Arquivo

Procura-se mercenários para a ONU

A ONU aumentou em 73% a contratação de serviços privados de segurança entre 2009 e 2010. Foto: UN Photo/Devra Berkowitz

 

Nações Unidas, 16/7/2012 – A Organização das Nações Unidas (ONU) contrata cada vez mais empresas privadas de segurança e militares para suas operações pelo mundo, o que desperta dúvidas sobre sua responsabilidade, bem como temores de que ocorram violações dos direitos humanos. Apenas entre 2009 e 2011, a ONU aumentou em 73% a contratação de serviços privados de segurança, passando de US$ 44 milhões para US$ 76 milhões, segundo um informe do independente Global Policy Forum (GPF).

Entre outros serviços, estas empresas oferecem à ONU guardas armados, segurança para comboios, avaliação de riscos e treinamento. Em missões específicas no terreno aumentam as contratações, informou a autora do informe, Lou Pingeot, coordenadora de programas do GPF. “Quando se analisa o período de 2006 a 2011, a participação de companhias privadas de segurança e militares em missões no terreno aumentou 250%”, indicou Pingeot à IPS.

O informe, intitulado Associação Perigosa, apresentado na semana passada em Nova York, se baseia em uma extensa pesquisa de Pingeot sobre os planos anuais de aquisições das agências da ONU, bem como em entrevistas oficiais e extraoficiais com funcionários do fórum mundial. O estudo constata aumento na contratação privada por parte das Nações Unidas desde a década de 1990, começando com as missões de manutenção da paz nos Bálcãs, em Serra Leoa e na Somália.

A preocupação da ONU em salvaguardar suas instalações aumentou depois dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, em Nova York e Washington, e do ataque contra a Missão de Assistência no Iraque, em 2004. No ano seguinte foi criado o Departamento de Segurança e Proteção da ONU. Embora Pingeot reconheça que a informação à qual teve acesso não é completa, esta serve para ilustrar a direção que as Nações Unidas estão tomando, algo que preocupa muitos dos funcionários que entrevistou, embora não estejam dispostos a afirmar isso publicamente.

Um motivo de preocupação é a ausência de parâmetros e marcos que governem a tarefa dos contratados, sobretudo em zonas de conflito. Outra preocupação é o possível choque entre os valores da ONU e os dos mercenários. Estes exibem uma “cultura da superioridade” e uma “propensão ao uso da violência”, segundo o informe, que também analisou os despachos diplomáticos que vazaram e foram divulgados pelo WikiLeakes, bem como a cobertura dos meios de comunicação sobre essas empresas.

Embora a discussão sobre o tema dentro da ONU seja mínima, um informe da Secretaria Geral, de 2002, sobre as práticas de contratação, já reconhecia que estas “poderiam comprometer a segurança e a proteção do pessoal da ONU”, e pedia às agências para substituírem as firmas privadas por pessoal próprio. Entre as empresas contratadas ultimamente se destaca a norte-americana DynCorp, que se viu envolvida em um escândalo de tráfico sexual durante a missão da ONU na Bósnia nos anos 1990, um caso que inspirou o filme The Whistyleblower (A Verdade Oculta), de 2010.

A companhia também fez vários voos encobertos dentro do programa de “entregas extraordinárias” dos Estados Unidos, pelo qual esse país sequestra suspeitos de terrorismo e os interroga em prisões secretas localizadas em diferentes partes do mundo. Isto foi revelado durante uma disputa judicial entre a DynCorp e outra companhia privada, informada originalmente pela agência Associated Press.

Outra importante empresa que trabalha para a ONU é a gigante britânica de segurança G4S, que fechou um contrato de US$ 14 milhões para a remoção de minas, e, por outro lado, fornece serviços de segurança aos militares dos Estados Unidos no Iraque. Essa empresa foi investigada na Grã-Bretanha por seu tratamento aos imigrantes em vários centros de detenção de ilegais que estão sob sua administração. Agora, se candidata para operar serviços policiais em dois condados desse país.

O principal argumento para usar contratados privados é que se economiza dinheiro. Estados Unidos e Grã-Bretanha são os países que mais promovem a terceirização. Pingeot disse que em seus dois anos, aproximadamente, de pesquisa não conseguiu encontrar dados comparativos sérios sobre os benefícios financeiros da contratação. Além disso, a prática de entregar contratos sem licitação reduz qualquer benefício financeiro que a competição de preços pudesse trazer.

“Para mim, o resultado mais surpreendente do informe é como a ONU, por mais de 20 anos, evita a discussão do assunto”, disse à IPS o diretor-executivo do GPF, James Paul. “Como pode, ano após ano, apresentar informes e falar da segurança do pessoal da ONU e não mencionar isto? O rei está nu”, afirmou. Um aspecto que impede uma discussão real é a influência de dois grandes atores dentro da ONU: Estados Unidos e Grã-Bretanha, importantes clientes dessas empresas.

A indústria aproveita a proximidade com esses dois governos para garantir apoio na obtenção de contratos com as Nações Unidas, que não são os mais lucrativos, mas dão prestígio às empresas, segundo a pesquisa de Pingeot. A estreita relação entre os Estados-membros e os contratados privados faz com que estes últimos tenham influência nas políticas da ONU e nas dos países, onde geram uma “necessidade” maior de segurança. “É uma autoperpetuação da indústria”, alertou a pesquisadora.

Consultado sobre o informe, o porta-voz do secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, divulgou um comunicado no dia 10, dizendo que o sistema da ONU trabalha no rascunho de um contexto de responsabilidade para as companhias de segurança privadas. “Naturalmente os pressionamos”, contou Pingeot, para quem o rascunho está sobre a mesa há dois anos sem nenhum avanço. “Contudo, ainda vai demorar alguns anos para essas diretrizes serem aprovadas”, observou. A resposta da Secretaria Geral não responde ao assunto central do informe, que pede uma “ampla revisão da relação da ONU e de seus contratos com todas essas organizações, não apenas com as que fornecem segurança”, ressaltou. Envolverde/IPS