O que fazer para respeitar a identidade de filhos gêmeos?

Roupas iguais, brinquedos compartilhados, frequentar a mesma escola. A vida de gêmeos não é fácil. Sempre estão defronte a um espelho vivo, um outro que é idêntico a si, mas que não é igual. O outro tem vontade própria.

Apesar de compartilharem cargas genéticas iguais e muitas vezes terem mais que semelhanças físicas (trejeitos e reações podem ser similares), o toque final na personalidade de todas as pessoas é ambiental. E, dia a dia, o ambiente impõe novas adaptações e novas respostas. Em pouco tempo as diferenças aparecem e igual mesmo, só na aparência.

“Por um lado dá para entender os pais que fazem os filhos gêmeos usarem roupas iguais ou compartilhar os mesmo objetos e brinquedos. É uma questão prática: evita brigas na hora de escolher a camiseta, diminui os custos e como são da mesma idade, os brinquedos indicados são basicamente os mesmos”, explica Sylvia van Enck, psicóloga clínica especialista em Terapia Familiar. “Mas promover diferenciações e os limites de espaço de cada um é importantíssimo para essas crianças, principalmente com o passar dos anos”, diz.

Para a psicóloga, a primeira coisa que os pais devem se policiar é em não promover comparações. “Já basta eles se enxergarem, o tempo todo, um no outro. O ideal é valorizar as diferenças como algo positivo e não fazer comparações o tempo todo”, alerta a especialista. Gêmeos podem ter gostos diferentes, reagir diferentemente: um irmão pode gostar de matemática, outro preferir geografia, por exemplo.

Separados na escola

Por isso mesmo o ideal é que gêmeos não estudem na mesma classe. Isto amplia as possibilidades de compor uma identidade própria. “E assim como a cumplicidade latente que a relação entre irmãos gêmeos, as brigas e discussões também são mais intensas. Estar na mesma classe poderia ser nocivo”, afirma Sylvia.

As brigas, diz a especialista, muitas vezes se dão para definir os limites do outro. A não concordância com determinada postura do outro pode ser violenta. “É também uma forma de mostrar para os pais que eles, os irmãos, não querem ser tratados iguais. Isto sem contar questões relativas a ciúmes, cobrança de atenção ou disputa por algo com o irmão”, completa.

“Não sou meu irmão”

A psicóloga cita um exemplo de irmãos que, por uma imposição da escola, foram obrigadas a trocar de classe entre si. “Ambos se viram na situação de serem cobrados da competência alheia. E um deles sentiu claramente a antipatia que alguns colegas de classe nutriam pelo irmão”, lembra Sylvia. A situação causa estranheza e um baque na autoimagem: quem as pessoas acham que você é? A troca de classes foi temporária, mas o sentimento ficou vívido.

Para lidar com todas essas situações a psicóloga sugere que os pais sempre enfatizem diferenças mínimas desde cedo:

• Alterar cores de roupas, ou detalhes e acessórios que as crianças escolham.

• Tentar observar os gostos particulares, como preferência por um ou outro esporte (ser irmão não significa ser uma dupla ou um time).

• Passar um tempo com os filhos (ou filhas) em separado, para que ambos se sintam atendidos em sua necessidade por atenção.

• Evitar deixar as pessoas ao redor chamarem ambos pelo coletivo “os gêmeos”: o nome (e a identidade) de cada um deve ser sempre valorizado.

• Definir espaços (como lados do quarto) e brinquedos diferentes, até mesmo propondo divisões físicas nos armários e etiquetagem de alguns brinquedos ou objetos.

• Acompanhar o progresso escolar como quem acompanha duas pessoas diferentes: as notas não precisam ser iguais, as matérias do gosto de cada um também não.

* Publicado originalmente no site O que eu tenho.