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Mafiosos contra empresários chineses no Quirguistão

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Bisqueque, Quirguistão, 16/1/2014 (EurasiaNet) – O Ano da Serpente esteve repleto de surpresas ingratas para os chineses que vivem no Quirguistão. Em um contexto de crescente nacionalismo econômico e escassa aplicação da lei, os imigrantes de origem chinesa se queixam de serem vítimas de roubos e extorsões, especialmente por parte de funcionários que deveriam protegê-los.

Em dezembro, meios de comunicação estatais chineses denunciaram uma “onda” de ataques contra empresários e estudantes da China em Bisqueque, capital do Quirguistão, e seus arredores. O informe, publicado no Global Times, com sede em Pequim, dizia que muitas vítimas se sentiam alvo de discriminação étnica, e que a polícia local era cúmplice de ataques violentos.

No mesmo mês, a embaixada da China em Bisqueque tomou a incomum medida de emitir um “alerta de segurança de emergência”, advertindo seus cidadãos a ficarem atentos. Outro comunicado divulgado pela embaixada repreendeu as autoridades do Quirguistão por não protegerem os cidadãos chineses.

Em entrevista à EurasiaNet, um cuidadoso chinês radicado em Bisqueque, onde é proprietário de um restaurante, contou a delicada situação vivida por muitos como ele. As máfias, comumente protegidas pela polícia, veem os comércios chineses como de pouca importância, como “máquinas de dinheiro”, disse a fonte, pedindo para não ter o nome revelado. “Vivemos com simplicidade e tentamos economizar dinheiro como todo mundo. Mas as gangues pensam que, como a China tem dinheiro, nós também temos”, acrescentou.

Por outro lado, grupos de operários chineses, que frequentemente trabalham em projetos de construção administrados por empresas estatais de seu país, são submetidos a repentinas revisões de documentos por parte de grupos nacionalistas. Estes, que consideram os imigrantes chineses uma ameaça à segurança nacional, prosperam com base no ressentimento: muitos quirguistaneses não entendem porque os chineses ficam com empregos escassos e desejados, enquanto centenas de nacionais são obrigados a trabalhar na Rússia.

Um dos grupos, o Erkin El, afirma que cerca de 300 mil chineses já vivem no Quirguistão, país com cerca de 5,5 milhões de habitantes. O Global Times estima que esse número está mais para 80 mil. A Coalizão de Uma Nova Geração é outro grupo juvenil que atua como inspetor autodesignado dos documentos dos trabalhadores chineses. As revisões, algumas filmadas e divulgadas na internet, são semelhantes às que os grupos nacionalistas russos realizam contra imigrantes da Ásia central. Os representantes da coalizão não responderam aos reiterados pedidos de entrevista feitos pela EurasiaNet.

Os meios de comunicação em idioma quirguistanês têm o costume de fazer comentários racistas e utilizar hipérboles de inspiração nacionalista. Muitos deles ajudam a avivar o sentimento antichinês. Em julho, por exemplo, o jornal Alibi buscou culpar a China pela instabilidade crônica do Quirguistão, em um artigo intitulado Migrantes Chineses Podem Realizar a Terceira Revolução.

Aigul Ryskulova, ex-ministra do Trabalho, que lidera um grupo sobre migrações no governo do presidente Almazbek Atambayev, disse à EurasiaNet que as migrações chinesas não são “tão catastróficas” como os grupos nacionalistas as descrevem. Em novembro do ano passado, funcionários do Ministério de Trabalho, Migrações e Juventude disseram no parlamento que os cidadãos chineses representavam cerca de 70% das 12.990 permissões de trabalho emitidas em 2013.

Um problema importante, segundo Ryskulova, é a natureza convulsionada do contexto migratório do Quirguistão. A racionalização pode beneficiar o sistema, afirmou. “Os acordos intergovernamentais que operam fora do sistema de cotas, as demoras nos departamentos e os programas anticorrupção no processo de prorrogação de vistos” significam que o número total de chineses trabalhando no país seja várias vezes superior ao da cota oficial anual, ressaltou.

Essa brecha faz com que ganhem força os “mitos” sobre a quantidade de imigrantes chineses no país, além de fomentar uma sensação de indefesa entre os cidadãos quirguistaneses, acrescentou Ryskulova. Embora a visibilidade cada vez maior dos trabalhadores chineses, sem dúvida, alimentou a xenofobia, os motivos que há por trás da recente onda de ataques violentos podem ser mais calculados, segundo Li Lifan, da Academia de Ciências Sociais de Xangai.

Os expatriados chineses, em particular empresários privados, “tendem a acumular grandes somas em divisas, especialmente dólares”, para evitar os preços punitivos das transferências bancárias do Quirguistão para a China. Isto, combinado com o fato de os chineses “raramente se queixarem” e frequentemente não informarem os crimes ou tentativas de extorsão, os torna “alvos fáceis para as gangues locais”, disse Lifan à EurasiaNet. Diplomatas da embaixada da China se negaram a falar sobre este tema à EurasiaNet.

O dono de um restaurante chinês em Bisqueque, nascido em Sichuan, disse que as extorsões não são novidade. Seu estabelecimento, no centro da cidade, é um dos, pelo menos, dez restaurantes de proprietários chineses que há na capital, e recebeu ameaças de mafiosos. Uma vez, cinco homens entraram no restaurante e pediram US$ 2 mil em dinheiro, contou a fonte.

“Quando dissemos que não podíamos pagar, voltaram no dia seguinte, pediram uma grande refeição e saíram sem pagar. Quando chamamos a polícia, os oficiais disseram que o grupo não cometera nenhum crime e que nós mostramos nossa hospitalidade. Isso continuou ocorrendo duas vezes por semana durante um mês”, disse o empresário. Os mafiosos finalmente deixaram de aparecer após verem que o restaurante rendia pouco dinheiro.

As acusações de envolvimento da polícia com as máfias e em fatos de violência são comuns. E isso é verossímil em um país onde, segundo estudo de 2012 financiado pelo governo dos Estados Unidos, a polícia é a segunda instituição que gera menos confiança, depois do Poder Judicial. Segundo um entrevistado citado no informe do Global Times, um policial de Bisqueque é suspeito de pelo menos um ataque contra um comércio chinês cometido em 2012, no qual morreu um chinês.

O dono do restaurante de Bisqueque disse que a comunidade chinesa ficou “extremamente atemorizada” no último verão boreal pela morte de Guan Joon Chan, dono de uma rede de lojas de óculos para sol na cidade. Segundo vários informes da imprensa local, Guan foi encontrado inconsciente pelos golpes recebidos na última hora do dia 24 de julho. Morreu em seguida no hospital.

Citando fontes anônimas, o Vechernii Bishkek, publicado em russo, informou, no dia 30 de julho, que Guan havia pago com regularidade à polícia local em troca de proteção, e que o golpe ocorreu pouco depois de discordar com um chefe de polícia a respeito dessa quantia. Atualmente, dois homens são julgados em conexão com a morte de Guan. Um é um alto funcionário do Departamento de Polícia do distrito de Sverdlosvsk. O outro é um ex-membro das forças policiais especiais. Envolverde/IPS

* Chris Rickleton é jornalista, radicado em Bisqueque. Este artigo foi publicado originariamente na EurasiaNet.org.