Opinião

O clima bate às portas e pede muita urgência

Uma mulher observa impotente como a água inunda sua cabana com teto de palha e todas as suas posses nos arredores da cidade de Bhubaneswar, no Estado de Odisha, na Índia, em 2008. Foto: Manipadma Jena/IPS
Uma mulher observa impotente como a água inunda sua cabana com teto de palha e todas as suas posses nos arredores da cidade de Bhubaneswar, no Estado de Odisha, na Índia, em 2008. Foto: Manipadma Jena/IPS

Por Washington Novaes*

Muito tem de ser feito. Não é por acaso que se reúnem em Paris os chefes de governo.

Não está sendo nem será fácil ou tranquila a vida dos chefes de Estado e outros participantes da Cúpula do Clima em andamento em Paris, que pretende definir novas metas para a redução de poluentes – gerais e em cada país -, além de outras regras para o setor. O secretário de Estado dos EUA, John Kerry, contrapôs-se ao presidente Barack Obama ao dizer que seu país não aceitaria regras obrigatórias, vinculantes – a mesma atitude do enviado especial norte-americano, Todd Stern. Este chegou a propor um “modelo híbrido”, em que obrigatórias seriam apenas as regras para verificar as emissões de cada país, não os limites para elas. Um dos argumentos é que os EUA já definiram que pretendem reduzir as suas entre 26% e 28% até 2025 (confrontadas com as de 2005).

Não há surpresa até aí. Quando se encerrou a reunião preparatória em Bonn, há algumas semanas, o documento final com as posições dos países tinha 55 páginas, com cada um deles defendendo seus interesses específicos – o que poderia levar à paralisia. Um especialista da Cepal, Luis Miguel Galindo, advertia que já estamos emitindo no mundo 7 toneladas anuais de poluentes por habitante, ou entre 47 e 48 gigatoneladas (bilhões de toneladas) totais – há quem fale em 50 gigatoneladas -, quando seria indispensável baixarmos para 20 gigatoneladas até 2050 (2 toneladas per capita).

Estudos da própria ONU dizem que, nos padrões de hoje, não alcançaremos o objetivo de limitar a 2 graus Celsius o aumento da temperatura na Terra – chegaremos a pelo menos 2,7 graus no fim do século. Para intensificar as medidas de adequação será preciso um fundo anual de US$ 100 bilhões, sobre o qual não há acordo entre possíveis financiadores.

Não é o único complicador. Relatório da Corporate Accountability International (24/11) entra no pantanoso terreno das finanças das corporações patrocinadoras das negociações sobre o clima. São empresas petrolíferas e de outros combustíveis fósseis, bancos, geradoras de energia, etc. Segundo o relatório, contar com elas é como “contratar uma raposa para guardar um galinheiro”.

Como fazer, então, se a Agência Internacional de Energia diz (10/11) que as fontes “limpas” não garantem que fiquemos nos limites adequados? E até 2040, na marcha atual, as renováveis devem representar apenas 15% do total do investimento no mundo – US$ 7,4 trilhões. Os combustíveis fósseis receberam subsídios de US$ 490 bilhões em 2014. Pouco menos que isso seria necessário investir em tecnologias de renováveis até 2030. Além disso, será preciso eliminar as usinas que queimam carvão, as mais poluidoras – mas que fornecem principalmente aos setores mais pobres (e há 1,2 bilhão de pessoas sem energia no mundo).

Poucos dias antes da abertura da conferência de Paris, morreu, aos 86 anos, Maurice Strong , a cuja persistência devemos a criação da Convenção do Clima, depois de ser o chefe do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Quando o jornal The Guardian lhe perguntou, há poucos anos, o que pensava do panorama na área, ele respondeu que “operacionalmente” era otimista, pois “ainda é possível fazer o que sonhamos” – apesar de uma realidade preocupante a ponto de os participantes da conferência de Paris se dizerem alarmados com a situação da China e da Índia, com suas capitais cobertas por “nevoeiros sufocantes” (Francepress, 1/12). E com o panorama geral das emissões.

De fato, o total das emissões, que em 1990 era de 38 gigatoneladas anuais (com os EUA como maior emissor), em 2010 já está perto de 50 gigatoneladas (agora a China é o maior emissor com 23%, seguida dos EUA, com 15,5%). Se nada mudar, diz o Pnuma, poderemos ter aumento da temperatura entre 3 e 3,5 graus no fim do século. O estudioso Bill McKibben calcula em 556 gigatoneladas o máximo de dióxido de carbono que poderemos colocar na atmosfera sem ultrapassar 2 graus no aumento da temperatura. No Brasil, seria um despautério global se queimássemos todas as reservas de combustíveis, inclusive no pré-sal.

Há avanços importantes. Nos EUA, o presidente Obama rejeitou a proposta de construir o oleoduto Keystone XL, ligando o Canadá ao Golfo do México e depois se espalhando pelo centro do território norte-americano, com passagem inclusive pelo Aquífero de Ogalalla – o que seria inadmissível. A Grã-Bretanha fechará todas as suas usinas a carvão em poucos anos (elas geram 30% do total da energia no país) e passará para o gás e a energia nuclear (também discutível).

Mas também seguem as advertências. A ONU tem alertado o Brasil (Estado, 7/11) sobre o aumento preocupante das emissões de poluentes nas cidades e pelo complexo industrial, segundo as palavras de Achim Steiner, do Pnuma. O jornal Le Monde (25/11) tem assinalado a dificuldade crescente de a floresta brasileira regular o clima (em 40 anos, diz, 63 mil quilômetros quadrados de florestas foram abatidos; em 2004 foram 27.772 km2 e em 2013, pouco mais de 5 mil; o Brasil já perdeu na região mais de 200 mil km2 de florestas, mais que o território do Reino Unido). No Cerrado, perto de 40% já foram desmatados.

Do lado mais otimista, o respeitado cientista Carlos Nobre, do Inpe, lembra que estamos com emissões de 7,5 toneladas por pessoa/ano, mas poderemos chegar a 4 toneladas anuais em 2030 e 2 toneladas em 2050 (Eco 21, setembro). A própria presidente da República tem afirmado que temos condição de recuperar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas e replantar florestas em 5 milhões de hectares.

É importante que tudo isso se concretize, que se detenha a progressão de temperaturas em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, que se implante de fato um Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima em 11 setores. Muito tem de ser feito. Não é por acaso que se reúnem em Paris os chefes de governo. Não será para trocar amabilidades. (O Estado de S. Paulo)

* Washington Novaes é jornalista (e-mail: [email protected]).

** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.