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Jovens furiosos redesenharão a política do Egito

A Irmandade Muçulmana tem seu próprio exército de jovens que não são fáceis de derrotar. Foto: Hisham Allam/IPS
A Irmandade Muçulmana tem seu próprio exército de jovens que não são fáceis de derrotar. Foto: Hisham Allam/IPS

 

Cairo, Egito, 16/8/2013 – Será muito difícil conter os jovens da Irmandade Muçulmana depois dos assassinatos ocorridos esta semana na capital do Egito, alertaram os próprios membros da organização, coincidindo com alguns analistas. Haytham Abu Jalil disse à IPS que os jovens da Irmandade Muçulmana estão descontentes, confusos e desorientados. O assassinato de tanta gente faz com que seja muito difícil reunir os mais extremistas entre eles em torno de campanhas intelectuais e religiosas.

“O sangrento ataque que sofreram durante uma concentração fez com que se sentissem oprimidos. Pensam que devem se unir e superar isto”, disse Jalil, ex-dirigente juvenil dessa organização, base do deposto presidente Mohammad Morsi. Uma consequência pode ser uma revolta contra os dirigentes mais moderados dentro da Irmandade Muçulmana, segundo Jalil. “Uma vez superada esta difícil situação, os membros mais jovens deslocarão as atuais autoridades para restaurar a confiança no grupo. Contudo, não creio que seja em um futuro próximo”, ressaltou.

Mais pessoas podem passar para os grupos insurgentes, acrescentou Jalil, autor do romance Irmãos Reformistas. Porém, “ocorrerá em massa, porque agora todo mundo trabalhará para manter a organização. Somos um grupo complicado e nada fácil de manejar, como pensam os militares”, destacou. O perigo mais imediato pode ser a cisão de grupos insurgentes. “Não descarto que alguns membros descontentes criem grupos armados sem referência com os dirigentes”, alertou.

Toda iniciativa do exército de proscrever partidos políticos religiosos só fará empurrar mais seus membros para grupos islâmicos radicais, que adotarão as ideias extremistas da jihad (guerra santa), pontuou Jalil. Amr Hashem Rabie, diretor do departamento de estudos egípcios do Centro Al-Ahram de Estudos Políticos e Estratégicos, afirmou que poderia surgir dentro da organização uma tendência a romper com o princípio estabelecido de obediência. Isto criaria um desequilíbrio dentro da Irmandade Muçulmana, porque certamente será um chamado para muitos jovens.

Segundo Rabie, “estes sentem que foram lançados em uma cruenta confrontação. Os que rejeitam a direção atual abandonarão a Irmandade Muçulmana e o trabalho político ou se unirão às milícias armadas como a jihad salafista”. Também afirmou que os líderes da Irmandade Muçulmana querem um papel político para seu partido na nova situação e não regressar à época obscura. E “a voz dos neo-reformistas emergirá de dentro”, acrescentou.

A futura formação da Irmandade Muçulmana ficou em xeque com os assassinatos do Cairo e pelos enfrentamentos sangrentos com o exército na concentração do dia 14, que pedia a restituição do presidente Morsi, destituído pelas forças armadas. Muitos analistas políticos creem que o futuro da Irmandade Muçulmana será determinado pelos jovens, muitos dos quais recorreram à violência para enfrentar o que consideram uma perseguição religiosa.

Para o especialista político Wahid Abd-al-Majid, a repressão do exército agora se torna um confronto entre essa força e a polícia, de um lado, e uma Irmandade Muçulmana cada vez mais armada, do outro. Também afirmou que a violência partiu de um grupo armado dentro da Irmandade Muçulmana. Dois grupos divergentes surgem dentro da organização, explicou à IPS. “Tenho informação de que alguns velhos dirigentes rechaçam o método do grupo principal da concentração”, indicou.

Abd-al-Majid afirmou que já surgiram na Irmandade Muçulmana alguns grupos armados encabeçados por membros jovens que acreditam que somente se conseguirá uma mudança com violência e mediante a jihad, e também disse que estes se consolidavam. “Matarão pela Irmandade Muçulmana, em nome de Alá e do Islã”, alertou.

Os jovens se dividem em dois desde a revolta de 25 de janeiro de 2011, explicou Abd-al-Majid. Uns criaram grupos pacíficos como “Irmãos sem Violência” e “Irmãos Livres”, e outros se reuniram em torno de dirigentes dissidentes da organização ou se uniram a partidos políticos como Al Wasat e Masr al-Qaweya, embora estes sejam relativamente minoritários. O primeiro é o dominante, ressaltou Abd-al-Majid. Estão imersos em uma ideologia de obediência total às suas autoridades.

Os dirigentes reformistas dentro da Irmandade Muçulmana tentarão mudar a estratégia de motivação dos jovens para uma oposição agressiva. “Utilizam os jovens para avivar a violência e os abandonarão na primeira mudança”, opinou Abd-al-Majid. Os jovens não receberam designações para cargos de responsabilidade dentro da organização e não estão representados no Conselho Shura (câmara alta do parlamento egípcio), observou. Isto somente aprofundará as divisões entre os líderes moderados e uma juventude cada vez mais radical. Envolverde/IPS