Arquivo

Reformas não dissipam mal-estar popular

Manifestantes diante de um tribunal em Taza. Foto: Abderrahim El Ouali/IPS

Casablanca, Marrocos, 13/2/2012 – A violenta repressão policial a jovens manifestantes em Taza, nordeste do Marrocos, mostra que o novo governo, longe de promover uma mudança e dar estabilidade, só repete erros passados e com isto aviva tensões e incentiva protestos sociais. Para manter a calma durante a Primavera Árabe, a monarquia lançou, em fevereiro de 2011, um processo de reformas e exaltou o que chamou de “exceção marroquina”. A nova Constituição, que entrou em vigor no dia 1º de julho de 2011, deu mais poder ao Executivo, quando se supunha que reduziria a autoridade do rei.

Nas eleições gerais de setembro, o Partido da Justiça e do Desenvolvimento, de tendência islâmica, obteve a maioria e seu secretário-geral, Abdelilah Benkirane, foi nomeado chefe do novo governo. Contudo, Benkirane, que apresentou em janeiro seu programa ao parlamento, não cumpriu suas promessas eleitorais. O compromisso de acabar com o desemprego, hoje em 19% da população economicamente ativa, virou fumaça após sua nomeação e só caiu um ponto percentual.

Habib el Maliki, presidente do Centro de Conjuntura, disse à imprensa, no dia 20 de janeiro, que “os planos do governo para lutar contra a falta de trabalho não eram suficientes. O programa fixa objetivos determinados sem recursos, e todo programa sem recursos está destinado ao fracasso”. A oposição pública aos atrasos políticos correu como rastilho de pólvora e as ruas se tornaram um verdadeiro campo minado de tensão. Abdelwahab Zaidun, de 27 anos e desempregado, se imolou na rua após uma violenta repressão da política contra jovens profissionais sem trabalho, que se manifestavam no dia 21 de janeiro diante do Ministério da Educação em Rabat.

A autoimolação era uma prática rara no mundo árabe, mas se tornou frequente desde que o verdureiro tunisiano Mohammad Buazizi ateou fogo em seu corpo no ano passado, gerando a revolta popular que ficou conhecida como Primavera Árabe. Zaidun morreu no dia 24 de janeiro devido às queimaduras, e sua esposa, de 25 anos, afirmou, chorando, à agência de notícias Associated Press: “Acuso a makhzen (a elite governante) de matá-lo”.

A morte de Zaidun, cinco dias após a posse do governo de Benkirane, desatou uma onda de protestos em todo o país. Em várias cidades os manifestantes pediram a abolição da monarquia. Uma das manifestações mais fortes aconteceu no dia 1º, em Taza, uma das áreas mais pobres do reino, 340 quilômetros a nordeste de Casabranca. O novo governo, então, lançou a polícia contra os manifestantes, o que deixou saldo de cem feridos, nos dois lados.

Rahim Moktafi, integrante do Movimento 20 de Fevereiro, foi testemunha do ocorrido. “No começo, a manifestação era pacífica. A polícia cercou a cidade e cortou as conexões com a internet e as linhas telefônicas antes de começar a bater em todo mundo”, relatou à IPS. “A polícia, inclusive, entrou na casa das pessoas para agredi-las”, acrescentou. Vídeos colocados nas redes sociais mostram civis denunciando que foram ameaçados de apanharem e violados em suas próprias casas.

“O Marrocos sempre foi um dos regimes mais violentos do mundo, e o governo islâmico é a melhor máscara para que sejam mantidas as mesmas práticas de antes”, comentou Moktafi. Em lugar de promover a tão necessária mudança, “este governo só fará estender a tirania por mais cinco anos”, acrescentou. O mal-estar contra o “governo barbado”, como o chama a imprensa local, não é apenas pelos confrontos com a polícia.

Em Marrakesh, 250 quilômetros ao sul de Casablanca, onde houve manifestações em solidariedade a Taza, o descontentamento popular salta à vista. Abu Zahrah, do Movimento 20 de Fevereiro dessa cidade, contou à IPS que “a chegada dos islâmicos ao poder é apenas uma manipulação política do regime”.

Outra promessa de campanha de Benkirane foi elevar o salário mínimo para três mil dirham, equivalente a US$ 465. Contudo, a decisão foi adiada para 2016, deixando o valor em 2,3 mil dirham, equivalente a US$ 290. “O governo islâmico não terá nenhum impacto positivo na vida dos cidadãos. Só o que aumentará será a quantidade de mulheres com véu”, lamentou Rachid Abu Zahrah. Não foi ironia. A sorte dos direitos femininos com o governo barbado preocupa vastos setores da população.

Em sua declaração de posse no parlamento, no começo deste ano, Benkirane eclipsou o protesto de uma legisladora contra a falta de representação feminina em seu governo. Apesar da cota de quatro mulheres, só houve uma no governo anterior. “O governo está em meio a um polo modernista, representado pelo movimento revolucionário 20 de Fevereiro, e outro tradicionalista”, disse à IPS a ativista Aziz Nidae, de Fez, quase 300 quilômetros ao norte de Casablanca.

No entanto, a julgar pelas últimas ações e em função das análises da imprensa local, o governo parece mostrar que sua lealdade é com os conservadores. De fato, Akhbar al Yaum, ressaltou que a palavra “modernidade” está totalmente ausente do programa de ação do novo governo. Envolverde/IPS