Internacional

Cenário institucional complexo no Brasil

 A presidente Dilma Rousseff (de costas) abraçada, no dia 18, por uma integrante do minoritário grupo de deputados que votaram contra a abertura do processo de seu impeachment. Foto: Roberto Stuckert/PR

A presidente Dilma Rousseff (de costas) abraçada, no dia 18, por uma integrante do minoritário grupo de deputados que votaram contra a abertura do processo de seu impeachment. Foto: Roberto Stuckert/PR

Por Mario Osava, da IPS  –

Rio de Janeiro, Brasil, 19/4/2016 – A presidente Dilma Rousseff parece, como ela mesma se qualificou há pouco, “uma carta fora do baralho” do poder, diante da esmagadora derrota sofrida no dia 17 na Câmara dos Deputados. Mas é tão complexo o enredo da crise política no Brasil, que seu desenlace segue incerto.O processo para sua destituição, o impeachment, foi aprovado por 367 deputados, 71,5% do total ou 25 a mais do que o necessário para autorizar seu julgamento político pelo Senado.

Como a correlação de forças nessa casa é semelhante à da Câmara, aparentemente o destino da presidente está selado.Porém, vive-se no Brasil um tempo que semeia surpresas quase semanais desde o ano passado. E o julgamento pode se prolongar por mais de seis meses, cumprindo várias etapas e ritos, sob tempestades como o escândalo de corrupção que ameaça mais de 300 políticos.

Levada ao Senado ontem, dia 18, a resolução dos deputados que aprova o processo de impeachment pedido por três juristas por supostas irregularidades orçamentárias, os senadores terão cerca de três semanas para deliberar se aprovam ou não o julgamento da presidente.Essa decisão exige apenas maioria simples, de 41 dos 81 senadores, por isso se dá como certo que Dilma será processada. A votação se baseará em uma avaliação feita por uma comissão composta por 21 senadores, que terão dez dias úteis para concluir seu relatório.

Durante essas semanas, Dilma seguirá na Presidência, que assumiu em no primeiro dia de 2111. Ela somente será suspensa de suas funções se o plenário do Senado aprovar o processo. Então, outra comissão especial investigará, ouvirá a defesa e elaborará seu parecer, com a proposta de condenação ou absolvição da acusada. O prazo para esta etapa final é de 180 dias úteis e culminará com o julgamento, presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e com os 81 senadores convertidos em juízes.

Dilma será afastada e proibida de exercer funções públicas por oito anos caso dois terços dos senadores, 54, a condenem. Ela será absolvida se conseguir 28 votos favoráveis nos quais estão incluídas abstenções e ausências.Os fatores que podem alterar tanto o roteiro como o final são muitos e variados.

Manifestantes do setor da população favorável à saída da presidente Dilma Rousseff mostram sua alegria, no dia 17, na Esplanada dos Ministérios, ao ser conhecido o voto favorável à abertura do processo de impeachment contra ela.”Tchau querida”, diz um dos cartazes. Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Manifestantes do setor da população favorável à saída da presidente Dilma Rousseff mostram sua alegria, no dia 17, na Esplanada dos Ministérios, ao ser conhecido o voto favorável à abertura do processo de impeachment contra ela.”Tchau querida”, diz um dos cartazes. Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Os que conduzem esse processo, e herdariam o poder se a presidente for afastada, estão todos envolvidos nas denúncias de corrupção da Operação Lava Jato e poderão perder seus postos por um julgamento do STF. O mais ameaçado é o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que foi decisivo na fase inicial do processo contra Dilma, ao acelerar os trâmites.

Mas esse papel cria resistências ao impeachment. Cunha, com denúncias de ter recebido milhões de dólares em subornos para favorecer negócios com a Petrobras e de manter contas ilegais na Suíça, é visto como o maior símbolo da corrupção, inclusive entre os que apoiam o impeachment da presidente.Muitos dos deputados aproveitaram para acusar de “ladrão” ou “corrupto” o presidente da Câmara, ao darem seu voto.

