que os critérios para classificar a AF devem ser os quatro atuais (tamanho, mão de obra, renda e gestão) e “não podem ser reduzidos na lei apenas ao tamanho da propriedade (quatro módulos fiscais)”.

Quanto ao custo de restauração de áreas degradas, o documento alega que o valor é bem menor do que o apregoado pelo novo código, visto que a grande maioria das APPs e RLs pode ser restaurada de forma passiva, ou seja, apenas com o abandono da área por seus fins agrícolas. Portanto, essa questão não deve ser usada como impeditivo da restauração.

Por fim, os órgãos declaram que alguns serviços ambientais da vegetação, como a retenção de água e nutrientes no solo, a prevenção de erosões e assoreamentos, a conservação da biodiversidade etc, por si só justificam a importância de sua preservação e restauração.

“Esses serviços são fundamentais no processo de tecnificação da agricultura brasileira, colaborando na polinização da maioria das culturas agrícolas e evitando danos e perdas que contribuem para o insucesso financeiro da atividade de produção agrícola. Devido ao histórico de ocupação feito em nosso país, é difícil entender que preservando certas áreas, os ganhos são maiores que a substituição dessas áreas por culturas agrícolas”, concluiu o sumário do documento.

* Publicado originalmente no site CarbonoBrasil.