Para infectologistas, mudanças na grade curricular dos cursos de Medicina não resolvem o problema da falta de médicos

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Anunciado pelo governo federal no início da semana, o do Programa Mais Médicos estabelece que os alunos que ingressarem nos cursos de medicina a partir de 2015 terão que atuar dois anos no Sistema Único de Saúde (SUS) para receber o diploma. A medida é válida para faculdades públicas e privadas. Os infectologistas que atendem pacientes com HIV/Aids ouvidos pela Agência de Notícias da Aids são contra a medida e acreditam que ela não resolve o problema da falta de médicos no país.

Professor da USP, o infectologista Esper Kallás acredita que a medida “tapa o sol com a peneira” e desloca o problema da falta de médicos no país colocando a culpa nos médicos. “O que acontece é que não há uma estrutura adequada para atender a população fora dos grandes centros. Os médicos têm que receber incentivos, e não serem obrigados”, disse.

No que diz respeito ao atendimento das pessoas com HIV/Aids, Kallás acredita que os médicos que estão saindo da faculdade ainda não têm condições técnicas de prestar um atendimento para pessoas com o vírus. Para ele é necessário um treinamento anterior, em clínica médica ou em infectologia.

Já Jean Carlo Gorinchteyn, infectologista do Emílio Ribas e professor da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) acha necessário o contato do aluno de medicina com o paciente desde o primeiro ano. “Hoje, tende-se a colocar o aluno em contato com o paciente tardiamente, por volta do quinto e sexto anos de curso. Acredito que o ideal é fazer esse contato mais precoce, com algumas orientações já a partir do primeiro ano, e manter os seis anos da graduação. Com esse início mais precoce, também se deve reforçar a questão da humanização do atendimento”, explica ele.

Para Jean, desta maneira, o aluno teria nos seis anos de curso muito mais oportunidade de contato com o paciente e isso formaria grandes médicos generalistas.

Marinella Della Negra, também infectologista do Emílio Ribas, também acha que a medida desloca a culpa para a classe médica. “Não é problema de falta de médico, é problema de falta de estrutura. A impressão que dá é que isso não foi decidido por um médico”, diz ela.

A infectologista acredita que os dois anos obrigatórios prejudicam a especialização do médico, que é adiada. “Eu sou a favor do médico que vem de instituição pública trabalhar na rede pública, mas esse debate precisa ser mais sério”, defende. “Será que um médico do interior que trabalhe em grandes centros não voltaria para trabalhar em sua região se tivesse incentivos? A questão é que não tem”, acrescenta.

Para Marinella, as mudanças prejudicam os médicos, que perdem a chance de se especializar, e a população, que é atendida por médicos que ainda não estão preparados para isso.

Mais sobre o programa Mais Médicos

O programa Mais Médicos estabelece também que os estudantes irão trabalhar na atenção básica e nos serviços de urgência e emergência da rede pública. Eles vão receber uma remuneração do governo federal e terão uma autorização temporária para exercer a medicina, além de continuarem vinculados às universidades. Os últimos dois anos do curso, de atuação no SUS, poderão contar para residência médica ou como pós-graduação, caso o médico escolha se especializar em uma área de atenção básica.

Com a mudança nos currículos, a estimativa é a entrada de 20,5 mil médicos na atenção básica. Segundo o Ministro da Educação, a mudança será sentida a partir de 2022, quando estes médicos estiverem formados. Também está previsto o aumento de vagas nos cursos de medicina, tanto em instituições públicas como privadas.

* Publicado originalmente no site Agência Aids.