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Consumindo o que não poderemos repor

 

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Segundo a organização internacional, Global Footprint Network, em 19 de agosto de 2014 a humanidade esgotou os recursos naturais do planeta disponíveis para o ano. Foto: Creative Commons

 

Já não soam hoje como “conversas de ecoterroristas” ou de “ambientalistas radicais” textos em que é discutida a chamada “crise de recursos naturais” ou o consumo desregrado de bens provindos do meio físico. É difícil que não se reconheça a gravidade da situação. Muito menos frequente, entretanto, é a discussão sobre o caminho da exaustão de certos recursos hoje usados em atividades vitais para o ser humano. Mas nos últimos anos algumas vozes conceituadas – como a do professor Ricardo Abramovay, da Faculdade de Economia da USP – alertam para a caminhada rumo à exaustão de certos bens e a gravidade do problema. Eles têm mostrado que hoje o consumo de vários bens físicos já é da ordem de 70 bilhões de toneladas por ano, ou quase 10 toneladas anuais por ser humano – e esses bens não têm como ser repostos, ainda mais que a população cresce.

É o caso, por exemplo, de certos minérios, areias, solos e outros materiais que não terão como ser repostos. O próprio relatório de 2014 do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente chama a atenção para esse uso insustentável de 40 bilhões de toneladas anuais só de areia e cascalho, ou seja, quase 6 toneladas anuais por pessoa. E o Brasil, a China, a Índia e a Turquia estão entre os países mais responsáveis nessa área, pois se incluem entre os principais produtores de cimento no mundo – e por esse caminho são também grandes mineradores de areia, já que cerca de 80% desse material vai para obras (O Globo, 4/1, texto de Flávia Milhorance). Da mesma forma, na construção de rodovias, que exige 30 mil toneladas de areia por quilômetro (uma casa precisa de 20 toneladas).

As consequências disso estão em trechos devastados de litoral, já que as areias de desertos não são consideradas adequadas para essa finalidade. Há também no Brasil áreas como a bacia do Rio Guandu, no Estado do Rio de Janeiro, onde já se encontram crateras resultantes da extração.

Texto veiculado pelo professor Luiz Fernando Badejo Carvalho ([email protected]), mestre em Tecnologia e Administração de Empresas, traz também informações importantes sobre essas áreas entre nós, principalmente na construção. Ele lembra que no País existem quase 7 mil olarias, com forte uso desses insumos – renováveis e não renováveis -, metade pelo menos em fornos a lenha (principalmente no Nordeste). E a média de calorias consumidas para gerar um milheiro de tijolos é de 150 megajoules – ou de 15,5 quilos de madeira incinerados para cada milheiro de tijolos. Como há poucos anos o IBGE estimou uma produção de 63 bilhões de peças pelas olarias – das quais 75% como blocos e tijolos -, a cada ano seriam 47,25 bilhões de peças. Só nos fornos a lenha o uso seria de 368,5 mil toneladas de biomassa por ano – e aí o consumo não seria apenas de materiais que não podem ser repostos, mas também de biomassa de florestas, com 6,7 milhões de árvores “para atender ao suprimento de lenha só para a produção de metade das olarias em funcionamento”.

Diz o trabalho que a construção vertical no Estado de São Paulo, já há alguns anos, absorvia 605 mil metros cúbicos de madeira, 80% descartados após o uso em formas para concreto, andaimes e escoramentos. O volume de madeiras descartadas ou utilizadas apenas uma vez chegaria a 3 milhões de árvores a cada ano, para confecção de formas para concreto, andaimes e escoramentos. No País todo 15,4 milhões anuais de árvores – que, somadas a mais 6 milhões incineradas em olarias, levariam ao total de 392 quilômetros quadrados de florestas derrubadas por ano. E tudo isso ainda se soma ao uso associado com materiais físicos que não podem ser repostos e levam a um impasse civilizatório, como dizem alguns autores.

Lembra o autor do trabalho que há alternativas disponíveis para uso mais racional de recursos, a redução do descarte. Vários caminhos. Mas são veredas muito pouco trilhadas até aqui. Um número citado está nos resíduos sólidos domésticos levados para aterros. Só nas 260 maiores cidades brasileiras, entre 1999 e 2010, eles teriam sido suficientes, reciclados, para a construção de 10 milhões de residências com 100 metros quadrados cada uma.

No final de 2014, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro aprovou em primeira discussão projeto de lei que prevê a isenção do pagamento de ICMS para produtos derivados da reciclagem de resíduos na construção civil. Mas é preciso acrescentar estímulos à substituição de produtos que não podem ser repostos, principalmente areia, cerâmica, minérios e outros.

Outro texto ainda, de Catarina Anderaos (secovi.com.br) menciona estudo com profissionais que atuam em incorporadoras imobiliárias no País. Para 82% deles, “o custo adicional da obra é a principal barreira para que a construção sustentável decole”. E esse custo variaria entre 1,6% e 8,6% em incorporadoras experientes, entre 3,5% e 17,66% “para as sem experiência”. “Edifícios sustentáveis” poderiam economizar 35% do consumo de água e energia elétrica.

Todos esses estudos mostram que precisamos de avanços urgentes, para reduzir o desperdício e a perda de materiais (renováveis e não renováveis), assim como para a implantação de métodos adequados na construção e em outros setores. É ilusório supor que poderemos, aqui e em outros países, continuar trilhando caminhos insustentáveis ou – pior ainda – que levem à exaustão de recursos físicos em várias áreas. Até mesmo porque, se não o fizermos por nossa conta, a isso seremos obrigados pelos países mais ricos, que hoje consomem 80% dos recursos naturais – e nossas balanças comerciais estão fortemente baseadas em produtos primários.

Tudo isso também mostra quanta inovação ainda nos falta nos currículos escolares em todos os níveis. Não apenas para qualificar profissionalmente os alunos. Mas também para promover uma revolução cultural e de vida.

* Washington Novaes é jornalista.

** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.