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Piscicultura anima e desafia amazônicos

Um dos sete tanques que Domingos Mendes tem em sua fazenda de Santa Rita, no Estado brasileiro de Rondônia, cheios de pirarucu, um dos maiores peixes da Amazônia. Foto: Mario Osava/IPS
Um dos sete tanques que Domingos Mendes tem em sua fazenda de Santa Rita, no Estado brasileiro de Rondônia, cheios de pirarucu, um dos maiores peixes da Amazônia. Foto: Mario Osava/IPS

Por Mario Osava, da IPS – 

Santa Rita, Brasil, 6/9/2016 – Domingos Mendes da Silva perdeu a conta de quantos visitantes recebeu em sua fazenda de dez hectares no noroeste do Brasil. “Mais de 500”, estimou. São técnicos em piscicultura, funcionários governamentais, camponeses, jornalistas e outros interessados. A atração é o pirarucu (Arapaima gigas), um dos maiores peixes da Amazônia, que ele cria em sete tanques de lona negra, “dois para reprodução e cinco para engorda”.

Em cada tanque há 500 peixes que estarão prontos para venda em pouco mais de um ano, alcançarem aproximadamente 14 quilos. Em seu habitat podem ultrapassar os cem quilos.“É um peixe que cresce muito rápido, ganha dez quilos por ano, em média. Além disso, do pirarucu se aproveita tudo, a pele, as escamas, até as fezes”, destacou Mendes, que há muitos anos sonhava em ser piscicultor.

A oportunidade chegou com seu assentamento em Santa Rita, uma comunidade agrícola que recebeu 153 famílias deslocadas pela represa de Santo Antônio, uma das duas hidrelétricas construídas no Rio Madeira, o afluente mais caudaloso do Rio Amazonas. Mendes, de 57 anos e antigo garimpeiro, contou à IPS, em sua fazenda, que se converteu em agricultor em 1999, quando “o ouro escasseou”, e foi assentado pelo programa de reforma agrária do governo brasileiro em Joana D’Arc, na margem esquerda do Rio Madeira, a 120 quilômetros de Porto Velho, capital do Estado de Rondônia.

Em seguida foi reassentado em Santa Rita pela empresa concessionária da hidrelétrica, a Santo Antônio Energia (SAE), porque suas terras seriam inundadas. “A terra aqui é pouco fértil, mas existe melhor acesso por estar mais perto da estrada pavimentada e da capital”, apontou Mendes. Sua fazenda fica a cinco quilômetros da BR-364, que cruza o Brasil de sudeste a noroeste, e a 54 quilômetros de Porto Velho.

Essas condições o estimularam a criar pirarucu em tanques de lona de oito metros de diâmetro, que permitem uma produtividade de 50 quilos de peixe por metro cúbico de água, contra apenas um quilo pelos métodos convencionais, segundo a Empresa de Assistência Técnica Rural de Rondônia (Emater-RO), órgão governamental que apoia o projeto.

Domingos Mendes junto a um dos dois tanques onde acumula água residual e fertilizante da criação de pirarucu, que utiliza para regar as hortaliças, árvores frutíferas e palmeiras açaí, que cultiva em uma parte de sua fazenda, em Santa Rita, noroeste do Brasil. Foto: Mario Osava/IPS
Domingos Mendes junto a um dos dois tanques onde acumula água residual e fertilizante da criação de pirarucu, que utiliza para regar as hortaliças, árvores frutíferas e palmeiras açaí, que cultiva em uma parte de sua fazenda, em Santa Rita, noroeste do Brasil. Foto: Mario Osava/IPS

“O sistema é viável, mas dá trabalho, é preciso renovar a água diariamente”, afirmou Mendes. A água servida não contamina o rio porque é usada para irrigar os cultivos da palmeira açaí (Euterpe oleracea), cujo apreciado fruto é consumido localmente e exportado. Seis hectares da fazenda são dedicados ao cultivo de frutas e hortaliças. Apesar dos elogios da Emater-RO e da SAE, o projeto corre o risco de morrer prematuramente. Mendes fica desanimado com a solidão.

A piscicultura com fertirrigação (adubação com a água levando os nutrientes) não somou os participantes esperados nem o apoio estrutural necessários para uma unidade frigorífica e mecanismos de comercialização, queixou-se o produtor. Com 30 piscicultores organizados em uma cooperativa, com previa o plano inicial, se poderia baixar custos e conseguir melhores preços, tornando o negócio mais produtivo e lucrativo,beneficiando a alimentação da população, ressaltou.

