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Vaca Muerta, a nova fronteira do desenvolvimento argentino

Uma torre de perfuração no acampamento de hidrocarbonos não convencionais da empresa estatal YPF, na mina de Loma Campana, em Vaca Muerta, na Bacia Neuquina, no sudoeste da Argentina. Foto: Fabiana Frayssinet
Uma torre de perfuração no acampamento de hidrocarbonos não convencionais da empresa estatal YPF, na mina de Loma Campana, em Vaca Muerta, na Bacia Neuquina, no sudoeste da Argentina. Foto: Fabiana Frayssinet

 

Loma Campana, Argentina, 1/10/2014 – O aumento da produção é tão vertiginoso que as instalações da empresa YPF na mina de Loma Campana no momento são contêineres interligados. A Argentina aposta em seus recursos não convencionais de petróleo e gás e a corrida para conseguir ser autossuficiente e exportar combustíveis não espera pelas comodidades de um escritório.

“Esse acampamento onde estamos são os escritórios provisórios. Peço desculpas a vocês. Mas é o que pudemos armar rapidamente quando começamos as operações”, explicou Pablo Bizzotto, gerente regional de Não Convencional da petroleira estatal YPF, durante a visita de um grupo de correspondentes estrangeiros à mina, na província de Neuquén.

Desde o ano passado, Loma Campana, a cem quilômetros da cidade de Neuquén, é a base operacional da petroleira argentina, na formação geológica de Vaca Muerta, na Bacia Neuquina, onde são perfurados mensalmente de 15 a 20 poços. Atualmente há mais de 300 poços que produzem gás e petróleo não convencionais neste e em outros campos dessa parte da Patagônia argentina. Deles, 250 são operados pela YPF e o restante por empresas internacionais.

Os escritórios definitivos, com uma sala de controle e operações à distância, estarão prontos em meados do ano que vem. Mas o rendimento dos poços segue outro ritmo. Desde janeiro de 2013 até meados deste ano, a produção diária passou de três mil para 12 mil barris de petróleo, e em setembro saltou para 21 mil.

“O único desenvolvimento maciço e comercial fora dos Estados Unidos é Loma Campana. Os demais são testes”, afirmou Bizzotto, para ilustrar a magnitude do empreendimento em Vaca Muerta, que contém reservas de petróleo e gás de xisto, localizada a até três mil metros de profundidade.

Ao contrário das jazidas convencionais, onde os hidrocarbonos são extraídos do depósito onde ficaram presos por milhões de anos., no xisto são arrancados da rocha “mãe” que os gerou. Segundo a YPF, que tem sob sua responsabilidade 12 mil quilômetros quadrados dos 30 mil de Vaca Muerta, seu potencial recuperável é de 802 trilhões de pés cúbicos de gás e de 27 bilhões de barris de petróleo.

Trabalhador caminha perto dos tubos de extração de petróleo e gás de xisto no campo da YPS em Loma Campana, na província argentina de Neuquén. Ao fundo os contêineres que servem de escritórios provisórios. Foto: Fabiana Frayssinet
Trabalhador caminha perto dos tubos de extração de petróleo e gás de xisto no campo da YPS em Loma Campana, na província argentina de Neuquén. Ao fundo os contêineres que servem de escritórios provisórios. Foto: Fabiana Frayssinet

 

Com esse potencial o país passou a possuir 30 vezes mais recursos de gás não convencional e nove vezes mais de petróleo não convencional do que os tradicionais. Em reservas recuperáveis de xisto, a Argentina tem a segunda do mundo em gás, atrás da China, e a quarta em petróleo, depois de Rússia, Estados Unidos e China, segundo dados da YPF.

Recursos em quantidade e qualidade, explicou Bizzotto, medidos por variáveis de matéria orgânica, espessura e pressão do reservatório, que os equiparam em rendimento aos melhores poços de Eagle Ford, no Estado norte-americano do Texas. Para Rubén Etcheverry, ex-presidente da empresa pública de gás e petróleo de Neuquén, abre-se “uma nova possibilidade de desenvolvimento e autoabastecimento daqui a cinco ou dez anos”.

