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 ‘Quem foi que tacou fogo aqui?’

No primeiro semestre deste ano, foram registradas 6.574 ocorrências, um aumento de 32% em relação ao mesmo período de 2015.
No primeiro semestre deste ano, foram registradas 6.574 ocorrências no estado do Mato Grosso, um aumento de 32% em relação ao mesmo período de 2015.

Por Juan Piva*

Além de afetar a terra, o fogo deteriora a qualidade do ar, levando até ao fechamento de aeroportos por falta de visibilidade (devido à fumaça), reduz a biodiversidade e prejudica a saúde humana.

 

Chegando à academia, deparei-me com uma cena que me deixou mais animado para o treino: uma senhora juntava as folhas das árvores que sombreavam a rua. Seu trabalho não se limitava apenas à calçada de sua casa, mas por onde houvesse necessidade de varrição – a limpeza de vias públicas é uma responsabilidade do município, que, geralmente, terceiriza o serviço.

Passados os habituais 15 minutos de esteira, como aquecimento, fui mandar a primeira série de supino, ainda ofegante pela corrida. Perto das 16h, quando me preparava para os exercícios do segundo músculo do dia, uma nuvem de fumaça tomou a sala. Mesmo sem ar, prender a respiração se fazia necessário. Com ventiladores na potência máxima, janelas e portas abertas, o que mais fazer para ter “ar puro” de volta? Quantos xingamentos não se ouviam lá dentro: “quem foi o … que tacou fogo aqui?” e “por que não queima o …?” eram as frases mais repetidas. Treino encerrado, por motivo de força maior.

Na rua, constato que os 11 montes feitos pela senhora – antes motivo de orgulho para mim – causaram a revolta de quase todos que estavam por ali, inalando a fumaça que vinham deles. E fui embora refletindo sobre minha alegria da chegada até a tristeza da saída da academia; do elogio ao voluntariado socioambiental à atividade ecologicamente incorreta, em questão de minutos.

E achei as respostas para boa parte das minhas dúvidas num artigo do pesquisador Mauro Leonel sobre a cultura do uso do fogo. Para ele, a queimada deve ser desmistificada como um legado nocivo dos índios para o país – que a utilizavam no processo de cultivo de seus alimentos – e analisada como prática de limpeza de terrenos introduzida por imigrantes europeus a partir de 1.500. “Ah, então é por isso que meus avós, tios e até o finado pai não hesitavam em fazer fogueira dos resíduos sólidos que não mais lhes serviam nas chácaras?”, pensei, logo após o estudo do texto. Essa característica da descendência italiana também é marcante em meu irmão, 10 anos mais novo, que, assim como a senhorinha, igualmente risca o fósforo sobre qualquer montinho de folhas secas.Queimadas agrícolas

Mato Grosso lidera o ranking nacional de queimadas, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). No primeiro semestre deste ano, foram registradas 6.574 ocorrências no estado, um aumento de 32% em relação ao mesmo período de 2015.

 

Inpe

 

De acordo com a coordenação de Manejo Sustentável dos Sistemas Produtivos da Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo, a queimada causa danos ao solo e aos demais recursos naturais. E faz um alerta: “agosto tem o maior índice de registro de incidências de queimadas no Brasil. Sob o ponto de vista agronômico, o Ministério da Agricultura não recomenda. Ela elimina nutrientes essenciais às plantas, como nitrogênio, potássio e o fósforo. A flora e a fauna são prejudicadas. Além disso, a prática reduz a umidade do solo e acarreta a sua compactação, o que resulta no desencadeamento do processo erosivo e outras formas de degradação da área”.

Ainda segundo a pasta, além de afetar a terra, o fogo deteriora a qualidade do ar, levando até ao fechamento de aeroportos por falta de visibilidade (devido à fumaça), reduz a biodiversidade e prejudica a saúde humana. Ao escapar do controle, atinge o patrimônio público e privado (florestas, cercas, linhas de transmissão e de telefonia, construções, etc.). Também altera a composição química da atmosfera e influe, negativamente, nas mudanças globais, tanto no efeito estufa quanto na redução da camada do ozônio.

Vale ressaltar que a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) apresenta tecnologias alternativas para substituir, com vantagens, o uso do fogo na vegetação: www.preveqmd.cnpm.embrapa.br; e a Defesa Civil deve ser acionada quando há excesso de folhas e galhos quebrados na cidade, como esclareceu uma empresa de limpeza urbana neste link. (#Envolverde)

* Juan Piva é graduado em Jornalismo, com especialização em Educação Ambiental e Políticas Públicas pela Esalq-USP. Iniciou sua trajetória na Comunicação Socioambiental há sete anos, como estagiário da Oscip Barco Escola da Natureza; já como assessor de imprensa dessa organização, passou a apresentar programas de tevê e rádio, com a intenção de democratizar a informação ambiental. Hoje é colaborador da Maestrello Consultoria Linguística, onde dissemina o conhecimento para atender o interesse público, divulgando projetos educulturais e socioambientais. É coautor do livro-reportagem “Voluntariado ambiental: peça importante no quebra-cabeça da sustentabilidade”, promotor do Curso de Empreendedorismo Socioambiental, membro da Câmara Técnica de Educação Ambiental dos Comitês PCJ, jornalista responsável pelo Jornal +Notícias Ambientais e associado-fundador da Associação Mandacaru – Educação para Sustentabilidade.