Economia

Fracasso econômico e impeachment

“Nunca pensei que teria de voltar à luta contra um golpe de Estado no Brasil”, afirmou Dilma Rousseff após ser afastada de suas funções como presidente, antes de deixar o Palácio do Planalto, e se abraçar ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula
“Nunca pensei que teria de voltar à luta contra um golpe de Estado no Brasil”, afirmou Dilma Rousseff após ser afastada de suas funções como presidente, antes de deixar o Palácio do Planalto, e se abraçar ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula

O Brasil teve até agora dois economistas na Presidência do país e ambos são os únicos afastados do poder em meio a processos de impeachment, cujo pano de fundo, paradoxalmente, foram seus fracassos econômicos.

Por Mario Osava, da IPS – 

Rio de Janeiro, Brasil, 13/5/2016 – Dilma Rousseff, no poder desde janeiro de 2011, foi suspensa de suas funções como presidente, depois que o Senado decidiu na manhã do dia 12, por 55 votos contra 22, submetê-la a um julgamento político que poderá se prolongar por até 180 dias, durante uma interminável sessão de quase 21 horas.

Durante seu afastamento, o vice-presidente, Michel Temer, ocupará o cargo, assumindo a chefia do governo definitivamente até o primeiro dia de 2019 caso Dilma seja destituída ao final do processo, sendo que para isso será necessária maioria de dois terços dos 81 senadores, agora convertidos em juízes, ou seja, 54 votos.Os analistas concordam que é muito improvável que Dilma recupere o poder, depois de sofrer derrotas esmagadoras nos trâmites de aprovação do julgamento pela Câmara dos Deputados, onde 71,5% votaram contra ela, e agora pelo Senado.

Provavelmente se repita o caso anterior, de Fernando Collor de Mello, eleito presidente em 1989 com 40 anos, e inabilitado em 1992, após um processo de apenas quatro meses, baseado em denúncias de corrupção. Mas há muitas diferenças entre os dois casos de impeachment.Dilma não é acusada de corrupção mas de fraudes fiscais para ocultar nos orçamentos a gravidade do déficit público nos últimos anos e conta com um apoio minoritário, mas aguerrido, de alguns partidos de esquerda e movimento sociais capazes de mobilizar protestos de massa.

Michel Temer assina a notificação do Senado sobre o afastamento de Dilma Rousseff de suas funções como presidente, que o converte em presidente interino. Foto: Marcos Corrêa/Vice-Presidência da República
Michel Temer assina a notificação do Senado sobre o afastamento de Dilma Rousseff de suas funções como presidente, que o converte em presidente interino. Foto: Marcos Corrêa/Vice-Presidência da República

Collor caiu totalmente isolado, com poucos votos de deputados e senadores, apoiado por um micropartido criado para formalizar sua candidatura. Seu impeachment foi praticamente de consenso.Mas também há coincidências. Ambos economistas perderam seu piso político pela gestão temerária da economia.

Collor inaugurou seu governo com um medita brutal para conter a superinflação, bloqueou todas as contas bancárias e os investimentos, liberando pequenas somas para gastos familiares essenciais.O produto interno bruto (PIB) de 1990 caiu 4,3% e se multiplicaram o desemprego e a quebra de empresas. O mais jovem presidente eleito no Brasil perdeu de uma vez quase toda a popularidade. Assim foram cimentadas as condições para sua inabilitação ao eclodir um escândalo de corrupção dois anos depois.

Com Dilma a deterioração da economia levou mais tempo. Ficou evidente ao final de seu primeiro mandato (2011-2014) e se transformou em depressão com a queda de 3,8% do PIB em 2015, que se repetiria em 2016, antes de uma ainda incerta recuperação.Subsídios ao consumo, redução de impostos para “estimular” certos setores, contenção artificial de preços de combustíveis e da energia elétrica estão entre as medidas anti-inflacionárias ou pró-crescimento que levaram ao desastre, especialmente na área fiscal.

Collor e Dilma também incubaram suas posteriores defenestrações desde as eleições, quando cometeram o chamado “estelionato eleitoral”, a fraude nas promessas durante a campanha.

O primeiro foi eleito em 1989 acusando seu oponente, o líder operário Luiz Inácio Lula da Silva, que só chegaria ao poder em 2003 pelas mãos do Partido dos Trabalhadores(PT), de preparar o bloqueio dos depósitos bancários, justamente a medida fatal que ele, Collor, adotou em seu primeiro dia como presidente.

