Sociedade

Local ou comunitário, jornalismo prospera

Por Mario Osava, da IPS – 

Quito, Equador e Rio de Janeiro, Brasil, 22/11/2016 – “Sempre quis ser jornalista. O El Chulla é minha oportunidade, aqui me sinto bem e coloco todo meu esforço”, disse Elsa Mejía, a “avó” da equipe de redação do jornal comunitário do centro de Quito.A publicação trimestral é financiada pela municipalidade, mas seu conteúdo é produzido com total independência por 15 voluntários, sendo 13 mulheres, que cobrem os vários bairros do centro histórico da capital equatoriana e arredores.

“É a pessoa que elabora a informação diretamente de seu setor, sustentando a credibilidade da cidadania, porque são notícias contadas pelos moradores”, garantiu à IPS Pilar Guacho, responsável pela edição como comunicadora social da Administração Zona Central da Prefeitura. “A população local se sente identificada com este meio de comunicação redigido pelos moradores e sabe que é verdade o que está escrito”, acrescentou, na sede do jornal.

Parte da equipe do El Chulla,de Quito, incluindo Pilar Guacho (terceira a partir da esquerda), editora do jornal, e Elsa Mejía (quinta a partir da esquerda), a “avó” da redação. Foto: Mario Osava/IPS
Parte da equipe do El Chulla,de Quito, incluindo Pilar Guacho (terceira a partir da esquerda), editora do jornal, e Elsa Mejía (quinta a partir da esquerda), a “avó” da redação. Foto: Mario Osava/IPS

 

O El Chulla leva o nome de um personagem histórico das ruas de Quito, pobre e elegante em seu único traje. É publicado a cada trimestre, mas às vezes com intervalo maior, por atraso nos recursos municipais para a impressão de seus dez mil exemplares, distribuídos gratuitamente. Seu sucesso se mede por sua longevidade em comparação com publicações semelhantes que costumam desaparecer precocemente e pela acolhida popular.

“Na Praça Grande, 200 exemplares acabam em cinco minutos”, segundo Guacho. Não se aumenta a tiragem por falta de dinheiro. O jornal completou 12 anos sobrevivendo a mudanças de prefeitos e de orientações políticas na gestão municipal. “Somos propositivas, informamos sobre boas atividades, festas”, explicou Mejía, de 58 anos, uma das fundadoras do jornal, professora de corte e costura e repórter do bairro Santa Lucia.

Um exemplo foi a reforma da Casa Paroquial do bairro San Marcos, impulsionada pelo jornal. A deterioração da casa, de 1820, não permitia ao padre viver nela “sem risco de o teto cair sobre sua cabeça”, recordou Nancy Solís, repórter da área. A mobilização conseguiu que o Instituto do Patrimônio Cultural assumisse a obra. “A comunidade retirou os escombros em cinco caminhões, e agora o padre vive feliz em sua casa”, destacou.

“Meu bairro construiu uma creche social, os moradores cuidam das crianças voluntariamente, observam e avisam casos suspeitos por rádios de comunicação. Os criminosos deixaram a área e não houve custos para o município”, contou Margarita Valladares, formada em finanças e agora jornalista do bairro Edén del Valle. “Sirvo de exemplo a outras comunidades. Os bairros competem, querem fazer melhor do que o pioneiro”, brincou.

O grupo fundador do periódico, de 30 repórteres, em 2004, ficou reduzido pela metade, mas a informação é fornecida pelos moradores em geral. “O El Chulla conseguiu a participação e apropriação da sociedade”, destacou a editora. “Aprendemos muito, são 12 anos de capacitação constante”, resumiu Susana Vargas, do bairro La Colmena, assistente social. “Estudamos, e agora colocamos em prática”, acrescentou Solís.

“Sentir-se útil”, ter uma segunda família na equipe, se “divertir” viajando, inclusive para o exterior, e festejando cada aniversário do jornal são outras satisfações que a atividade jornalística oferece, segundo essas voluntárias. O jornalismo comunitário ou local é o futuro da comunicação social, acredita Carlos Castilho, veterano jornalista que hoje dirige a redação do brasileiro Observatório da Imprensa, um portal de análise da comunicação.

