Internacional

Campanha contra rigorosa penalização do aborto em El Salvador

Um de seus advogados de defesa abraça Carmelina Pérez quando um juiz de um tribunal de apelação do leste de El Salvador a declarou inocente de homicídio, dia 22 de abril, depois que foi condenada a 30 anos de prisão em junho de 2014, após sofrer um aborto. Em El Salvador as mulheres, particularmente as pobres, sofrem a penalização absoluta da interrupção da gravidez. Foto: Edgardo Ayala/IPS
Um de seus advogados de defesa abraça Carmelina Pérez quando um juiz de um tribunal de apelação do leste de El Salvador a declarou inocente de homicídio, dia 22 de abril, depois que foi condenada a 30 anos de prisão em junho de 2014, após sofrer um aborto. Em El Salvador as mulheres, particularmente as pobres, sofrem a penalização absoluta da interrupção da gravidez. Foto: Edgardo Ayala/IPS

 

São salvador, El Salvador, 4/5/2015 – Organizações internacionais e locais de direitos humanos realizam uma intensa campanha mundial para que El Salvador modifique sua rigorosa lei que penaliza o aborto e encarcera mulheres por essa prática, inclusive em alguns casos em que a interrupção da gravidez foi espontânea. 

Atualmente, 15 mulheres estão presas por crimes tipificados como abortos ou homicídios, embora sua defesa garanta que foram abortos derivados de complicações na gravidez. No total, pelo menos 129 foram processadas por interromper sua gravidez, entre 2000 e 2011, segundo dados parciais de organizações locais. 

A campanha, promovida pela Anistia Internacional e por organizações locais, reuniu 300 mil assinaturas para denunciar a “brutal proibição” do aborto e exigir uma mudança na legislação deste país centro-americano de 6,3 milhões de habitantes e um dos muitos casos no mundo que pune com prisão essa prática de forma absoluta. 

A campanha foi lançada justamente quando uma mulher foi libertada por um tribunal de apelação após passar 15 meses na prisão e ser condenada por homicídio por um tribunal de primeira instância. 

Carmelina Pérez caiu em prantos de alegria quando o juiz a declarou inocente, no dia 23 de abril, ao final da audiência realizada no Tribunal de Sentença (superior) da cidade de La Unión, capital do departamento de mesmo nome. “Estou feliz, porque poderei estar com meu filho e minha família, em liberdade”, disse Pérez à IPS, ainda algemada. Ela tem um menino de três anos em Honduras. 

Pérez, de 21 anos, trabalhava como doméstica na localidade de Concepción de Oriente, em La Unión, quando sofreu um aborto espontâneo e foi condenada, em junho de 2014, a 30 anos de prisão por homicídio, mas a defesa apelou e ganhou em segunda instância. 

Ainda há 15 de 17 mulheres presas por casos semelhantes desde 1998, quando a Assembleia Legislativa modificou o Código Penal para que o aborto fosse punido em todas suas formas, inclusive em casos terapêuticos que são conhecidos como exceções: perigo de vida para a mãe, má formação fetal e violação. Um ano mais tarde, foi reformado o artigo primeiro da Constituição salvadorenha para que as pessoas fossem reconhecidas como tais desde a concepção, tornando mais difícil modificar a legislação sobre o aborto. 

Carmen Guadalupe Vásquez, de 25 anos, fez parte daquele grupo de 17 presas, e recebeu o indulto da Assembleia Legislativa em janeiro deste ano, após permanecer sete na prisão, depois que foram reconhecidos erros judiciais no processo. Também em novembro de 2014 Mirna Ramírez, de 47 anos, ficou livre após finalizar sua condenação de 12 anos. 

Outras cinco mulheres já condenadas esperam na prisão o trâmite burocrático para receberem sua sentença definitiva. A maioria destas mulheres com complicações obstétricas ou abortos espontâneos chega a hospitais públicos buscando ajuda médica, mas ali são denunciadas pelo pessoal hospitalar, temerosos de serem acusados de práticas abortivas, e são enviadas imediatamente à prisão, sob custódia policial. 

