Sociedade

Quanto tempo temos de vida?

Por Maria Helena Masquetti*

“Como era, por exemplo, seu cotidiano na adolescência?”. É comum perguntar algo assim a um jovem de vinte e poucos anos e em busca de ajuda para um transtorno emocional. “Ah, sei lá, não lembro de nada, o que isso tem a ver com minha depressão?”

Espera daqui, encoraja dali até que, depois de um tempo, ou mesmo após muitos dias, algumas lembranças enfim aparecem: “Ah, lembro da minha primeira excursão na escola, de quando ganhei meu primeiro vídeo game, da minha formatura, da minha viagem pra Disney, da minha primeira balada…” . Aos poucos, vai sendo possível vislumbrar as prováveis razões para o mal estar desse e de tantos outros jovens que, cada vez mais, se queixam de angústias que tão pouco combinam com o brilho da juventude.

Como pode alguém estar feliz e percebendo-se pleno de sua própria existência quando seu conceito sobre felicidade vem sendo, desde cedo, atrelado somente a picos altos de contentamento motivados por ocasiões especiais, notadamente as de consumo? Sendo assim, temos que cuidar para que as crianças não cresçam constatando que a felicidade, tal como elas a entendem, só entra em casa quando entra uma TV nova, quando se troca de carro, quando uma festa glamourosa ocupa o melhor lugar nas conversas em família ou quando a viagem dos sonhos acontece, geralmente regada a compras e aventuras patrocinadas por marcas e personagens.

Sem a capacidade de abstração plenamente desenvolvida, as crianças não compreendem como felicidade, a segurança de um lar, a sorte de contar com quem as ame de fato e se preocupe verdadeiramente com elas, a previsibilidade dos cuidados adequados, a chance de estudar e aprender, a capacidade de resolver problemas, o respaldo de uma família, a cama quentinha, o alimento sempre presente na mesa, entre tantos outros aspectos que compõem o jeito maduro de reconhecer-se feliz.

Foto: Shuttestock
Foto: Shuttestock

 

Confundindo ainda mais os pequenos sobre esses valores, as mensagens comerciais – que, aliás, falam diretamente com eles – reforçam continuamente que a felicidade se resume em comprar os produtos e serviços anunciados. Difícil explicar a eles que, assim que saem das lojas, os produtos perdem o encanto da embalagem, o sentido da mensagem se esvai e a iluminação das vitrines se apaga. E que, por não terem vida, a felicidade que eles prometem é irreal, desaparecendo no momento de serem usados. Isso quando não deixam para os pais a infelicidade de uma conta pesada para pagar.

É desse modo, então, que, bem embaixo de nossos narizes, a felicidade de cada dia vai sendo desconsiderada ou entendida como nula, levando tantos jovens a tentar preencher com objetos, psicofarmacos ou substitutos diversos a sensação de “não vida” gerada pela insistente valorização do comprar e pela desvalorização das coisas simples que valem tanto.

Quando livres do assédio consumista, as crianças vivem intensamente cada segundo. Seja pesquisando a profundidade de um furo na parede, seguindo pacientemente um caracol ou construindo um brinquedo, elas vão se preenchendo de dados, de experiências e de pequenos prazeres que um dia somarão muitos, dando-lhes uma percepção mais nítida de quanto tempo vivido têm dentro de si. Cada minuto tem seu significado e cada lembrança conta para ajudar alguém a crescer construindo uma história e experimentando uma felicidade nem falsa nem eufórica, mas uma felicidade simples, mansa e continua como o correr de um rio. (#Envolverde)

* Maria Helena Masquetti é graduada em Psicologia e Comunicação Social, possui especialização em Psicoterapia Breve e realiza atendimento clínico em consultório desde 1993. Exerceu a função de redatora publicitária durante 12 anos e hoje é psicóloga do Instituto Alana.