Um dado animador para um país como a Argentina, cujas reservas e produção haviam diminuído, até o ponto de necessitar importar combustíveis por mais de US$ 15 bilhões. “A possibilidade de converter esses recursos em reservas significaria para a Argentina ter gás e petróleo por mais de cem anos, destacou à IPS o especialista, que também foi secretário de Energia de Neuquén.

O desafio é que os recursos se convertam em reservas. Entre 2013 e 2014, a YPF investiu em Vaca Muerta cerca de US$ 2 bilhões. Mas, por seus recursos e pelas dificuldades de financiamento externo do país, “faltam novos atores” para enfrentar um volume de investimentos que Etcheverry estima em US$ 100 bilhões, nos próximos cinco ou seis anos.

Atualmente a YPF – reestatizada em 2012, quando foi expropriada da espanhola Repsol, que a controlava desde 1999 – busca sócios estrangeiros, uma estratégia que setores políticos e sociais consideram um retrocesso em soberania.

Em Loma Campana, a YPF opera uma área com a transnacional norte-americana Chevron e desenvolve outra jazida de gás de xisto com a também norte-americana Dow Chemical. Além disso, estão incursionando companhias como Petronas (Malásia), Total (França), ExxonMobil (Estados Unidos), Shell (Grã-Bretanha e Holanda) e Wintershall (Alemanha), enquanto existem negociações com empresas de outros países, entre eles China e Rússia.

Segundo o deputado provincial Raúl Dobrusín, da opositora União Popular de Neuquén, as petroleiras estariam à espera da aprovação no Senado de uma polêmica nova Lei de Hidrocarbonos. Essa lei lhes daria concessões por 35 anos, reduziria as taxas para suas importações e autorizaria enviar 20% do lucro para o exterior, ou, no caso de não fazê-lo, pagariam localmente em valores internacionais e sem retenções, resumiu o deputado.

O desenvolvimento dos hidrocarbonos não convencionais dependerá também de questionamentos ambientais. Pela baixa permeabilidade da rocha geradora, é necessário apelar para a tecnologia da fratura hidráulica, conhecida pelo termo inglês fracking, que a YPF prefere chamar de “estimulação hidráulica”. Os ambientalistas afirmam que podem contaminar os aquíferos e emitir mais gases nocivos do que na exploração de hidrocarbonos convencionais.

“A contaminação é inquestionável. Poços são abandonados, não remediados. Aqui em Plottier, a água tem metais pesados, não é potável na maioria dos lugares, e atribuímos isso a explorações convencionais que contaminam as camadas”, afirmou à IPS o comerciante Darío Torchio, na localidade de 32 mil habitantes e a 15 quilômetros de Neuquén. “O petróleo é uma pesadíssima herança para nossos descendentes, que arruína tudo, enquanto a riqueza é levada pelas companhias”, afirmou o comerciante, integrante da Assembleia Permanente do Comahue pela Água.

Silvia Leanza, da ambientalista Fundação Ecosur, disse que a Argentina aposta em um modelo de desenvolvimento baseado no “neo-extrativismo”. São planos, opinou à IPS, “desenhados nos países centrais” dentro de um “pacote de desenvolvimento econômico e de globalização neoliberal, na qual estamos inseridos como provedores de matérias-primas”.

“Aposta-se na exploração de um recurso não renovável, como são os combustíveis fósseis, o que também tem um impacto econômico, porque esse dinheiro poderia ser destinado a outros tipos de energia limpa que também poderiam ser desenvolvidos na Patagônia”, reafirmou à IPS a ativista Carolina García, da plataforma Multissetorial Contra o Fracking. “Há um sinal de alarme. O prazo é muito curto. Tínhamos reservas para os próximos oito ou dez anos”, rebateu Etcheverry

O governo da presidente Cristina Fernández não tem dúvidas sobre esse modelo de desenvolvimento. “Quando a produção de Vaca Muerta, em gás e petróleo não convencional, atingir mil poços explorados, o produto bruto geográfico tenderá a crescer entre 75% e 100% na província de Neuquén. Isso terá impacto de 3% a 4% no produto interno bruto do país”, declarou o chefe de Gabinete, Jorge Capitanich. Envolverde/IPS