Internacional

Aflotoxinas envenenam comércio e saúde

O técnico laboratorista Herbert Mtopa colhe amostras biológicas em uma clínica do Zimbábue para avaliar a exposição de mulheres e crianças às aflatoxinas. Foto: Busani Bafana/IPS
O técnico laboratorista Herbert Mtopa colhe amostras biológicas em uma clínica do Zimbábue para avaliar a exposição de mulheres e crianças às aflatoxinas. Foto: Busani Bafana/IPS

Por Busani Bafana, da IPS – 

Bulawayo, Zimbábue, 1/12/2015 – A contaminação por aflotoxinas é um problema crescente para o comércio, a segurança alimentar e a saúde na África subsaariana, onde os pequenos agricultores não têm os recursos necessários para proteger suas colheitas. As aflotoxinas são substâncias tóxicas cancerígenas produzidas por certos fungos que nascem naturalmente na terra e que se converteram em um grave contaminador de alimentos básicos africanos, incluído milho, sorgo, inhame, arroz, amendoim, mandioca e castanha de caju.

O Instituto Internacional de Pesquisas sobre Políticas Alimentares (IITA), uma organização sem fins lucrativos com sede na Nigéria, realiza pesquisas pioneiras na redução da contaminação por micotoxinas nesse continente. Segundo seus pesquisadores, a exposição às micotoxinas é um obstáculo para a saúde e o bem-estar da população da África, onde foram confirmados altos níveis de contaminação por aflotoxinas. Muito agricultores de pequeno porte não conseguem impedir a contaminação durante a produção e o armazenamento de suas colheitas por carecerem de métodos rentáveis para controlá-la.

A África subsaariana perde anualmente mais de US$ 450 milhões no comércio de milho e amendoim, entre outros cultivos, por causa das aflotoxinas, disseram à IPS os pesquisadores do IITA. Sem saber, muita gente consome alimentos contaminados, com o consequente gasto para a saúde pública, em uma região cujos centros de saúde estão saturados.

As toxinas presentes na África estão vinculadas a imunodepressão, câncer hepático e atraso no crescimento das crianças. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) confirma que 40% da população infantil na região tem crescimento retardado ou baixa estatura para a idade, o que pode ser associado a um desenvolvimento cerebral reduzido.

As altas temperaturas e as condições de seca favorecem o crescimento dos fungos. As más práticas agrícolas e a insegurança alimentar de muitas pessoas na região aumentam sua exposição à contaminação por aflotoxinas. Além disso, o alto conteúdo de umidade no solo atribuído às chuvas fora de temporada, em consequência da variabilidade do clima, também aumenta a contaminação durante a colheita.

O alto nível das aflotoxinas no amendoim de Malawi afetou as exportações desse país. Foto: Busani Bafana/IPS
O alto nível das aflotoxinas no amendoim de Malawi afetou as exportações desse país. Foto: Busani Bafana/IPS

“Está previsto que a mudança climática terá profundo efeito de contaminação dos cultivos por aflotoxinas. Em consequência, toda redução no nível pluviométrico ou elevação da temperatura agravará o problema”, alertou o cientista João Augusto, do IITA. Em 2009, o IITA, a Fundação Africana pelas Tecnologias Agrícolas e o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos – Serviço de Pesquisa Agrícola desenvolveram uma tecnologia autóctone de controle biológico, chamada AflaSafe, para mitigar a contaminação por aflotoxinas no milho e no amendoim.

A AflaSafe é uma mescla de quatro cepas não produtoras de aflotoxinas do fungo de mofo verde (Aspergillus flavus) de origem nativa. Ao se espalhar pelo campo, o produto cresce e evita que as cepas produtoras de toxinas colonizem, se multipliquem e contaminem os cultivos.

A pesquisa para controlar a aflotoxina na África começou pela primeira vez na Nigéria, onde a AflaSafe é hoje um produto comercial registrado. Outros produtos, específicos para cada país, foram desenvolvidos e introduzidos em Burkina Faso, Gâmbia, Quênia, Senegal e Zâmbia. Nos seis países onde foram testados produtos de controle biológico, desde 2008 até agora, se conseguiu até 99% de redução da contaminação por aflotoxinas com o uso da AflaSafe nos campos de milho e amendoim.

