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A nota certa contra o Talibã

Uma obra musical em Peshawar. Isto seria impensável sob o domínio anterior do Talibã. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS
Uma obra musical em Peshawar. Isto seria impensável sob o domínio anterior do Talibã. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS

 

Peshawar, Paquistão, 17/1/2014 – Durante muitos anos não puderam cantar, dançar ou tocar seus instrumentos favoritos. Os artistas de Jyber Pajtunjwa perderam sua voz enquanto o movimento extremista Talibã cometia ataques terroristas e proibia a música, qualificando-a de anti-islâmica. Após vários meses de tentativas de avanços, esta província paquistanesa revive ao som de seus acordes.

Ao reiniciar a venda aberta de produtos musicais, bem como as ocasionais obras em teatro, os sons voltam em todo seu esplendor em muitas áreas, se não em todas. A grande mudança ocorreu nos meses posteriores às eleições de maio de 2013. “Os últimos cinco anos foram muito difíceis para os músicos por culpa dos rebeldes talibãs. Agora respiramos aliviados porque os atos terroristas diminuíram”, disse à IPS o cantor Gul Panra.

O povo pashtun, que habita a região, era tradicionalmente entusiasta da música. Contudo, entre 2008 e 2013, os músicos enfrentaram tempos difíceis, pois Jyber Pajtunjwa estava sob o domínio do Partido Nacional Awami, contrário ao Talibã, e os insurgentes cometiam constantes explosões e ataques suicidas. Foi dessa forma que o Talibã impediu os músicos de se apresentarem.

Entretanto, ao diminuir a influência desse movimento fundamentalista na região, e com o novo governo provincial incentivando ativamente os artistas desde que chegou ao poder, agora a música está voltando. “Graças ao novo governo, a maioria dos cantores e músicos voltou a trabalhar”, contou Panra, que estuda na Universidade de Peshawar, mas está ocupado com suas apresentações em shows e casamentos, além de fazer canções para filmes.

Swat, um distrito de Jyber Pajtunjwa, foi outrora conhecido por seus cantores e bailarinos. A região, montanhosa e pitoresca, tem muitas correntes e rios que foram usados como cenário para cenas musicais em filmes. Mas a área ficou sem artistas entre 2007 e 2010, devido aos castigos infligidos pelo Talibã.

Em janeiro de 2009, insurgentes talibãs mataram a famosa bailarina Shabana, em Swat, fazendo um arrepio percorrer as costas da comunidade artística. Muitos fugiram ou abandonaram sua profissão para evitar serem alvos do Talibã. Mas atualmente pode-se ouvir música nas colinas e nos vales de Swat. O Talibã foi expulso desse distrito mediante uma operação militar em 2010.

“Estamos de volta. Todas as noites há funções musicais que levam entretenimento às pessoas do lugar, e há muitos entusiastas do resto do país”, afirmou Mohammad Suleiman, que toca harmônica em Swat. Suleiman disse que suas duas filhas bailarinas eram o único sustento econômico de sua família de 12 membros e que, enquanto o Talibã dominou a região, ficou difícil colocar duas refeições por dia na mesa.

Sua filha de 18 anos, Noreen Begum, contou que “agora voltamos a receber ofertas para nos apresentarmos em casamentos”. Dançar sempre foi sua paixão. “Desfruto da música e da dança. E com o que ganho meus irmãos podem continuar seus estudos”, afirmou.

A música também está de volta em Peshawar, capital de Jyber Pajtunjwa. Após a chegada ao poder na província do partido Pakistan Tehreek Insaf, do jogador de críquete Imran Kan, o cenário musical se transformou. “As pessoas nos convidam para atuar em programas privados, e nos pagam bem. Os pashtunes tradicionalmente amam a música, e jogam dinheiro para os intérpretes em sinal de apreço”, disse à IPS o cantor Shah Sawar. Este jovem de 25 anos contou que nos últimos tempos se apresentou para Imran Kan, que o elogiou. “Foi animador receber um tapinha seu nas costas”, afirmou.

O Nishtar Hall, único teatro em Peshawar, voltou à vida e agora já realiza funções musicais quase diariamente. “Todos os dias recebemos telefonemas de patrocinadores. Além dos artistas locais, cantores de outras partes do país também se apresentam aqui”, explicou à IPS Karam Kan, funcionário desse teatro do governo.

Cada apresentação na sala de 600 lugares reúne centenas de entusiastas que chegam em grupos bem antes do início, disse Kan. “Acabaram os dias em que o Nishtar Hall permanecia fechado pelas ameaças do Talibã. A situação voltou à normalidade e as atividades culturais ganham impulso’, acrescentou.

Mashooq Sultan, uma diva do passado, também está feliz com o partido de Imran Kan. “Ele demonstrou ser uma benção para mais de dez mil artistas que praticamente estiveram desempregados antes que seu partido chegasse ao poder. Para mim estava muito difícil manter a família, porque havia poucas apresentações musicais. Apreciamos Imran por melhorar a situação da lei e da ordem”, afirmou. “Os últimos seis meses foram muito bons para nós. Atuamos no Nishtar Hall e em apresentações privadas”, disse Sultan, que garantiu à IPS ter interpretado cinco mil canções na televisão e no rádio.

As Áreas Tribais Administradas Federalmente (Fata), perto da fronteira com o Afeganistão, ainda estão repletas de insurgentes, que privam a população local de danças e músicas. Algumas áreas de Jyber Pajtunjwa, onde o Talibã ainda exerce influência, podem sentir as restrições ainda hoje. Porém, Sultan argumentou que ninguém poderá parar a música nesta parte do mundo. “Os casamentos e outras cerimônias festivas são consideradas incompletas sem música, e o Talibã não pode proibi-la para sempre”, ressaltou. Envolverde/IPS