Esse é um fator que encarece muito o cultivo do pirarucu, embora tenha um grande consumo no Brasil. Ilce Oliveira, coordenadora de Aquicultura e Pesca da Secretaria de Agricultura de Rondônia (Seagri), apontou à IPS que “o custo de alimentação do pirarucu é muito elevado para um agricultor familiar, e exige subsídios do governo”. Sua alimentação requer 40% de proteína, contra 28% de outras espécies, explicou Mendes, mas isso não impede uma produção rentável pela rapidez da engorda, ressaltou.

A piscicultura é uma prioridade do governo estadual, que prepara um programa para estimular a atividade, especialmente a criação em tanques-rede nas represas das hidrelétricas. A produção aquícola deverá alcançar 80 mil toneladas este ano, segundo a Seagri. Em 2010, era de apenas 12 mil toneladas. Esse volume poderá crescer rapidamente porque, das oito mil propriedades rurais preparadas para a atividade, somente metade está produzindo comercialmente.

Os dois obstáculos de Mendes, a solidão e o custo da alimentação, não afetam a alternativa escolhida pelo Reassentamento Rural Coletivo de Jirau, a outra represa no Rio Madeira, a 120 quilômetros de Porto Velho e cerca de 110 quilômetros rio acima de Santo Antônio. Seu Projeto-Piloto de Geração de Renda combina piscicultura e irrigação de hortas com as águas residuais, mas o peixe escolhido foi o tambaqui, ou pacu-vermelho (Colossomamacropomum), o peixe amazônico mais consumido e provado em cultivos.

 Juliana Oliveira, diante do tanque do Projeto-Piloto do Reassentamento Rural Coletivo de Jirau, dedicado à criação do tambaqui, o peixe amazônico mais consumido no Brasil. A água rica em nitrogênio, pelas fezes dos peixes e por resíduos de alimentos, é usada para irrigar hortas e pomares. Foto: Mario Osava/IPS

Juliana Oliveira, diante do tanque do Projeto-Piloto do Reassentamento Rural Coletivo de Jirau, dedicado à criação do tambaqui, o peixe amazônico mais consumido no Brasil. A água rica em nitrogênio, pelas fezes dos peixes e por resíduos de alimentos, é usada para irrigar hortas e pomares. Foto: Mario Osava/IPS

“É uma espécie local e a que melhor se adaptou à produção nos tanques”, disse Juliana Oliveira, coordenadora de socioeconomia da Energia Sustentável do Brasil (ESBR), o consórcio empresarial que construiu e opera a hidrelétrica de Jirau. Cada um dos quatro tanques escavados em terra produz até cinco toneladas de pescado ao ano, cerca de 2.500 peixes de dois quilos, em média, disse à IPS o agrônomo e analista ambiental da ESBR, Miguel Lins.

Esses criadouros foram construídos em níveis elevados para que seu deságue chegue às hortas pelo efeito da gravidade. Mas essa fertirrigação é pouco frequente, porque a água com fezes e resíduos da alimentação piscícola contém muita amônia, fertilizante que em excesso prejudica as plantações, alertou Oliveira. A experiência, financiada pela empresa, busca comprovar a viabilidade econômica e ambiental da atividade e também convencer e capacitar as 22 famílias que restam no assentamento, organizadas na Associação de Vida Nova. Em 2011, foram reassentadas 35 famílias, mas 13 foram embora.

O projeto, ainda experimental, já proporciona uma pequena renda para essas famílias, com a venda semanal de aproximadamente 400 quilos de pescado nos mercados vizinhos. É pouco quando dividido entre todos, mas logo os tanques se multiplicarão nas áreas familiares de 75 hectares, das quais 60 são reserva florestal. Além disso, diversifica a produção, com hortas, frutas e forragem adequadas ao ecossistema local.

Do projeto participa a Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa), decisiva no desenvolvimento agrícola do Brasil, testando variedades de banana, abacaxi e frutas amazônicas. A ESBR promove a iniciativa, como uma compensação pelos danos ambientais e sociais da represa, que também tem apoio da Cooperativa de Produtores Rurais de Jirau, que reúne 131 famílias deslocadas por causa das represas e reassentadas em outras comunidades próximas.

Uma estrutura assim, associativa, garantindo apoio financeiro, técnico e comercial, talvez seja o que falta ao isolado projeto de Mendes, batizado de Piraçaí, uma união dos nomes pirarucu e açaí. Aumentar sua escala por meios cooperativos e investimentos privados ou públicos, poderia transformá-lo em um bom negócio. Envolverde/IPS