Um exemplar do El Chulla, periódico trimestral de 16 páginas e tiragem de dez mil exemplares, da capital do Equador, que já completou 12 anos e é um exemplo do crescente jornalismo comunitário ou colaborativo que prospera na América Latina. Foto: Mario Osava/IPS
Um exemplar do El Chulla, periódico trimestral de 16 páginas e tiragem de dez mil exemplares, da capital do Equador, que já completou 12 anos e é um exemplo do crescente jornalismo comunitário ou colaborativo que prospera na América Latina. Foto: Mario Osava/IPS

 

As novas tecnologias digitais e a diversificação do consumo, um giro à uniformização promovida pela globalização econômica, impõem mudanças também ao jornalismo, que “deixa de ser uma atividade comercial-industrial para se converter em componente da produção cultural e de conhecimentos”, afirmou Castilho à IPS. E acrescentou que a notícia se tornou tão abundante na internet que perdeu a força de atrair o público e, em consequência, a publicidade. “Deixa, assim, de ser fundamental como fonte de renda e passa a ser fator de reflexão sobre o futuro individual e coletivo”.

“Quanto mais ampla a circulação de informações locais, maior será a produção de conhecimentos e do chamado capital social”, e nisso está o papel do jornalismo local, pontuou Castilho, pesquisador do tema desde seu doutorado em gestão do conhecimento. No entanto, apontou, a expansão do jornalismo comunitário ou local enfrenta muitos desafios, como definir uma nova relação entre jornalistas e a população local, mais interativa, um modelo de sustentabilidade econômica em um ambiente digital e a formação de “jornalistas amadores ou cidadãos”.

A pujança de periódicos locais é visível na cidade de São Paulo, onde a Associação dos Jornais e Revistas de Bairro de São Paulo (Ajorb) tem 50 filiados e estima que existam cerca de 150 outras publicações semelhantes. Como a cidade tem mais de dois mil bairros, a possibilidade de crescimento é enorme. Destaca-se o Jornal dos Bairros, com edições mensais de 130 mil exemplares que circulam em oito bairros centrais, “o filé do mercado”, que concentra uma população de alta renda, disse à IPS seu diretor de redação, Haroldo Lago.

A imprensa de bairros “sobrevive e cresce por ter baixos custos, com pequenas tiragens e redação e publicidade garantidas por empresas locais”, explicou Lago. “Cada cidadão é um repórter em potencial”, que fornece informações imediatas aos jornais que se dedicam aos fatos e problemas do bairro, como questões de segurança, saúde e transporte, observou. A gráfica do Jornal dos Bairros também imprime 55 jornais de cidades do interior.

Lago só lamenta que grandes empresas, governos e instituições públicas ainda não tenham percebido a maior eficácia da publicidade em meios pequenos e locais, que alcançam diretamente o público desejado. Em Blumenau, cidade industrial de aproximadamente 340 mil habitantes, no Estado de Santa Catarina, pode estar nascendo um modelo e ferramentas digitais para o jornalismo comunitário, ou colaborativo, como prefere chamar Evandro de Assis, um dos sócios do projeto.

A ideia surgiu em fevereiro, quando faliu a empresa de ônibus local, deixando a cidade sem transporte coletivo por oito dias, apesar da contratação de outra companhia pela Prefeitura. Três jornalistas, entre eles Assis, que havia sido editor-chefe do Jornal de Santa Catarina,um grande periódico local, criaram o Coletivo Blumenau, uma rede de informação pelo Facebook para buscar soluções.

“Convidamos os cidadãos a informarem sobre os serviços da nova empresa, quantidade e qualidade dos ônibus, horários. Em alguns dias, 240 pessoas se registraram, aumentando para duas mil em um mês. Foi muito para os três jornalistas e o Facebook se revelou uma ferramenta inadequada”, contou Assis à IPS. O grupo decidiu formar uma empresa, por intermédio de uma incubadora local, para desenvolver um programa de informática que facilitasse a comunicação entre jornalistas e comunidades, e um modelo sustentável de jornalismo participativo.

As fontes de financiamento poderiam ser o crowdfunding (a popular “vaquinha”) e as grandes empresas, que não têm interesse em publicidade local porque seu mercado é nacional, mas se comprometem a melhorar a qualidade de vida local. O projeto se contrapõe à decadência da imprensa tradicional. “O Jornal de Santa Catarina empregava 50 jornalistas há sete anos, hoje são apenas 16”, ressaltou Assis. Envolverde/IPS