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Vacinação não é vista com simpatia em Camarões

Cartaz para promover a vacinação contra o rotavírus em Camarões. Foto: Monde Kingsley Nfor/IPS
Cartaz para promover a vacinação contra o rotavírus em Camarões. Foto: Monde Kingsley Nfor/IPS

 

Iaundé, Camarões, 12/5/2014 – O aumento da mortalidade infantil em Camarões por diarreia obrigou as autoridades a recorrerem a uma nova vacina (RotaTq), criada para proteger os menores de cinco anos contra cepas comuns de rotavírus. Porém, a medida enfrenta crescente ceticismo por parte da população. Além disso, a falta de água potável e de práticas adequadas de higiene pode prejudicar o esforço para controlar esse problema de saúde pública, afirmam especialistas.

“A diarreia é uma das principais causas de morte de menores de cinco anos em Camarões, fazendo 5.800 vítimas fatais por ano”, disse à IPS a imunologista Desire Noulna, do Programa Ampliado de Imunização (EPI). Segundo a Gavi, uma aliança público-privada para fomentar a imunização, o rotavírus mata mais de 600 crianças por dia na África e leva aos hospitais ou obriga a passar por controles médicos outros milhares.

Em escala global, também é a causa mais comum de gastroenterite severa em menores, que leva à hospitalização cerca de 2,4 milhões de meninos e meninas, e mata 527 mil deles por ano. Além disso, cerca de 85% das mortes ocorrem em países do Sul em desenvolvimento, principalmente na Ásia meridional e na África subsaariana. Com base em novos testes clínicos na África, que mostraram a eficácia da vacina em ambientes empobrecidos e com alta mortalidade, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou em junho de 2009 incluí-la nos programas nacionais de vacinação de todos os países.

Camarões importou a vacina contra o rotavírus em abril, como fizeram outros dez países africanos: Botsuana, Gâmbia, Gana, Malawi, Marrocos, Etiópia, Ruanda, Tanzânia, África do Sul e Sudão. Segundo a OMS, a África do Sul, primeiro país africano a incorporar a vacina em seu programa de imunização, em 2009, registrou notória redução, entre 54% e 69%, nas hospitalizações por rotavírus, tanto em zonas rurais como urbanas, durante os dois anos seguintes. Na Etiópia estima-se que a vacina salva cerca de 3.700 vidas e permite que as famílias economizem cerca de US$ 800 mil por ano. Em Gana, evita cerca de 1.554 mortes e economiza 53% do custo do tratamento.

Camarões começará uma campanha de vacinação nos próximos meses. Mas alguns especialistas afirmam que os problemas de saneamento diminuirão a efetividade da vacina. “Há bairros nas grandes cidades que estão há meses sem água potável. E quando a têm é de duvidosa qualidade”, destacou Obed Fung, especialista em saúde da Fundação Foretia, que apoia o desenvolvimento em Camarões.

Segundo o Banco de Desenvolvimento Africano, apenas 45% da população rural tem acesso a água potável em comparação com 77% nas cidades. E estima-se que apenas 13,5% da população rural conta com banheiros e saneamento adequado, comparado com 17% nas cidades. As mulheres e as meninas suportam a maior parte da pesada carga de coletar água. Cerca de 15% dos habitantes das cidades e 18% dos que moram no campo dependem de fontes de água potável que estão a mais de 30 minutos de distância.

“A falta de saneamento e de acesso a água pode dificultar o êxito da campanha, mas é importante nos concentrarmos nas doenças transmitidas por esse meio, especialmente a diarreia, e busquemos a forma de reduzir os focos”, destacou Noulna. “O país pode atravessar uma escassez de água e ficar doente por más práticas de higiene, mas devemos evitar um mal maior, como um foco repentino” da doença, acrescentou.

Entretanto, numerosas comunidades em Camarões desconfiam da vacina. “O programa nacional de imunização inclui nove vacinas diferentes para cada criança e muita gente pensa que é um exagero. Sempre é um problema porque não entendem os riscos que representa para a saúde pública uma pessoa sofrer um ataque viral”, explicou à IPS o médico Paul Onambele, que trabalha no hospital distrital de Iaundé. Inclusive, correu o boato de que os funcionários da saúde administravam vacinas para esterilizar as mulheres, acrescentou.

Um estudo do EPI mostra que 33% das famílias estudadas se opunham à vacinação das crianças e mulheres grávidas por motivos religiosos e tradicionais. “A controvérsia pela eficácia, segurança e ética da imunização continuam prejudicando os esforços de vacinação em Camarões, especialmente no norte, onde há grande influência de comunidades nigerianas que se opõem a ela”, ressaltou Onambele.

Haman Alima, uma mulher de Iaundé que está amamentando, afirmou: “Quando me criei não nos vacinavam e estamos todos bem. Só vacinei meu filho porque no hospital não podia impedir”. Mas essa atitude é perigosa para a saúde pública. “Nosso país atravessa tempos difíceis porque diminui a cobertura de vacinação, há desigualdades entre os distritos e as cidades e, o mais importante, devido ao ressurgimento da poliomielite”, disse à IPS a especialista Clarisse Leo Loumou, da Gavi.

Segundo o EPI, 62% dos centros de saúde não envolvem as organizações locais na promoção das campanhas de vacinação. Mas a Gavi e o EPI pretendem incorporar 90% das organizações e redobrar os esforços já realizados recorrendo a plataformas da sociedade civil para chegar às comunidades, bem como conseguir que a população local se aproprie da vacinação. Envolverde/IPS