Inclusive, alguns que votaram a favor do impeachment procuraram se afastar da imagem de Cunha. Por exemplo, o deputado Jarbas Vasconcelos acusou Cunha de “manchar” o processo e a Câmara.Ambos pertencem ao PMDB, aliado do governo até o mês passado e que, com a suspensão de Dilma, presidirá o Poder Executivo e as duas casas legislativas.

O vice-presidente, Michel Temer, que assumirá a Presidência se Dilma for afastada, e o presidente do Senado, Renan Calheiros, foram denunciados como beneficiários da corrupção orquestrada a partir da Petrobras, por processados que colaboram com a justiça por meio da delação premiada.O foco das denúncias e das informações tenderá a se concentrar nesses três chefes do novo poder, especialmente porque os presidentes da Câmara e do Senado, nessa ordem, são os eventuais substitutos do presidente da República.

O fato ressaltará uma contradição que os defensores de Dilma tentam destacar: o fato de que ela é uma exceção entre os protagonistas dessas disputas pelo poder, alheia a todas as acusações de corrupção.Entretanto, seu isolamento se deveu à imagem do PT como campeão de desvios de recursos públicos durante seus governos, iniciados por Luiz Inácio Lula da Silva.

A desolação tomou conta de manifestantes a favor da presidente Dilma Rousseff no dia 17, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, na medida em que a votação evidenciava a vitória esmagadora em favor da abertura do processo de impeachment contra a mandatária. Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
A desolação tomou conta de manifestantes a favor da presidente Dilma Rousseff no dia 17, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, na medida em que a votação evidenciava a vitória esmagadora em favor da abertura do processo de impeachment contra a mandatária. Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Novas denúncias ou investigações da Lava Jato, encabeçadas pelo Ministério Público e pela Polícia Federal, poderão alterar o quadro político, como ocorreu nos últimos meses ao investigarem favores que Lula teria recebido de grandes construtoras, executoras de grandes projetos petroleiros e hidrelétricos nas últimas décadas.

Outra fonte imprevisível é representada pela atual investigação das contas de campanha de 2014 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que poderá invalidar a vitória da chapa Dilma-Temer, por uso de recursos ilegais. Vários testemunhos afirmam que houve contribuições provenientes dos subornos pagos pela Petrobras. No caso de esse resultado ser impugnado, haveria novas eleições presidenciais. Mas os especialistas creem que a sentença final somente ocorreria em 2017, e nesse caso será o Congresso que elegerá o presidente e o vice que deveriam encerrar o mandato.

Enquanto isso, antecipa-se que a crise econômica se aprofundará, porque dificilmente um governo interino poderá adotar as medidas impopulares que os economistas em geral, e o próprio Temer, consideram indispensáveis para enfrentar a recessão, tais como o ajuste fiscal.

Na situação política é possível uma trégua, mas será difícil acomodar os interesses de um série enorme de partidos que contribuíram para aprovar o impeachment naCâmara. A ampla maioria alcançada se deveu a partidos médios e pequenos que aderiram às grandes forças de oposição quando ficou provável a derrota de Dilma. Compartilhar o poder, ainda que em posições subalternas, vem sendo o grande combustível das decisões políticas no Brasil ultimamente.

A corrosão da nova coalisão no poder será inevitável, por divisões internas, recessão econômica e consequente desemprego, novidades nas investigações sobre corrupção e manifestações de rua que deverão se intensificar pelo lado dos partidários da presidente.Os meios de comunicação, que a esquerda acusa de parcial contra Dilma, Lula e o PT, provavelmente concentrarão suas notícias negativas em detrimento dos novos detentores do poder, aumentando a erosão.

A defesa de Dilma, liderada pelo advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, tenta desqualificar a decisão dos deputados dizendo que “é claramente política” e não comprovou nenhum “crime de responsabilidade” cometido pela presidente.No regime parlamentar isso é possível, mas não no presidencialista, que vigora no Brasil. O processo é criticado como inconstitucional, já que não há bases jurídicas, isto é, um crime concreto da acusada, para seu afastamento, que não pode se basear apenas em razões políticas, enfatizou Cardozo.

Provavelmente, esses argumentos não vão alterar uma sentença do Senado, diante do isolamento da presidente, mas pode ampliar o movimento contra sua destituição. Envolverde/IPS