‘Não há investimentos para mulheres’

Com menos de 400 delegacias da mulher no País, secretária nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres diz que estados e municípios não entedem a importância do serviço. Foto: Elza Fiúza

Após mais de cinco anos da Lei Maria da Penha em vigor, legislação que endurece as penas em casos de agressão a mulheres, o Brasil ainda apresenta uma estrutura de atendimento à violência de gênero extremamente deficitária.

Menos de 10% dos municípios do País possuem delegacias especializadas no combate à violência contra a mulher, segundo dados anunciados nesta semana pela Secretaria de Políticas para as Mulheres. Ao todo são 374 delegacias em cerca de 7% das 5,5 mil cidades brasileiras.

Além disso, existem apenas 589 unidades de atendimento especializado, como centros de referência e abrigos no País.  “Esse número reflete a maneira como a sociedade brasileira tem tratado nas últimas décadas a violência contra a mulher”, afirma Aparecida Gonçalves, secretária nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, em entrevista a CartaCapital.

Segundo ela, não existe investimento efetivo em políticas públicas para as mulheres no Brasil e a institucionalização de uma política nacional sobre o assunto é recente, assim como o debate da importância de serviços específicos. “Ainda existe muita dificuldade de prefeitos e governadores em entender a importância deste tipo de unidades, pois muitos alegam não ter recursos e estrutura para montá-las.”

Uma afirmação refutada pelo Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, que disponibiliza recursos a fim de ajudar estados e municípios a criar serviços especializados, aponta.  “Precisamos ter condições políticas de negociação, pois não basta liberar verbas. É preciso vontade política ou essas unidades vão abrir, mas acabarão fechando.”

Essas condições ganham maior força pelo fato de o Brasil ser governado atualmente por uma mulher, acredita a secretária nacional Aparecida Gonçalves. “É um incentivo porque dá maior visibilidade ao problema, além de o enfrentamento à violência contra a mulher ser uma prioridade do governo Dilma Rousseff.”

“A presidenta tem dito desde a sua posse que quer maior rigor na aplicação da Lei Maria da Penha e isso também nos dá condições efetivas de ter mais recursos”, diz.

Em fevereiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) endureceu a lei e definiu que o Ministério Público pode denunciar o agressor mesmo sem uma queixa formal da mulher. A investigação pode ser aberta inclusive por meio de informações passadas por vizinhos.

Apesar dos resultados ruins na estrutura de atendimento, o governo acredita que o pacto assinado em 2007 tem apresentado resultados dentro do esperado, como o aumento de 109% do número de serviços no País. A meta agora é chegar ao menos em 10% dos municípios em quatro anos e elevar o número de serviços especializados.

Por outro lado, a secretária destaca que a estrutura precária da rede de atendimento impede a recuperação adequada da vítima, que em quase 70% dos casos, segundo dados da Secretaria, sofre violência há mais de 10 anos.

“Precisamos de um serviço que dê o acompanhamento psicológico e social a essa mulher. A delegacia sozinha não dá conta”, diz.

Gonçalves aponta que a situação é ainda pior nas cidades menores, pois a maioria dos centros de apoio fica nas capitais.

A falta de delegacias especializadas também deixa a mulher mais vulnerável, pois a vítima precisaria recorrer ao serviço “comum” para registrar a queixa e enfrentar, muitas vezes, o descaso de indivíduos não qualificados para este tipo de atendimento. “Isso acaba gerando aquele tipo de questionamento à vítima: ‘tem certeza que a senhora vai fazer isso? Seu marido vai ser preso’.”

Comportamento que leva à subnotificação de casos e impede a composição de dados oficiais a quantificar a incidência da violência doméstica no Brasil. “Isso faz com que a mulher desacredite na proteção do Estado. Ou ela retorna ao seu agressor ou acaba tendo que encontrar seu caminho sozinha.”

Uma situação também refletida na América Latina em geral, segundo o estudo O Progresso das Mulheres no Mundo, anunciado pela ONU na quarta-feira 21. Dados de 2011 mostram que uma em cada três mulheres da região sofre algum tipo de violência e 16% delas já foram vítimas de constrangimento e abuso sexual alguma vez na vida.

Situação que ocorre em um cenário no qual 97% dos países aprovaram leis severas contra a violência de gênero.

* Publicado originalmente na Carta Capital.