“Os benefícios da AflaSafe para mitigar a contaminação por aflotoxinas é muito maior do que seu custo”, afirmou Julieta Akello, patologista e integrante da equipe do IITA em Zâmbia. “A exposição às aflotoxinas mediante o consumo de alimentos contaminados se deve a uma combinação de ignorância, pobreza e descumprimento das normas por parte dos governos”, destacou.

No mundo, as aflotoxinas são uma ameaça conhecida que se combate com investimento nos controles de segurança dos alimentos. Os pequenos agricultores na África recorrem a métodos tradicionais de armazenamento e ao uso de pesticidas para prevenir os carunchos. Mas esses métodos não são à prova de pragas e por isso se perde grande parte da colheita armazenada quando mais se necessita.

Nesse país, pesquisadores da Universidade do Zimbábue e a organização Ação Contra a Fome trabalham em duas localidades para ver se a melhora no armazenamento pode reduzir a contaminação no grão de milho. A pesquisa de dois anos, com apoio do programa Cultivar o Futuro da África, uma iniciativa financiada pelo canadense Centro de Pesquisa para o Desenvolvimento Internacional e pelo Centro Australiano de Pesquisa para a Agricultura Internacional, também avaliará os níveis de exposição em mulheres e crianças.

O projeto utiliza silos metálicos e sacas de plástico grosso para que o milho seja armazenado hermeticamente. Os agricultores na África subsaariana carecem de equipamentos de secagem, e a maioria deixa suas colheitas de milho e amendoim nos campos para secarem antes da colheita. Às vezes, as armazenam antes de estarem totalmente secas, o que as deixa vulneráveis às aflotoxinas.

O milho, produto básico da África austral, é vulnerável às aflotoxinas se não for seco e armazenado de forma adequada. Foto: Busani Bafana/IPS
O milho, produto básico da África austral, é vulnerável às aflotoxinas se não for seco e armazenado de forma adequada. Foto: Busani Bafana/IPS

As exportações de produtos agrícolas africanos, em particular o amendoim, caíram até 20% nas últimas duas décadas, porque não foram cumpridas as normas da União Europeia (UE) sobre níveis de aflotoxinas nos alimentos para consumo humano. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em 2013, apenas 15 países africanos aplicavam limites regulamentares às aflotoxinas.

Em Zâmbia, por exemplo, quase 100% das marcas de pasta de amendoim analisadas nos supermercados e mercados locais, entre 2012 e 2014, superavam o nível permitido de aflotoxinas de 20 partes por bilhão (PPB). Além disso, menos de 30% da farinha de amendoim tinha níveis inferiores aos quatro PPB fixados pela UE.

No Quênia considerado, o país mais afetado pela aflotoxina na África oriental, cerca de 200 pessoas morreram após ingerir milho contaminado entre 2004 e 2006. Em 2010, aproximadamente dois milhões de sacas de milho foram declaradas impróprias para consumo humano devido ao seu elevado nível de aflotoxinas.

Gâmbia, Malawi, Moçambique, Senegal e Zâmbia, que no passado foram exportadores de amendoim, perderam os lucrativos mercados da União Europeia, África do Sul e Estados Unidos devido às aflotoxinas em seus produtos básicos, explicou João Augusto. A pesquisadora Chapwa Kasoma, de Zâmbia, advertiu que, se não for controlada a contaminação por aflotoxinas, poderá haver atraso no desenvolvimento da África subsaariana.

“Se queremos superar a pobreza em todas as suas formas, combatendo não só a insuficiência de alimentos, mas também abordando toda forma de desnutrição, precisamos estar preocupados. Sendo potentes carcinógenos, as aflotoxinas são claramente um problema de nutrição”, ressaltou Kasoma, que também trabalha como supervisora na empresa agroquímica DuPont Pioneer. Envolverde/IPS