Internacional

Homens comprometidos com “coisas de mulher”

Um grupo de homens assina o Compromisso Pela Igualdade, durante um encontro em Buenos Aires convocado pela Rede de Homens pela Igualdade, criada há um ano na Argentina. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS
Um grupo de homens assina o Compromisso Pela Igualdade, durante um encontro em Buenos Aires convocado pela Rede de Homens pela Igualdade, criada há um ano na Argentina. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS

Por Fabiana Frayssinet, da IPS – 

Buenos Aires, Argentina, 29/9/2015 – A reunião era sobre a igualdade de gênero e, de maneira excepcional, a presença masculina foi muito superior à feminina. O encontro, organizado pela Rede de Homens pela Igualdade (HxI), representou um marco dessa luta na Argentina, porque o compromisso pela equidade deixou de ser apenas “coisa de mulheres”. A Rede HxI surgiu há um ano, com o compromisso de “criar um espaço para incorporar todos os homens que promovem a igualdade de gênero e a prevenção da violência contra as mulheres, e conseguir o compromisso de realizar daqui em diante ações nesse sentido em seus ambientes de influência e/ou de trabalho”.

A iniciativa é impulsionada pela Organização das Nações Unidas (ONU) na Argentina e pelo governamental Conselho Nacional das Mulheres, junto com duas organizações privadas do país, a Fundação Avon e a filial do grupo francês de alimentação Carrefour.

Acostumada a encontros desse tipo em que as mulheres, como principais vítimas da desigualdade são maioria, a presidente do conselho, Mariana Gras, se mostrou surpresa porque, neste caso, foram minoria. “Sempre são as mulheres que estão em maioria. Quando falamos sobre essas reuniões e dizemos ‘vamos fazer uma reunião pela igualdade de gênero’, dizem: mando as mulheres. Os homens se incomodam, fazem piadas e preferem não ir”, contou à IPS.

“Isso vem ganhando força entre um grupo de homens que se reunia muitas vezes em eventos dessa natureza e compartilhava uma preocupação muito pontual. Em quase todos os eventos que organizávamos sobre direitos das mulheres, praticamente só compareciam mulheres”, explicou à IPS René Mauricio Valdés, coordenador da ONU residente no país.

Do encontro, realizado em Buenos Aires, no dia 22 deste mês, participaram representantes do governo e do poder judicial, junto com expoentes dos setores empresarial, social e acadêmico. Nele, vários participantes aderiram ao Compromisso Pela Igualdade, que faz parte das iniciativas da Rede HxI.

“Comprometo-me a realizar uma cotidiana avaliação pessoal de meus comportamentos e minhas atitudes, para não reproduzir os preconceitos e estereótipos que sustentam a discriminação sistemática contra as mulheres e evitam que estas tenham acesso aos seus direitos em igualdade de condições com os homens”, diz o compromisso assinado, entre outros, pelo ministro do Trabalho, Carlos Tomada.

Trata-se de estereótipos machistas que, segundo Grass, também afetam os homens neste país de 43 milhões de habitantes. “O machismo é algo que atinge todos nesta sociedade, porque está em nossos parâmetros culturais e é algo que vai te marcando. Por outro lado, se um homem vai a uma delegacia denunciar que uma mulher lhe bateu, dizem a ele que não seja maricas, resolva sozinho”.

“Não somos puros, não somos homens que nunca caíram em um ato discriminatório. É algo sobre o que os homens estão tomando consciência pouco a pouco em público, pessoalmente, como pais, como filhos, como maridos, quanto à importância de fazer algo a partir de nossa instância”, pontuou Valdés. O desafio é que este compromisso saia de um grupo de líderes influentes e intelectuais da sociedade e se reflita em todas as províncias, em áreas urbanas e rurais, em cada bairro.

“Não estamos convidando os puros a se somarem a isso, mas queremos que todos se somem e assumam um compromisso pessoal para que, em primeiríssimo lugar em nossa vida, não toleremos e não permitamos essas coisas nos espaços onde vivemos, onde estudamos, onde oramos, onde nos divertimos”, acrescentou Valdés. É o que tentam fazer organizações como a Campanha Laço Branco, promovendo, por exemplo, painéis mistos com jovens em clubes de futebol na província de Córdoba.

“Temos um trabalho em clubes de futebol com o mais novos, sobre como é gerado o processo de socialização masculina e o esporte, especialmente o futebol, criando os estereótipos de masculinidade normalmente vinculados à violência, ao não respeito com os outros e as outras”, descreveu à IPS o coordenador no país da Rede HxI, Hugo Huberman.

Entretanto, também se percebe o machismo em atos cotidianos tão simples quanto ir ao médico. “Trabalhamos sobre saúde masculina e fazemos pequenas campanhas para os homens irem com maior frequência ao médico. Não vamos ao médico por construção de identidade: aquele que vai ao médico é fraco, é vulnerável, não segue os tratamentos, come qualquer coisa”, apontou Huberman.

A empresa Carrefour tenta aplicar a ideia em sua rede de supermercados na Argentina, concedendo, por exemplo, folga tanto para homens como para mulheres no dia do aniversário de seus filhos, ou para ir a reuniões de adaptação escolar. Também estabeleceu as reuniões de trabalho apenas pela manhã, ou tendo como última horário quatro da tarde, para não atrasar a volta para casa de nenhum de seus empregados.

“É certo que hoje a sociedade dá um papel de trabalho ao homem e a mulher assume – entre aspas – o papel de sustentar a família, administrar a casa, etc. Se não forem dadas oportunidades ao homem para fazer essas coisas, ao mesmo tempo se tira possibilidades de a mulher desenvolver seu trabalho”, disse à IPS o diretor de assuntos corporativos do Carrefour, Leonardo Scarone.

Para promover o desenvolvimento profissional das mulheres, a companhia também estabeleceu como condição que em cada grupo de quatro candidatos para cargos de direção haja pelo menos uma mulher, e que seus comitês de carreira também analisem e apostem no potencial profissional de suas funcionárias.

Em nível gerencial, tínhamos 20% de mulheres, o difícil era romper esse famoso teto de vidro e chegar a posições de diretoras”, explicou Scarone. Hoje, depois de três anos da implantação de seu programa de diversidade, a empresa tem seis mulheres na diretoria, aproximadamente 15% do total, quando antes era zero.

“A possibilidade de construir uma resolução para a violência de gênero exige de todas as partes, porque se eu tenho uma parte da sociedade afetada e considero que a solução está apenas no que sofre, a primeira coisa é que tenho uma sociedade absolutamente não solidária, e em segundo que não estou entendendo os efeitos que tem o outro em minha sociedade. Todos e todas são os atores”, resumiu Gras. Envolverde/IPS