Internacional

Europa discute enquanto refugiados morrem

Imigrantes do norte da África perto da ilha italiana da Sicilia. Foto: Vito Manzari, de Martina Franca (TA), Itália. Immigrati Lampedusa/CC-BY-2.0
Imigrantes do norte da África perto da ilha italiana da Sicilia. Foto: Vito Manzari, de Martina Franca (TA), Itália. Immigrati Lampedusa/CC-BY-2.0

Por Thalif Deen, da IPS – 

Nações Unidas, 1/9/2015 – Dezenas de milhares de refugiados fogem dos conflitos armados no Afeganistão, Iraque, Líbia e Síria, enquanto os governos da Europa e as organizações internacionais procuram lidar com uma crise humanitária que ameaça explodir. A Hungria está construindo uma barreira para impedir a entrada dos estrangeiros. A Eslováquia adverte que somente aceitará refugiados cristãos, o que provocou a condenação da Organização das Nações Unidas (ONU).

O drama da crise ficou manifesto nos últimos dias, quando autoridades austríacas descobriram um caminhão de entregas abandonado com os corpos em decomposição de 71 refugiados, entre eles oito mulheres e três crianças, em uma estrada nos arredores de Viena. Alemanha e Suécia, que são os países mais receptivos, absorveram 43% de todos os solicitantes de asilo. Mas na Alemanha, apesar de sua política liberal e de já ter recebido mais de 44 mil sírios este ano, os imigrantes sofreram ataques por parte de grupos nazistas, em sua maioria.

É provável que a crise piore. A ONU calcula que mais de três mil imigrantes se dirigem à Europa ocidental a cada dia, e alguns deles morrem na tentativa em alto mar. O Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (Acnur) informa que mais de 2.500 imigrantes morreram este ano tentando cruzar o Mar Mediterrâneo para chegar a território europeu.

O primeiro-ministro britânico, David Cameron, foi criticado por desumanizar os migrantes, ao qualificá-los de “um enxame de gente que vem pelo Mediterrâneo, em busca de uma vida melhor, com o desejo de vir para a Grã-Bretanha”. Harriet Harman, advogada britânica e líder do opositor Partido Trabalhista, destacou que Cameron “deve lembrar que está falando de pessoas e não de insetos”, e acrescentou que o uso de linguagem que “divide” é um “giro preocupante”.

Os três países com as maiores fronteiras externas – Grécia, Hungria e Itália – suportam a maior quantidade de chegada de imigrantes e refugiados. Os 28 Estados da União Europeia (UE) continuam sem chegar a um acordo sobre a melhor forma de compartilhar essa carga. Enquanto os países europeus se queixam das centenas de milhares de migrantes que inundam suas margens, os números são relativamente insignificantes em comparação com os 3,5 milhões de refugiados sírios alojados por Jordânia, Líbano e Turquia.

O jornal norte-americano The New York Times citou, no dia 29, Alexander Betts, professor e diretor do Centro de Estudos de Refugiados da Universidade de Oxford, da Grã-Bretanha. “Enquanto a Europa discute, há gente morrendo”, afirmou. A chanceler alemã, Angela Merkel, declarou que a UE enfrenta uma das piores crises de sua história, pior ainda do que a crise financeira grega, que ameaçou quebrar o bloco.

Em uma declaração divulgada no dia 28, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, assegurou estar “horrorizado e desconsolado” pela recente perda de vidas de refugiados e migrantes no Mediterrâneo e na Europa. A grande maioria das pessoas que realizam essas perigosas e árduas travessias é de refugiados que fogem de lugares como Síria, Iraque e Afeganistão, acrescentou.

“O direito internacional estabelece – e os Estados o reconhecem há tempos – o direito dos refugiados à proteção e ao asilo”, recordou Ban. Ao considerar os pedidos de asilo, os Estados não podem fazer distinções baseadas na religião ou em outra identidade, nem podem obrigar as pessoas a regressaram aos lugares de onde fugiram se existe o temor bem fundado de perseguição ou ataque, explicou. “Isso não é só uma questão de direito internacional, também é nosso dever como seres humanos”, enfatizou.

Organizações internacionais, entre elas a ONU, reclamam “corredores humanitários” em zonas de guerra, principalmente para que seja possível fornecer alimentos, abrigo e remédios, sem que surjam obstáculos em razão dos conflitos armados. “Da nossa parte, pedimos corredores humanitários, respeito pela dignidade humana e pelos convênios de Genebra”, que regem o tratamento da população civil nas zonas em guerra, pontuou à IPS Francesco Rocca, presidente da Cruz Vermelha Italiana.

Rocca afirmou que, quanto às pessoas em movimento e às que fogem dos conflitos, “devemos recordar que são seres humanos, frequentemente não têm outra opção que não seja abandonar suas casas. E devem ter acesso irrestrito aos direitos humanos fundamentais, em particular ao direito a proteção e atenção sanitária”.

Essas pessoas não querem fugir. Gostam de suas casas, seus professores, suas escolas e seus amigos, destacou Rocca. “Mas esses são relatos terríveis de pessoas que foram expulsas de suas casas pela violência na Síria, no Sudão e outros conflitos. Durante quase três anos pedimos corredores humanitários, mas em vão”, ressaltou.

“Apoio firmemente a posição da Cruz Vermelha europeia em matéria de migração e asilo na UE, que recomenda claramente respeitar e proteger os direitos dos migrantes, independentemente de sua condição jurídica, nas políticas de gestão de fronteiras, e para compartilhar a responsabilidade na aplicação de um sistema de asilo comum europeu”, acrescentou Rocca.

“Defendemos um enfoque humanitário que faça frente às vulnerabilidades dos migrantes, em lugar de centrar-se em sua situação jurídica”, afirmou Rocca se referindo à Cruz Vermelha Italiana e à Federação Internacional da Cruz Vermelha. Envolverde/IPS