Dilma desqualificou seus adversários, durante a campanha para a reeleição em 2014, como promotores de um ajuste fiscal que depois ela mesma tratou de levar adiante ao iniciar seu segundo mandato. Ocultou dificuldades de seu governo e anunciou a ampliação de programas sociais inviáveis pela falta de recursos. Foi um erro que ajudou a engendrar o processo de impeachment, admitiu o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, do PT, em uma entrevista no dia 6 de maio.

A crise econômica ganhou dimensões de tragédia ao surgir o escândalo de corrupção na Petrobras, que já envolveu mais de 200 empresários e políticos, incluindo o ex-presidente Lula e outros dirigentes do PT, contaminando, assim, a imagem do governo, embora Dilma esteja isenta.Esse quadro torna mais eficaz a acusação de que Dilma violou leis de responsabilidade fiscal e do orçamento, ao assinar decretos ampliando gastos governamentais sem autorização e ao obter créditos de bancos estatais, vedados ao governo central.

As duas medidas foram “crimes de responsabilidade” que justificam o impeachment, segundo a Constituição, e teriam agravado o déficit fiscal, o fator principal da crise econômica.O defensor da presidente, o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, e parlamentares oficialistas rechaçaram as acusações, argumentando que os decretos só redistribuem recursos por outros itens e o governo só atrasou pagamentos aos bancos estatais, não configurando as operações de crédito legalmente proibidas.

Um grupo de cansados senadores aplaude ao final da extenuante sessão que decidiu pelo afastamento da presidente Dilma Rousseff de suas funções, enquanto o Senado, convertido em tribunal, estabelece em um julgamento político se há razões para sua quase certa destituição. Foto: Marcos Oliveira/Agência Estado
Um grupo de cansados senadores aplaude ao final da extenuante sessão que decidiu pelo afastamento da presidente Dilma Rousseff de suas funções, enquanto o Senado, convertido em tribunal, estabelece em um julgamento político se há razões para sua quase certa destituição. Foto: Marcos Oliveira/Agência Estado

Dezenas de prefeitos e governadores, além de presidentes anteriores, adotaram medidas idênticas durante suas gestões e não sofreram nenhum processo de impeachment, ressaltou o senador Otto Alencar, do Partido Social Democrático (PSD), cuja maioria votou contra Dilma.

De todo modo, o julgamento é político, a presidente será destituída e ficará inabilitada se dois terços dos senadores julgarem que existem motivos para isso, com independência de argumentos estritamente jurídicos.A batalha pela “admissão” do julgamento, primeiro passo do processo no Senado, obrigou 78 senadores a passarem a noite ouvindo 73 oradores que puderam falar por até 15 minutos, antes da votação. Apenas três senadores estiveram ausentes.

O resultado, que já se sabia que seria desfavorável à presidente, contempla uma indicação crucial para os opositores. Alcançar mais de 54 votos garantiu a maioria de dois terços necessária para condenar a presidente.Porém, não é seguro que os senadores que aprovaram o processo mantenham seus votos no seu desenlace.

Pelo menos três senadores amenizaram seus votos, esclarecendo que só estavam aprovando a realização do julgamento, para que sejam aprofundadas as investigações e discussões sobre as responsabilidades presidenciais, antes de decidir seu voto sobre a destituição. Entre eles estão o ex-jogador Romário, senador pelo Rio de Janeiro, e Cristovam Buarque, ex-governador de Brasília, ambos de partidos socialistas diferentes.

“Haverá luta” e mobilizações para impedir o “injusto” impeachment, afirmaram tanto senadores do PT quanto a própria Dilma, que reiterou sua disposição de resistir “até o último dia” ao que qualifica de golpe institucional contra a democracia.Com a posse de Michel Temer, haverá forte concentração de poder na mãos do centrista PMDB, que tem o maior número de prefeitos, muitos governadores e agora a Presidência, ainda que interina, além da chefia do Senado.

Um grupo de seis senadores de vários partidos defenderam uma alternativa ao “traumático” impeachment, a convocação de eleições extraordinárias para que “o povo eleja seus governantes”.Muitos senadores, como Tasso Jereissati, do Partido da Social Democracia Brasileira(PSDB), e Collor,do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB),defenderam uma reforma política, já que o “presidencialismo de coalizão” atual demonstrou ser fonte de crise e instabilidade. O julgamento de Dilma Rousseff também é uma oportunidade para debater reformas no sistema político. Envolverde/IPS