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Promessas de escolas gratuitas desaparecem no Haiti

Estudantes em uma escola pública de Croix-des-Bouquets, no Haiti. Foto: Haiti Grassroots Watch/Marc Schindler Saint Val

 

Porto Príncipe, Haiti, 21/2/2013 (IPS/Haiti Grassroots Watch) – Desde que foi eleito 2011, o presidente do Haiti, Michel Martelly, invoca seu programa de “escolas gratuitas” como um dos principais eixos de seu governo. “Uma vitória para os estudantes”, se lê nos cartazes. O Programa de Educação Universal Gratuita e Obrigatória (Psugo) custa US$ 43 milhões ao ano e pretende que um milhão de haitianos se matriculem anualmente nas escolas e estudem durante cinco anos.

Uma pesquisa realizada durante dois meses pela organização Haiti Grassroots Watch (HGW) em Porto Príncipe e Léogâne concluiu que havia mais meninos e meninas nas escolas, mas também descobriu uma longa lista de promessas não cumpridas, inadequados níveis de financiamento, atraso nos pagamentos e até suspeitas de corrupção.

“Na minha opinião, o Psugo é um fracasso”, afirmou Jean Clauvin Joly, diretor do Centre Culturel du Divin Roi, uma escola privada localizada em Croix-des-Bouquets, cerca de 15 quilômetros ao norte da capital. “No ano passado, sofremos com esse programa. Uma das muitas coisas terríveis que nos aconteceram foi que nos pagaram tarde. Por culpa do atraso, muitos de nossos professores se demitiram”, acrescentou.

Na escola de Joly, os alunos de primeiro e segundo graus compartilham a sala e a professora: Francie Déogène. Uma fina chapa, que também serve como quadro-negro, separa sua classe das demais. Dérogène não tem uma sala particular. Empilha tudo sobre uma cadeira de plástico. Diante dela, em quatro bancos, dez alunos repetem em uníssono: “Uma pinha, um melão…”. Esta é uma aula de escrita.

Na campanha para as eleições presidenciais de 2011, a escola gratuita foi o leitmotiv do cantor travestido de candidato Joseph Michel Martelly. Mas no Haiti a garantia de uma educação livre de custos não é apenas a promessa de um político, mas principalmente uma obrigação. Segundo a Constituição, o Estado “garante o direito à educação… sem custo”.

O Psugo pretende manter essa promessa pagando escola para crianças no primário: cerca de US$ 6 para os de escolas públicas e aproximadamente US$ 90 para os de escolas particulares. No Haiti, pouco mais de 80% das escolas são privadas. O Psugo prevê inaugurar novas escolas e garantir que os estudantes tenham livros e outros materiais, bem como que os professores estejam adequadamente capacitados.

O governo afirma que, graças a esse programa, este ano há quase 1,3 milhão a mais de estudantes nas escolas. O número é impactante, considerando que o Haiti tem apenas cerca de 3,5 milhões de habitantes com menos de 15 anos. A HGW não conseguiu confirmar esse número e tem motivos para duvidar deles. A HGW não teve acesso ao orçamento do Psugo, nem pôde visitar as dez mil escolas supostamente inscritas no programa.

Porém, jornalistas visitaram 20 desses estabelecimentos, na maioria dos quais trabalham professores que não escondem seu descontentamento ou frustração. Jean Marie Monfils, professor e diretor de uma escola em Léogâne, cerca de 30 quilômetros a oeste de Porto Príncipe, fica indignado com as falsas promessas do programa. “Falaram sobre uniforme, almoço quente e outras coisas. Mas não recebemos praticamente nada. Somos os esquecidos de Léogãne”, denunciou.

A experiência de Monfils não é única. Hercule André, de aproximadamente 50 anos, que dirige uma escola pública em Darbonne, nos arredores de Léogâne, elogia a iniciativa, mas apontou que “o único benefício que os estudantes recebem é não pagar nada. Fora isso, mais nada. Os alunos vão à escola, mas não têm os livros prometidos para estudar”.

A pesquisa da HGW na capital e na área de Léogâne revelou que apenas duas das 20 escolas visitadas receberam os livros e demais materiais. Desde o final de novembro de 2010 (dez semanas depois de terem começado as aulas), apenas uma das 20 escolas informaram ter recebido pelo atual ano letivo, e 16 delas afirmaram que ainda não receberam o pagamento final referente ao ano passado.

“Nem mesmo posso dizer se somos partes do programa, ou não”, admite Monfils. “Até agora não recebemos nada das autoridades. Realmente, é um problema enorme, porque muitas das escolas que aderiram ao Psugo nem mesmo receberam o que lhes correspondia pelo ano escolar 2011-2012.

A Confederação Nacional de Educadores e Educadoras Haitiana (CNEH) confirma isto. “O fato de o governo não ter desembolsado o dinheiro a tempo é um grande problema para os diretores de escolas, que não podem pagar seus professores”, afirmou Edith Délourdes Delouis, professora e secretária-geral da CNEH.

Aparentemente, o governo tampouco pode supervisionar os novos professores no nível em que se propôs. Apesar do anúncio de que o período 2012-2013 experimentaria “um giro para a qualidade” com mais controles, os diretores das escolas visitadas pela HGW disseram que praticamente não podem fazer o que querem. Das 20 escolas, 25% não receberam uma única visita, e 24% receberam apenas uma.

Talvez por ser tão amplo e possuir orçamento muito elevado, o Psugo parece ter atraído fraudadores. Em julho de 2012, um funcionário do Ministério da Educação Nacional e Formação Profissional (MENFP) em Port-de-Paix supostamente roubou US$ 119 mil. Segundo a imprensa, ele usou um grupo de homens jovens como falsos diretores de escolas e lhes entregou cheques com valores entre US$ 4.760 e US$ 7.140. O funcionário envolvido fugiu para a República Dominicana.

A HGW não tem como investigar uma potencial fraude do Psugo em âmbito nacional, ou mesmo na capital. Porém, jornalistas descobriram na lista do MENFP o nome de uma escola que é apontada como tendo recebido pagamentos, embora nunca tenha funcionado. “Breve, o Justin Lhérisson College”, anuncia um pequeno cartaz empoeirado na estrada de Darbonne, perto de Léogâne. “Esse foi um projeto criado por um dos prefeitos locais quando foi candidato que, após ser eleito, o abandonou”, contou um morador.

No ano passado, um estudo da Civil Society Initiative concluiu que o programa criara várias “escolas fantasmas”. E “descobrimos que um terço ou um quarto das escolas que recebiam pagamentos do governo nem mesmo tinham sido aprovadas oficialmente”, afirmou à HGW o diretor dessa organização, Rosny Desroches, ex-ministro da Educação.

Em outra escola que recebe tanto dinheiro do Psugo quanto ajuda estrangeira, já é quase meio-dia. Sob o sol abrasador, dezenas de estudantes se concentram em seu trabalho. A escola nacional Charlotin Marcadieu foi destruída no terremoto de 2010 e atualmente funciona em dez barracas de campanhas dispostas em três filas. O cascalho range sob os pés dos alunos. Antes de ir para sua aula, um dos professores disse, com amargura: “Depois das 10h da manhã, estas barracas são como fornos”. Envolverde/IPS

* A Haiti Grassroots Watch é uma associação entre AlterPresse, Sociedade de Animação e Comunicação Social (Saks), Rede de Mulheres de Rádios Comunitárias (Refraka), rádios comunitárias e estudantes do Laboratório de Jornalismo da Universidade do Estado do Haiti.