Economia

O Islã político e os Estados Unidos em 2015

Em seu discurso na Universidade do Cairo, em 2009, o presidente Barack Obama pediu “um novo começo entre Estados Unidos e os muçulmanos” e disse que o “ciclo de suspeita e discórdia deve terminar”. Foto: Casa Branca
Em seu discurso na Universidade do Cairo, em 2009, o presidente Barack Obama pediu “um novo começo entre Estados Unidos e os muçulmanos” e disse que o “ciclo de suspeita e discórdia deve terminar”. Foto: Casa Branca

 

Washington, Estados Unidos, 9/1/2015 – Este ano a política regional dos Estados Unidos influirá enormemente no Islã político-árabe, como ocorre desde que Barack Obama assumiu o governo em 2009. Quando a posição de Washington na região se fortaleceu no início de seu governo, também melhorou a sorte do Islã político.

Entretanto, quando os autocratas árabes perceberam o fracasso da política regional norte-americana, passaram a reprimir impunemente os partidos políticos islâmicos em seus países, apesar dos protestos de Washington. Este vínculo não faz prever nada de bom para o Islã político.

Como em 2014, em 2015 os Estados Unidos darão mais atenção a garantir o apoio dos autocratas árabes à luta contra o grupo extremista Estado Islâmico do que aos maus tratos sofridos por partidos e movimentos políticos islâmicos, o que terá graves consequências no longo prazo.

A partir de 2013, a necessidade tática de Washington de captar os ditadores para a luta contra o terrorismo ofuscou seu compromisso de manter um relacionamento sincero com o povo árabe. Seu apoio aos ditadores árabes implicou o sacrifício do Islã político árabe. Um exemplo é que Washington parece alheio à sorte dos milhares de islâmicos moderados e demais ativistas da oposição que se encontram nas prisões egípcias.

Em primeiro lugar, o termo “Islã político” é aplicado aos partidos e movimentos políticos islâmicos que rechaçaram a violência e optaram por uma mudança estratégica para a política participativa e de coalizão mediante eleições livres. Nessa categoria entram a Irmandade Muçulmana, do Egito e da Jordânia, o Hamas, da Palestina, o Hezbolá, no Líbano, o Al Nahda, na Tunísia, e o Al Wefaq, no Bahrein.

O termo não inclui os grupos radicais e terroristas, como o Estado Islâmico, a Al Qaeda, ou a oposição armada no Iraque, na Síria, no Iêmen e na Líbia. Tampouco se aplica aos movimentos na África como o Boko Haram e o Al Shabab.

Lamentavelmente, muitas autoridades políticas no Ocidente, e curiosamente em vários países árabes, equipararam o Islã político com os grupos radicais. Esta vinculação errônea e interessada deu a Washington o elemento necessário para justificar suas cômodas relações com os autocratas árabes e a tolerância da repressão de seus cidadãos.

Também deu aos autocratas a desculpa para reprimir e excluir seus partidos islâmicos do processo político. Em entrevista concedida em dezembro, o presidente do Egito, Abdel Fatah al Sisi, denunciou a Irmandade Muçulmana e prometeu que o movimento não entraria no parlamento. As recentes leis antiterroristas do Egito deram a Sisi uma cobertura quase legal para silenciar a oposição, incluído o Islã político. Qualquer crítica ao regime ou ao governante é vista como um ato “terrorista”, punível com uma longa pena de prisão.

Em segundo lugar, enquanto as organizações terroristas são uma ameaça para a região e os países ocidentais, a inclusão do Islã político na gestão de governo de seus países no longo prazo é boa para a estabilidade interna e a segurança regional e favorece os interesses das potências ocidentais.

A história recente diz aos Estados Unidos que a exclusão e repressão costumam levar à radicalização. Alguns jovens renunciaram à política partidária e optaram pela confrontação e violência. Este fenômeno aumentará em 2015, na medida em que a supressão do Islã político se generalizar e se institucionalizar.

Em terceiro lugar, os graves erros que a Irmandade Muçulmana e o Al Nahda cometeram em sua primeira incursão no governo não devem surpreender, já que careciam de experiência. Mas esse mau desempenho não é exclusivo deles. Tampouco devem ser usados como desculpa para depô-los ilegalmente e anular o processo democrático, como fez o golpe militar dirigido por Sisi no Egito em 2013.

Embora os partidos políticos islâmicos tendam a ganhar as primeiras eleições após a derrubada dos ditadores, a prova de fogo de seu apoio popular está nas eleições posteriores. Um exemplo é a recente eleição posterior à Primavera Árabe na Tunísia. Quando a população árabe tem a oportunidade de participar de eleições justas e livres, é capaz de eleger o partido que melhor lhe convém, independente de ser islâmico ou laico.

Se o marechal de campo Sisi tivesse permitido, em 2013, que a Irmandade Muçulmana e o presidente Mohammed Morsi seguissem no poder até as próximas eleições, estes teriam sido derrotados eleitoralmente, segundo as pesquisas de opinião pública da época. Mas Sisi não estava comprometido com a transição democrática. Agora a situação dos direitos humanos no Egito é muito pior do que era durante o governo de Hosni Mubarak, segundo a organização Human Rights Watch.

Um fator fundamental que explica as desavenças entre os Estados Unidos e o mundo árabe islâmico é a generalizada percepção muçulmana de que a guerra de Washington contra o terrorismo é uma guerra contra o Islã. Obama sabe que, embora uma porcentagem muito pequena de muçulmanos tenha optado pela violência e o terrorismo, os Estados Unidos devem encontrar a maneira de se relacionar com os restantes 1,6 bilhão de muçulmanos no mundo.

Isso levou Obama, no começo de sua administração, a conceder entrevistas à imprensa árabe e pronunciar seu histórico discurso no Cairo em junho de 2009. Porém, as guerras no Iraque e no Afeganistão e os ataques aéreos que causaram vítimas civis no Afeganistão, Iêmen e em outros lugares fizeram com que muitos muçulmanos não acreditassem que Washington buscasse um relacionamento sincero com o Islã.

A Primavera Árabe e a derrubada dos ditadores a partir de 2011 levaram os Estados Unidos a apoiarem as reclamações de liberdade, reforma política e democracia. Washington anunciou que trabalharia com os partidos políticos islâmicos, em particular com a Irmandade Muçulmana e o Al Nadha, sempre e quando defendessem o campo pacífico e os princípios de pluralismo, eleições e democracia. Mas a aproximação norte-americana com o Islã político não durou mais de dois anos.

Por mais discrepâncias que tenham com a ideologia política islâmica, é o cúmulo da loucura pensar que a estabilidade e a segurança econômica no Egito, Bahrein, Líbano ou na Palestina possam ser conseguidas sem a inclusão no governo da Irmandade Muçulmana, do Al Wefaz, do Hamas e do Hezbolá. Consentir aos autocratas é uma estratégia de curto prazo que prosperará. Quanto mais durar essa situação, mais muçulmanos acreditarão que a guerra dos Estados Unidos contra o terrorismo é uma guerra contra o Islã.

Os países árabes que presenciaram a queda dos ditadores, especialmente o Egito, retrocederão, com o consentimento de Washington, à repressão e à autocracia, como se a Primavera Árabe nunca tivesse existido. Envolverde/IPS

* Emile Nakhleh é professor investigador na Universidade do Novo México, membro do Conselho de Relações Exteriores e autor de A Necessary Engagement: Reinventing America’s Relations with the Muslim World (Um Compromisso Necessário: A Reinvenção das Relações dos Estados Unidos Com o Mundo Muçulmano).