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A hemodiálise não é para todos em Uganda

dialisisPor Wambi Michael, da IPS – 

Kampala, Uganda, 2/7/2015 – Vincent Mugyenyi, piloto da reserva da Força Aérea de Uganda, de 65 anos, perdeu a conta de quantas vezes teve que se submeter a diálise desde que, há oito anos, foi diagnosticado com uma doença crônica nos rins. Ele passa oito horas por semana na máquina de diálise do Hospital Nacional de Referência de Mulago, onde recebe o tratamento que filtra as toxinas do sangue e restaura a correta função renal. O objetivo é ganhar tempo enquanto o órgão se recupera ou surge a possibilidade de um transplante.

“Tinha uma pequena propriedade com cem animais. Vendi todos para pagar o tratamento porque ainda precisava da vida. Assim a doença me afetou. Esgotou todos os meus recursos. A terra é muito importante, mas vendi a minha para comprar vida”, contou Mugyenyi à IPS. Ele é afortunado e sem sorte, ao mesmo tempo. É um dos poucos ugandenses com problemas renais crônicos que pode passar pela diálise, embora não atenda todos os requisitos para receber um transplante de rim devido à idade.

A enfermidade renal crônica (ERC) é um crescente problema de saúde em Uganda e afeta a economia, a sociedade e o estado físico de pacientes e seus familiares. O médico Simon Peter Eyoku, especialista em problemas renais do Hospital de Mulago, afirmou à IPS que as ERC afetam principalmente adultos entre 20 e 50 anos, e que as causas mais comuns costumam ser infecções vinculadas ao vírus HIV, causador da aids, seguidas de hipertensão e diabete.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a ERC é a 12ª causa de morte no mundo e sua crescente incidência, cerca de 8% ao ano, a converte em um importante problema de saúde pública. O Hospital Mulago é o único do sistema público ugandense que atende pacientes com complicações renais e, de acordo com Eyoku, isso representa mais uma carga para as pessoas que devem percorrer grandes distâncias até a unidade de diálise, o que aumenta os custos de um tratamento que já é caro.

Outro problema é que a unidade de diálise possui apenas 33 máquinas de hemodiálise para uma população de 36 milhões de habitantes. Quando foi aberta, há quase oito anos, com quatro máquinas, um paciente tinha que pagar o equivalente a US$ 500 por semana pelo tratamento, um custo proibitivo. Em março de 2014, a administração do hospital decidiu redistribuir fundos para a unidade e baixar o custo do tratamento para US$ 40 semanais, o que continua sendo caro para a maioria dos ugandenses.

O hospital também oferece duas sessões gratuitas de hemodiálise, o que permitiu a chegada de pacientes com ERC, mas “agora estamos com dificuldades por recebermos muito mais pacientes”, apontou Eyoku.

“Gostaria que tivéssemos mais especialistas em problemas renais”, lamentou Robert Kalyesubula, um dos quatro nefrologistas do hospital. “Também precisamos de mais programas para conscientizar sobre esse problema, para as pessoas o conhecerem, porque é devastador. Vi pessoas idosas se abaterem ao receber o diagnóstico. E a dor, pois afeta toda a família. Se o pai adoece, os filhos não irão à escola”, acrescentou.

Uma das dificuldades do diagnóstico é que a doença não tem sintomas específicos no início, por isso os pacientes que precisam de tratamento já estão nas fases finais. “Passa-se 90% do tempo tentando manter as pessoas vivas em lugar de ajudá-las a viver melhor”, opinou Kalyesubula. Além disso, em Uganda, como no resto da África subsaariana, se desconhece a magnitude do problema e não lhe é dada a devida importância.

“Sabemos mais sobre o HIV, a malária e a tuberculose, porque são doenças para as quais há muito dinheiro. Os problemas renais merecem o mesmo grau de importância dado ao HIV. Ignoramos uma doença que pode ser tratada em suas primeiras etapas”, ressaltou o especialista.

Os pacientes que não podem pagar os US$ 40 por semana para a hemodiálise são atendidos na área 4C, e dá a impressão de que são presos condenados à morte sem possibilidade de apelação. Quando a IPS visitou a área, em uma tarde agitada, o cenário era um caos patético. Os poucos médicos e enfermeiras corriam de um lado para outro, atendendo tanto homens adultos quanto meninas adolescentes no mesmo lugar.

Na entrada da sala a IPS conversou com Rosemary Kyakuhaire, que juntava os pertences de seu irmão, um homem de 40 anos que acabara de morrer por uma falha renal. Ele esteve internado por três semanas, recebendo apenas cuidados paliativos, porque sua família não tinha recursos para pagar o tratamento, contou.

Segundo o médico Kalyesubula, em Uganda “é melhor ser diagnosticado com HIV do que com um problema renal”. A possibilidade de receber tratamento para ERC no país depende de o paciente ter seguro de saúde ou poder pagar mediante empréstimos, vendendo propriedades ou com ajuda econômica de familiares e amigos. Há dois hospitais privados que oferecem hemodiálise, mas apenas alguns afortunados podem custear o tratamento nessas instituições.

Benon Mulindwa, de 27 anos, é um desses afortunados. O seguro médico de seu empregador, a Força de Defesa do Povo de Uganda, cobria o custo do tratamento e do transplante. Sem o seguro médico não conseguiria pagar os quase US$ 20 mil anuais para a hemodiálise, nem outro tanto para o transplante, segundo contou à IPS. Inclusive, Mulindwa foi submetido ao transplante na Índia, também coberto pelo seguro. Porém, a maioria dos pacientes deve buscar um doador em Uganda.

Ao contrário de outros países em desenvolvimento, com registros públicos de doadores de rins, em Uganda os pacientes devem buscar os possíveis doadores, o que aumenta as dificuldades que devem enfrentar, segundo Kalyesubula. A falta de informação sobre a segurança na doação de rins faz com que muitos ugandenses não se sintam dispostos a serem doadores. Envolverde/IPS