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Os pobres definham sob o sol abrasador do Sri Lanka

Camponeses se preparam para cavar um poço manualmente, na aldeia de Tunukkai, atingida pela seca, no distrito de Mullaithivu, no Sri Lanka. Foto: Amantha Perera/IPS
Camponeses se preparam para cavar um poço manualmente, na aldeia de Tunukkai, atingida pela seca, no distrito de Mullaithivu, no Sri Lanka. Foto: Amantha Perera/IPS

 

Colombo, Sri Lanka, 20/10/2014 – A última vez que os caminhos da aldeia ficaram lamacentos foi há um ano, contou Murugesu Mohanabavan, um agricultor de Karachchi, 300 quilômetros ao norte da capital do Sri Lanka, em um testemunho da forte seca que sofre este país insular. Dados da unidade de gestão de desastre da Secretaria do distrito de Kilinochchi, onde fica a aldeia de Mohanabavan, revelam que, desde novembro de 2013, não chove o suficiente – caiu menos de 30% das precipitações previstas.

O Sri Lanka atravessa uma das piores secas de que se tem lembrança, que já afetou 1,6 milhão de pessoas e reduziu a produção agrícola em 42%, segundo fontes oficiais. Aproximadamente 900 mil pessoas afetadas pela seca vivem nas províncias Norte e Leste, tradicionalmente as mais pobres, dependem da agricultura e carecem de mecanismos ou infraestrutura para enfrentar o impacto dos desastres naturais.

Dos 120 mil habitantes do distrito de Kilinochchi, 74 mil sofrem o impacto da seca. No vizinho Mullaithivu, 56 mil dos pouco mais de cem mil residentes estão nessa situação. A vasta maioria dos habitantes desses distritos retornaram após os 26 anos de guerra civil, que terminou em maio de 2009.

Refugiados e evitando cair no fogo cruzado dos cruentos combates que caracterizaram os últimos enfrentamentos entre as forças do governo e as dos insurgentes e desaparecidos Tigres para a Libertação da Pátria Tâmil Ealam (LTTE), os que regressaram começaram a chegar às aldeias devastadas no final de 2010. O plano de desenvolvimento de infraestrutura de US$ 3 bilhões para a província Norte não trouxe consigo a redução da pobreza na região.

Neste país de 20 milhões de habitantes, 6,7% da população vive na pobreza, mas nos grandes distritos do norte e leste a proporção é pior: 28,8% em Mullaithivu, 12,7% em Kilinochchi, 8,3% em Jaffna e 20,1% em Mannar. Os números são desproporcionalmente altos se comparados como 1,4% registrado em Colombo, e 2,1% em Gampaha, ambos na província Ocidental.

“Os distritos do Norte já sofriam altos níveis de pobreza, o que seguramente se agravou pela prolongada seca”, apontou Muttukrishna Saravananthan, encarregado do Instituto de Desenvolvimento Point Pedro, com sede em Jaffna. Mohanabavan, de 40 anos, tem 0,8 hectare que lhe rendia cerca de 200 mil rúpias (US$ 1,5 mil) ao ano, mas a seca o deixou endividado. “Não nos restam economias. Ainda tenho que terminar de construir metade da minha casa e mandar meus dois filhos para a escola. O pesadelo continua”, lamentou.

A agricultura representa 10% do produto interno bruto do Sri Lanka, nas províncias majoritariamente rurais do norte e leste pelo menos 30% da população depende da agricultura para viver.

Kugadasan Sumanadas, secretário de gestão de desastre da Secretaria do Distrito de Kilinochchi, declarou que, desde meados do ano, foram implantados programas para ajudar as populações nas áreas com seca. Cerca de 37 mil recebem água potável diariamente de caminhões-pipa. Além disso, há programas que pagam 800 rúpias (US$ 6,00) por pessoa ao dia por seu trabalho na renovação das tubulações de água e irrigação.

Porém, mesmo para realizar o limitado trabalho que é realizado agora, seria necessário destinar nove milhões de rúpias por semana, mas o dinheiro chega lentamente. “O maior problema é que, se não chover logo, teremos de buscar água fora da província, mais pessoas vão precisar de assistência por mais tempo, ou seja, será necessário mais dinheiro”, destacou Sumanadas.

Em abril, uma avaliação conjunta do Programa Mundial de Alimentos e do governo alertou que metade da população do distrito de Mullaithivu e uma em cada três pessoas em Kilinochchi careciam de segurança alimentar. E, segundo Sumanadas, a situação poderá piorar nos próximos meses.

A produção agrícola diminuiu 42% este ano em comparação com 2013. O cultivo de arroz caiu 17% com relação às quatro milhões de toneladas do ano anterior. O governo decidiu levantar a proibição das importações de arroz nesse mesmo mês. Assim, a previsão é cobrir pelo menos 5% das colheitas perdidas.

A principal fonte de água no distrito, o extenso reservatório Iranamadu, de 50 quilômetros quadrados com capacidade para irrigar quase 43 hectares, é uma gigantesca bacia de terra, segundo fontes oficiais, uma situação que não é exclusiva do norte e leste do país. “O nível de todos os reservatórios de água caiu 30%”, pontuou à IPS Ivan de Silva, secretário do ministro de Irrigação e Gestão de Água.

Segundo Silva, a magnitude do impacto da seca se deve a dois fatores: maior frequência de eventos climáticos extremos e falta de uma adequada gestão dos recursos hídricos. “Antes se esperava por secas severas a cada dez ou 15 anos, agora é ano sim, ano não”, ressaltou. A seca anterior, de 2012, semelhante à atual, também teve impacto em cerca de dois milhões de pessoas e reduziu sua produção agrícola em 20% com relação ao ano anterior. No entanto, tudo terminou com as inundações trazidas pelo furacão Nilam no final daquele ano.

Este país se dá conta lentamente de que a variabilidade climática exige uma gestão hídrica melhor. Na última semana de setembro, o governo lançou um programa de resiliência climática de US$ 100 milhões, dos quais destinará a maior parte, US$ 90 milhões, à melhoria da infraestrutura. Desse valor, US$ 47 milhões serão destinados a melhorar as redes de drenagem e os sistemas de água, US$ 36 milhões para reforçar as estradas e US$ 7 milhões para melhorar a segurança escolar em áreas propensas a desastres ambientais. Também haverá investimento para estudar as bacias dos nove rios principais para melhorar as políticas de gestão.

S M Mohammed, secretária do Ministério de Gestão de Desastres, reconhece que os níveis de prevenção não estiveram à altura do desafio no lançamento do programa ao afirmar que “nosso país deve passar de uma tradição de responder aos desastres naturais para uma cultura de resiliência”. Se essa política for implantada, haverá resultados na vida de milhões de pessoas que lentamente são cozidos sob o sol abrasador. Envolverde/IPS