Mudanças climáticas intensificam ondas de calor e incêndios nos EUA

Crédito Imagem: Wikimedia Commons
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Pesquisadores apontam que temperaturas recordes cada vez mais frequentes estão prolongando a temporada de incêndios florestais e autoridades já reconhecem que é preciso mais investimentos para lidar com a nova realidade.

No último domingo (30), os Estados Unidos sofreram o que está sendo considerada a maior catástrofe florestal no país em 80 anos: 19 bombeiros morreram e cerca de 250 casas foram destruídas por um incêndio, cujas chamas já atingiram aproximadamente 800 hectares da cidade de Yarnell, a cerca de 130 quilômetros de Phoenix, no Arizona, EUA.

Temporadas de incêndios são comuns nos Estados Unidos, e costumam ser causadas pelas ondas de calor que atingem o país nessa época. As ondas de calor, aliás, também apresentam um perigo para a população, pois podem causar mal-estar e até mortes, principalmente de crianças e idosos.

Entretanto, nos últimos anos o país tem enfrentado extremos climáticos sem precedentes, que agravam ainda mais esses fenômenos. Além do devastador incêndio deste domingo, os EUA têm registrado diversas quebras de recorde de temperatura: em Phoenix, as temperaturas atingiram 46ºC no domingo; em Las Vegas, chegaram a 48ºC no sábado; e no Vale da Morte, na Califórnia, alcançaram 54ºC no domingo.

Nessas cidades, muitas pessoas já foram hospitalizadas ou tratadas por desidratação, exaustão e insolação, e mesmo algumas mortes foram registradas. Um grande receio é em relação aos imigrantes ilegais que atravessam a fronteira entre o México e os EUA, geralmente pelo deserto: na última semana, pelo menos três deles foram encontrados mortos no Arizona por causa do calor, informou Brent Cagen, porta-voz da Patrulha da Fronteira dos EUA, à Reuters.

Já entre 1º de outubro e 31 de maio foram registradas 99 mortes de imigrantes pela mesma causa, acrescentou Cagen. “É uma situação muito perigosa ter alguém nessas áreas remotas. Definitivamente observamos um aumento [nos resgates e mortes] quando atinge entre 115 e 120 graus fahrenheit [46ºC e 48ºC] no deserto.”

“É como quando você abre a porta do seu forno e sente aquela rajada de ar quente. É mais ou menos isso que se sente do lado de fora. É muito perigoso, mesmo para as pessoas que estão bem aclimatadas ao tempo, ficar fora e fazer atividade física… Aconselhamos a todos que evitem ficar ao ar livre”, concordou Charlotte Dewey, meteorologista do serviço climático de Phoenix.

As temperaturas altas já levaram as autoridades a emitir alertas de saúde em cidades da Califórnia, Nevada, Idaho, Colorado, Texas e Arizona. Mesmo o Alasca, estado localizado em altas latitudes e acostumado ao frio, registrou na última semana temperaturas acima dos 35 graus Celsius, recorde que havia sido batido no estado pela última vez em 1969.

Além disso, a NASA mostrou, também na última semana, imagens do estado registradas pelo seu Espectroradiômetro de Resolução Moderada de Imagens (MODIS), que, devido à rara ausência de nuvens na região, revelaram uma massa de terra quase desprovida de gelo.

E embora muitos afirmem que tais extremos são consequências naturais das variações climáticas do planeta, diversos cientistas declaram que esses extremos estão sim ligados ao aquecimento global. De fato, vários estudos relacionam o aumento do número e intensidade de incêndios e ondas de calor às mudanças climáticas.

Um deles sustenta que grandes incêndios florestais ocorreram mais frequentemente no oeste dos Estados Unidos desde a metade dos anos 1980 à medida que as temperaturas da primavera aumentaram, a neve derreteu antes e os verões se tornaram mais quentes, deixando as florestas mais secas e mais fáceis de alastrarem incêndios.

“A extensão da temporada de incêndios aumentou quase dois meses e meio comparada a 1970. Isso é uma coisa notável em si mesma”, colocou Thomas W. Swetnam, diretor do Laboratório de Pesquisa de Anéis de Árvores da Universidade do Arizona em Tucson.

Os pesquisadores descobriram que 56% dos incêndios e 72% da área total queimada ocorreram em anos em que o derretimento da neve foi precoce. Já nos anos em que o derretimento da neve ocorreu no período regular ou mais tarde, ocorreram apenas 11% dos incêndios e 4% da área total foi queimada.

Outro relatório indica que as mudanças climáticas dobrarão as áreas queimadas pelos incêndios nos Estados Unidos até 2050. O documento, do Departamento de Agricultura dos EUA, aponta que os incêndios devem atingir cerca de oito milhões de hectares por ano nas próximas quatro décadas.

O texto também enfatiza outros efeitos que as mudanças climáticas terão nas florestas dos EUA. Algumas delas, por exemplo, devem ficar mais quentes e secas com o aquecimento global, condição que, além dos incêndios, deve levar a um aumento na manifestação de pragas, que também já destruíram milhares de hectares de floretas no país.

“Estamos chegando a eventos extremos que parecem estar tendo cada vez mais efeitos sobre paisagens mais amplas”, comentou David Peterson, biólogo do Serviço Florestal dos Estados Unidos e coautor do relatório, ao Denver Post.

Felizmente, pelo menos algumas autoridades norte-americanas parecem estar convencidas de que as mudanças climáticas são parcialmente responsáveis pelo aumento no número e intensidade de incêndios e ondas de calor nos Estados Unidos.

No começo de maio, o governador do estado da Califórnia, Jerry Brown, ressaltou que as mudanças climáticas são sim as culpadas pelo início precoce da temporada de incêndios em seu estado. De acordo com o Departamento de Bombeiros do Condado de Ventura, o estado até agora enfrentou o dobro do número usual de incêndios, ou seja, mais de 1,1 mil.

Ainda assim, o país parece não estar dando a ênfase necessária para resolver a questão. No começo de junho, o Congresso norte-americano foi informado por Thomas Tidwell, diretor do Serviço Florestal dos EUA, sobre o aumento da extensão da temporada de incêndios no país. Tidwell alertou que a falta de investimento limita a prevenção e o combate aos incêndios, e criticou cortes de 50% no orçamento desses serviços.

“Quando você tem uma situação de orçamento limitado o dinheiro tem que vir de outro lugar, então é por isso que é tão difícil”, lamentou ele.

“É difícil para o público médio entender como as coisas mudaram. Há dez anos, no Novo México, nos arredores de Los Alamos, tivemos o começo de um incêndio. Ao longo de sete dias, queimou 16 hectares. Em 2011, tivemos outro incêndio, em Las Conchas. Também queimou 16 hectares. O fez em 12 horas”, concluiu Tidwell.

* Publicado originalmente no site CarbonoBrasil.