Internacional

ONU não dá conta com 10 grandes crises simultâneas no mundo

Um integrante da força de paz da ONU está pronto para começar a patrulhar no batalhão do Níger em Menaka, leste de Mali, em fevereiro de 2015. Foto: Marco Dormino/ONU
Um integrante da força de paz da ONU está pronto para começar a patrulhar no batalhão do Níger em Menaka, leste de Mali, em fevereiro de 2015. Foto: Marco Dormino/ONU

 

Por Thalif Deen- 

Nações Unidas, 5/5/2015 – A Organização das Nações Unidas (ONU) está perdendo a batalha contra uma cadeia simultânea sem precedentes de crises políticas e humanitárias em 10 dos pontos mais críticos do mundo. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, disse que nenhum dos 193 Estados membros, sozinho, pode resolver estes conflitos. “Nem um só país, por mais poderoso que seja e por mais recursos que tenha, incluídos os Estados Unidos, pode fazê-lo”, afirmou Ban.

As maiores crises políticas atuais se encontram em Afeganistão, Iraque, Líbia, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Síria, Somália, Sudão do Sul, Ucrânia e Iêmen, sem esquecer a África ocidental, que luta contra a expansão da epidemia do vírus ebola.

Historicamente, a ONU teve que lidar com uma ou duas situações deste tipo em um dado momento, mas enfrentar 10 crises simultâneas é um fato sem precedentes nos 70 anos de história do fórum mundial, afirmou seu secretário-geral. Embora a comunidade internacional espere que as Nações Unidas resolvam estes problemas, “a ONU não pode manejá-los por conta própria. Precisamos de poder coletivo e solidariedade, do contrário nosso mundo terá cada vez mais problemas”, ressaltou. Mas, esse poder brilha pela ausência.

Shannon Scribner, da Oxfam Estados Unidos, disse à IPS que a situação é grave. No final de 2013, os conflitos armados e a violação dos direitos humanos haviam forçado 51 milhões de pessoas a abandonarem suas casas, o maior número da história. Em 2014, a ONU pediu ajuda para 81 milhões de pessoas, incluídas refugiados e outras afetadas por conflitos armados e desastres naturais.

Neste momento, o sistema humanitário responde às quatro emergências que a ONU considera mais graves, que são as de Iraque, República Centro-Africana, Síria e Sudão do Sul, que deixaram 20 milhões de pessoas vulneráveis a má nutrição, doenças, violência e morte, e com necessidade de ajuda e proteção, afirmou Scribner.

Mas, também existem as crises do Iêmen, onde duas em cada três pessoas precisam de assistência humanitária, e as da África ocidental, onde Guiné, Libéria e Serra Leoa solicitam US$ 8 bilhões para se recuperarem do Ebola.

Na Somália, as remessas, que equivalem a US$ 1,3 bilhão anuais e são um salva-vidas para milhões de pessoas necessitadas de ajuda humanitária, foram cortadas ou levadas à clandestinidade devido às restrições bancárias.

E também há a crise da migração e dos refugiados no mar Mediterrâneo, onde cerca de mil pessoas morreram no mês passado tentando escapar da situação em seus países de origem, recordou Scribner.

A ONU assegura que necessita de US$ 16 bilhões para dar ajuda humanitária, que inclui alimentos, moradia e medicamentos, a mais de 55 milhões de refugiados no mundo. Porém, o porta-voz das Nações Unidas, Stephane Dujarric, afirmou aos meios de comunicação no dia 20 do mês passado que praticamente todas as operações de emergência da ONU estão “subfinanciadas”.

No dia 31 de março, uma conferência de doadores para arrecadar ajuda humanitária para a Síria, organizada pelo governo do Kuwait, reuniu mais de US$ 3,8 bilhões. Mas a ONU continua solicitando mais fundos para a Síria, a fim de chegar à meta de US$ 8,4 bilhões doados até o final deste ano. “Necessitamos de mais apoio e mais ajuda financeira. Mas, o mais importante, necessitamos de soluções políticas”, afirmou Dujarric.

Entretanto, a maioria dos conflitos segue sem solução ou paralisada principalmente devido às profundas divisões no Conselho de Segurança, único órgão da ONU com faculdade para resolver conflitos militares.

Quando a IPS perguntou a Scribner se a comunidade internacional faz o suficiente, ela respondeu que não existe uma varinha mágica para resolver todas as crises porque há muitos problemas que as motivam, como pobreza, má governança, interesses geopolíticos, economias de guerra fortalecidas pela venda de armas, tensões étnicas, entre outros. Segundo Scribner, o sistema humanitário não está desenhado para responder às crises no século XXI.

A Oxfam pede uma resposta humanitária mais eficaz mediante o financiamento e mais investimentos nas lideranças locais, maior ênfase na busca por soluções políticas e ação diplomática, e também que a comunidade internacional utilize os objetivos de desenvolvimento sustentável para tirar mais gente da pobreza e reverter a desigualdade existente no mundo. Scribner disse que a riqueza combinada do 1% mais rico da população do mundo superará a de todos os demais em 2016, devido à tendência atual do aumento da desigualdade.

Os conflitos nos pontos críticos do mundo também geraram duas consequências negativas. As pessoas presas no fogo cruzado fogem dos países devastados pela guerra para refúgios seguros na Europa, enquanto, ao mesmo tempo, cresce o número de trabalhadores humanitários e pessoal da ONU mortos pela violência. Calcula-se que em abril deste ano mais de 900 refugiados e trabalhadores migrantes procedentes da Líbia, devastada pela guerra, morreram em alto mar quando naufragou no Mediterrâneo o barco com o qual pretendiam chegar à costa europeia. No dia 20 de abril, quatro funcionários do Fundo das Nações Unidas para a Infância, (Unicef) morram no ataque ao veículo em que viajavam, na Somália. Outros quatro ficaram feridos gravemente.

Ian Richards, presidente da Coordenadora de Sindicatos e Associações do Pessoal Internacional da ONU, disse que o fórum mundial deixou claro que continuará operando na Somália. “Nosso trabalho é necessário lá. Apoiamos o trabalho de nossos colegas nestas difíceis circunstâncias”, afirmou. Por isso é importante que o secretário-geral e a Assembleia Geral revisem a proteção que a ONU oferece ao seu pessoal em luares onde sua vida está em risco, para que possam continuar prestando a assistência necessária.

Scribner afirmou que os trabalhadores humanitários passaram de sofrer 90 ataques violentos em 2001 para 308 em 2011, e que a maioria é contra trabalhadores locais, que correm mais risco porque podem se vincular mais de perto com a população por estarem familiarizados com a geografia, falam o idioma e entendem a cultura local. “Por isso, não é surpresa os trabalhadores humanitários locais representarem quase 80% das vítimas mortais, em média, desde 2001, acrescentou. Envolverde/IPS