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Meninas se rebelam contra casamento precoce em Bangladesh

Shirin Aktar, de Bangladesh, uma adolescente que resistiu a um casamento precoce, junto de sua mãe. Foto: Naimul Haq/IPS
Shirin Aktar, de Bangladesh, uma adolescente que resistiu a um casamento precoce, junto de sua mãe. Foto: Naimul Haq/IPS

 

Rangpur, Bangladesh, 9/7/2013 – Shirin Aktar tinha apenas 13 anos quando seus pais decidiram que era hora de se casar. Na época, eram poucas as oportunidades que se abriam diante dela, filha mais velha de uma família conservadora procedente do distrito de Rangpur, no norte de Bangladesh. Como Shirin não tinha educação formal nem perspectivas profissionais, se casar com seu primo de 31 anos pareceu à sua família o melhor para evitar uma vida de pobreza abjeta.

Esta menina de fala suave contou à IPS que seus pais nunca a consultaram sobre essa decisão. Seu pai carecia de trabalho estável e a família não tinha casa própria. Aceitar a proposta de um empresário em posição econômica relativamente boa lhes pareceu a opção óbvia para sua filha. Porém, sua família ignorava que Shirin tinha outros planos. Determinada a concretizar o sonho de ir para a universidade, contou com a ajuda de seus companheiros da Crianças Jornalistas, uma organização de meninas e meninos do lugar, que “se opõe à injustiça social e conscientizam sobre os direitos infantis”, explicou.

Sentada em sua casa na aldeia de Arajemon, 370 quilômetros a noroeste de Dhaka, ela, que acaba de completar 18 anos, confessou ter visto muitas amigas e parentes sofrerem muito em consequência de casamentos precoces, experimentando desde violência doméstica por parte de familiares do marido até fortes cargas de trabalho em casa. Shirin soube que não poderia seguir o mesmo caminho delas, mas se negar à vontade de seus pais não era fácil: exigia valentia e um enorme apoio de seus amigos.

Apesar de conhecer as “consequências de intervir nos assuntos dos adultos, sentimos que os pais de Shirin estavam cometendo uma injustiça com ela, e tínhamos que resistir”, contou à IPS Reza, líder da Crianças Jornalistas. Os jovens procuraram anciães da aldeia, líderes religiosos, influentes acadêmicos e empresários, que concordaram em conversar com os pais da menina.

De todo modo, este apoio quase unânime entre os membros da comunidade não teria ido longe sem o impulso do Kishori Abhijan, um projeto de empoderamento adolescente do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em Bangladesh que trabalha para dar às meninas as ferramentas que precisam para fazerem suas próprias escolhas de vida. Realizado primeiro em fase-piloto em 2001, o programa foi criado em resposta à enorme quantidade de casamentos de meninas neste país do sudeste asiático de 150 milhões de habitantes.

Lamentavelmente, atualmente, a necessidade desse serviço é muito maior do que antes. Com cerca de um terço da população vivendo com menos de um dólar por dia, não causa estranheza as famílias recorrerem ao casamento como meio de mobilidade social e para fugir de uma vida de trabalho extenuante. Encontrar um marido para uma filha significa uma boca a menos para alimentar, e a possibilidade de conseguir complementos financeiros do cônjuge.

Apesar do avanço nas matrículas femininas nas escolas, a uma substancial redução da natalidade e maior liberdade para que as mulheres jovens reclamem seus direitos, muitas ainda vivem suas vidas limitadas pela tradição do casamento precoce. Segundo uma pesquisa, 68% das mulheres entre 20 e 24 anos se casaram antes de chegarem à idade legal mínima de 18 anos, enquanto outros estudos indicam que a vasta maioria destas se casa antes de completar 16 anos. Dados do governo sugerem que aproximadamente 50% das adolescentes de Bangladesh, cuja quantidade é estimada em 13,7 milhões, serão mães quando tiverem 19 anos.

Na Bangladesh rural, onde a pobreza está mais generalizada do que nas cidades, as filhas de famílias pobres são consideradas aptas para o casamento no começo da puberdade, o que significa que inclusive meninas de 13 e 14 anos podem se transformar em esposas. Em parte como um esforço para negociar dotes mais baixos, em parte para “proteger” suas filhas do assédio sexual, as famílias pobres raramente pensam duas vezes antes de entregar suas meninas a maridos que costumam ser muito mais velhos.

Segundo ativistas pelos direitos infantis, esta prática é socialmente prejudicial e também perigosa para a saúde das meninas. Em um país onde 80% de todos os nascimentos acontecem em casa, sem a presença de um assistente médico qualificado, as jovens mães e seus filhos são vulneráveis a complicações durante a gravidez e a uma série de doenças associadas, como pneumonia e baixo peso ao nascer. Os casamentos precoces, sem dúvida, contribuem para a alta mortalidade materna em Bangladesh, de 329 mortes para cada cem mil nascimentos vivos, em comparação com 21 mortes para cem mil nascimentos vivos registrados em países como os Estados Unidos.

Agora, uma importante campanha de moradores locais junto com organizações internacionais parece estar dando frutos. Grupos de autoajuda, conhecidos como clubs kishori reúnem a cada 15 dias cerca de 30 adolescentes para debater sobre tudo, desde saúde reprodutiva e nutrição até papéis de gênero e violência contra as mulheres. Os líderes do grupo, capacitados pelo Unicef, ajudam a que adquiram habilidades como costurar, fazer peças de cerâmica ou criar aves, o que melhora as possibilidades de as jovens ganharem seu sustento.

Os clubs kishori trabalham com organizações associadas da sociedades civil, como o Centro para a Educação em Massa e a Ciência, que funciona em centenas de subdistritos em todo o país e que demonstram ser muito valiosos na hora de dar capacitação em informática e carpintaria, entre outras áreas. Os grupos de jovens também atuam coordenando campanhas de conscientização que incluem divulgar informação sobre os casamentos infantis entre seus colegas e na comunidade mais ampla.

A história de Shirin Aktar é um testemunho do poder destes grupos locais. Quando seu pai procurou pela primeira vez o funcionário do cartório local, este se negou a registrar a união antes de chegar a certidão de nascimento da jovem, marcando um ponto de inflexão desde os dias em que ninguém movia uma palha diante de uma noiva-menina. Os que promovem esta campanha estão conscientes de que a educação sozinha não mudará a mentalidade que perpetua esta prática.

Para acabar com os casamentos infantis será necessário mudar as circunstâncias econômicas das famílias pobres. Rose-Anne Papavero, diretora de proteção infantil do Unicef em Bangladesh, explicou à IPS que a agência trabalha com o governo para “proporcionar transferências de dinheiro condicional (de US$ 472 por ano) às famílias pobres, desde que concordem em não casar suas filhas menores de idade, não usarem trabalho infantil e não aplicarem castigos corporais”. Envolverde/IPS