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Polônia usa a Ucrânia para impulsionar o carvão

Ambientalistas protestam contra o carvão diante do Ministério da Economia da Polônia. Foto: Claudia Ciobanu/IPS
Ambientalistas protestam contra o carvão diante do Ministério da Economia da Polônia. Foto: Claudia Ciobanu/IPS

 

Varsóvia, Polônia, 23/4/2014 – O primeiro-ministro da Polônia, Donald Tusk, propôs uma “união estratégica” dentro da União Europeia (UE) como resposta do bloco à crise da Ucrânia, mas seu plano pode ser um cavalo de Troia a favor dos combustíveis fósseis. Pela proximidade geográfica e pelos profundos vínculos históricos entre Polônia e Ucrânia, o governo de centro-direita de Tusk assumiu uma posição relevante nas tentativas de aliviar a crise ucraniana.

O ministro das Relações Exteriores, Radoslaw Sikorski, participou ativamente das negociações de fevereiro entre os líderes opositores do Euromaidan, como são conhecidos os protestos a favor da UE registrados em novembro em Kiev, e o então presidente ucraniano, Viktor Yanukovych, deposto no dia 22 daquele mês. O protagonismo do governo polonês na crise lhe rende créditos eleitorais. Em uma pesquisa realizada no começo de abril pela TNS Polska, a governante Plataforma Cívica liderou as preferências dos entrevistados, desbancando pela primeira vez em anos o Partido de Paz e Justiça, do ex-primeiro-ministro Jaroslaw Kaczynski (2006-2007).

 

“Não só a Plataforma Cívica volta a liderar, como também há mais poloneses dispostos a votar e a fazê-lo no governo”, pontuou à IPS o analista Lukasz Lipinski, do grupo de especialistas Polityka Insight, de Varsóvia. Como resultado, na campanha para as eleições legislativas da UE de 25 de maio, “todos os partidos opositores querem agora privilegiar o debate sobre assuntos internos, porque assim é muito mais fácil criticar a Plataforma Cívica após seis anos no poder”, acrescentou.

Mas o governo insiste no tema da Ucrânia e, no final de março, o primeiro-ministro propôs uma união energética europeia que torne o continente resistente a crises como o conflito entre Rússia e Ucrânia pela península da Crimeia. “A experiência da invasão russa da Ucrânia nas últimas semanas mostra que a Europa deve caminhar para a solidariedade em matéria de energia”, disse o primeiro-ministro em Tychy, cidade da região da Silésia, produtora de carvão.

Tusk propôs seis dimensões da “união energética”: criação de um mecanismo efetivo de solidariedade em relação ao gás em caso de crise de fornecimento, financiamento com fundos da UE para uma infraestrutura que garanta a solidariedade energética, em particular no leste do bloco, compra coletiva de energia, reabilitação do carvão como fonte, extração de gás de xisto e diversificação radical do fornecimento de gás à UE.

“É muito decepcionante a total ausência de medidas de eficiência energética nessa visão, embora esse ponto tenha sido crucial nas conclusões do Conselho Europeu sobre a Crimeia, apresentadas em março”, apontou à IPS Julia Michalak, encarregada de políticas climáticas da UE na não governamental coalizão Climate Action Network Europe. “Se a crise na Crimeia não conseguiu fazer o governo entender que a eficiência é a maneira mais fácil e mais barata de conseguir uma real segurança energética para a Europa, não sei o que conseguirá”, ressaltou.

Embora algumas das medidas propostas por Tusk possam conduzir a uma maior cooperação europeia, reclamar protagonismo para o carvão e o gás de xisto é principalmente um assunto polonês. No momento, a UE não tem políticas comuns vinculantes sobre o gás de xisto. Vários Estados membros, como França e Bulgária, inclusive têm sua exploração proibida. E os objetivos climáticos do bloco no longo prazo, principalmente a meta de descarbonização até 2050, tornam improvável que o carvão ressuscite.

Segundo Michalak, o carvão e o gás de xisto são elementos dirigidos ao público interno, que deseja que seu governo jogue duro no cenário internacional, e, por outro lado, serve de ferramenta de negociação para obter alguns créditos específicos em Bruxelas. O governo de Tusk fez esforços hercúleos para convencer empresas estrangeiras interessadas no gás de xisto a investirem na Polônia. Isto incluiu destituir em novembro o ministro do Meio Ambiente, Marcin Korolec, durante a 19ª Conferência das Partes (COP 19) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, por não estar suficientemente a favor desse combustível.

Apesar disso, este mês, a francesa Total se converteu na quarta transnacional a anunciar o abandono das explorações no país, pois o gás de xisto resulta mais caro nesse território do que se acreditava. O consenso nacional polonês sobre o carvão também começa a apresentar rachas. Quase 90% da eletricidade usada na Polônia procede do carvão, e a estratégia governamental prevê um papel crucial para este mineral até 2060.

O governo de Tusk tentou sem sucesso boicotar a adoção de metas de descarbonização pela UE, por isso no momento não está claro como conciliará os compromissos com o bloco e uma economia dependente do carvão. No ano passado, o presidente da empresa de estatal de energia PGE renunciou, argumentando que uma expansão de 1.800 megawatts (MW) da central de carvão de Opole não é rentável. De todo modo, o governo decidiu seguir com os planos de ampliação.

Apesar da percepção generalizada na Polônia de que o carvão é uma forma barata de energia, este mês os principais jornais, incluindo o conservador Rzeczpospolita, aderiram ao debate sobre os fatores externos que afetam o carvão, devido a um informe do Instituto de Varsóvia para os Estudos Econômicos. O documento mostra que, entre 1990 e 2012, os subsídios poloneses ao carvão somaram 40 bilhões de euros (US$ 55,216 bilhões).

Em 2013, uma série de instituições financeiras internacionais, entre elas Banco Mundial e Banco Europeu de Investimentos, anunciaram restrições significativas ao financiamento do carvão. Segundo os novos critérios, emprestar fundos à indústria polonesa do carvão será impossível para essas instituições. A Polônia também tem que implantar a Diretriz de Emissões Industriais da UE, que reclama padrões de contaminação mais rígidos em unidades de produção de energia a partir de 2016, ou o fechamento das usinas que não os cumprirem.

É potencialmente nesse espaço que se poderá ver alguns dos benefícios do jogo duro de Varsóvia em matéria de carvão. Em fevereiro, a Comissão Europeia, órgão executivo da UE, permitiu à Polônia exonerar 73 de suas unidades produtoras de energia dos requisitos da Diretriz, incluindo duas velhas unidades da geradora de Belchatow, a maior de seu tipo na Europa (5.298 MW) e também a principal emissora de dióxido de carbono.

Além disso, este mês soube-se que a Polônia busca usar fundos regionais do orçamento da UE 2014-2020, destinados a abordar a contaminação aérea urbana, para financiar a modernização dos maiores produtores internos de carvão e gás, públicos e privados. Envolverde/IPS