“A proibição do aborto é uma violação dos direitos humanos das meninas e mulheres de El Salvador, como o direito à saúde, à vida e à justiça’, disse Erika Guevara, diretora para as Américas da Anistia Internacional, durante um fórum realizado em São Salvador no dia 22 de abril. Guevara acrescentou que a legislação salvadorenha sobre aborto “criminaliza as mulheres mais pobres do país”. 

Apesar de não haver dados recentes, uma pesquisa feita pela Agrupação Cidadã pela Despenalização do Aborto, publicada em 2013, mostra que entre 2000 e 2011 foram processadas 129 mulheres por aborto ou por homicídio. Delas, 49 foram condenadas: 23 por aborto e 26 por homicídio em diferentes graus. Nestes casos, a promotoria defendeu a tese de que os fetos nasceram vivos e a gestante é responsável por sua morte. 

Das 129 julgadas, 7% eram analfabetas, 40% tinham educação primária, 11,6% eram bacharéis e apenas 4,6% eram universitárias. Além disso, 51,1% das processadas já não recebiam nenhuma remuneração econômica e 31,7% tinham renda escassa. 

Do outro lado, sabe-se que mulheres de classe média e alta realizam aborto clandestino em clinicas privadas sem serem denunciadas pelos médicos, nem detidas nem julgadas pela justiça. 

Além de coletar as 300 mil assinaturas para exigir do Estado salvadorenho a modificação da penalização absoluta do aborto, a Anistia também pediu que seja proporcionado às mulheres e meninas acesso a um aborto seguro e legal, quando a gravidez colocar em risco a vida ou a saúde da gestante, seja fruto de uma violação ou exista má formação grave do feto. 

Apenas Vaticano, Haiti, Nicarágua, Honduras, Suriname e Chile mantém a proibição absoluta do aborto, embora no último país tramite uma nova lei para despenalizá-lo nos supostos terapêuticos. 

Delegadas da Anistia, da Agrupação Cidadão e do Centro de Direitos Reprodutivos se reuniram no dia 22 de abril com representantes do presidente Salvador Sánchez Cerén, da esquerdista Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional, a fim de pedir uma flexibilização da lei. Também mantiveram encontros com os presidentes dos poderes Legislativo e Judicial, com o aval das 300 mil assinaturas. 

“Pelo menos há a vontade de dialogar, vemos uma abertura”, disse à IPS a ativista Paula Ávila, do Centro de Direitos Reprodutivos, uma organização internacional com sede nos Estados Unidos. Ávila acrescentou que na medida em que continuarem contando a história das mulheres que sofrem esses casos existirá uma necessidade do Estado para sentar e conversar. 

O Centro, junto com a Agrupação Cidadã e o Coletivo Feminista pelo Desenvolvimento Local, exigiu uma resposta do Estado a um comunicado enviado no dia 20 de abril pela Comissão Latino-americana de Direitos Humanos (CIDH), na qual pedem urgência no estabelecimento de sua responsabilidade na morte de “Manuela”. 

Manuela é como se conhece uma mulher que nunca consentiu em revelar sua identidade completa, sofreu uma emergência obstétrica, foi erroneamente acusada de ter provocado um aborto e condenada a 30 anos de prisão por homicídio. Mais tarde, soube-se que ela sofria de câncer linfático e que a doença pode ter causada a interrupção da gravidez. Ela morreu em 2010, na prisão, sem nenhum tipo de assistência médica. 

A CIDH aceitou o caso e deu ao Estado salvadorenho três meses para responder por sua responsabilidade nessa morte. 

O debate sobre a flexibilização da lei que penaliza totalmente o aborto ignora o machismo da sociedade salvadorenha e enfoques moralistas e religiosos, com grande pressão das hierarquias da Igreja Católica e de confissões evangélicas, o que dificulta que haja caminhos políticos. 

Porém, a libertação de Carmelina Pérez, em La Unión, desperta esperanças em processos judiciais semelhantes. Pela primeira vez um juiz de uma câmara de apelações não considerou a declaração da ginecologista que testemunhou contra a processada. Essa decisão foi chave para anular o julgamento em primeira instância, quando Pérez foi condenada a 30 anos de prisão. Envolverde/IPS