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Uma noiva no fim do túnel

A população Palestina desfruta da praia de Gaza. Foto: Mohammed Omer/IPS

 

Gaza, Palestina, 30/8/2012 – Mai Ahmed, de 26 anos, morador na Cisjordânia, conheceu pela internet Mohammad Warda, do acampamento de refugiados de Nussirat, em Gaza, na Palestina. Quando quis viajar para Gaza, o governo israelense não autorizou, e assim começou seu périplo. Mai viajou para a Jordânia, de onde voou para o Egito e, depois, dirigiu um automóvel até a península do Sinai, para cruzar pelos túneis subterrâneos até Gaza. “É uma história que contarei para meus netos”, disse à IPS. Agora também se faz tráfico de noivas e noivos pelos túneis que unem Gaza ao Egito, juntamente com remédios, alimentos, pão, refrescos, peças de carros, cimento, pescado e ovelhas.

O escavador de túneis Abu Saleem, de 29 anos, relatou à IPS que percebe um aumento de noivas procedentes do Egito e de noivos que vão em sentido contrário. Na terceira semana de agosto, ele recebeu um telefonema de seu chefe pedindo que ajudasse uma jovem egípcia a se encontrar com seu noivo em Gaza. É mais barato ter noiva no Egito do que aqui, afirmou. Adel al-Ahmed, de 37 anos, está feliz com sua esposa egípcia Shymaa, depois de se dar conta de que não podia custear o dote de um jovem de Gaza. “É relativamente mais barato o dote em algumas partes do Egito, e as egípcias aceitam com mais boa vontade viver em condições modestas e simples”, detalhou.

As dificuldades para obter autorização de viagem e visto converteram os túneis na solução para cruzar do Egito até este território, e vice-versa. Uma das consequências é a maior quantidade de jovens de Gaza que abandonam a Faixa de Gaza, de 140 quilômetros quadrados, em busca de noivas. Os proprietários dos túneis da cidade fronteiriça de Rafah costumavam transportar mulheres e crianças como pacotes em barris adaptados. Agora, as pessoas engatinham ou caminham, conforme a estrutura da passagem subterrânea. Os túneis são considerados ilegais no Egito, mas são uma parte vital da vida e do comércio dos dois lados da fronteira.

A população palestina considera que são uma via legítima para a circulação de mercadorias e pessoas no contexto do sítio imposto por Israel pouco depois de o Hamás (Movimento de Resistência Islâmica) ter conseguido a maioria nas eleições legislativas de janeiro de 2006. O governo israelense afirma que os túneis facilitam o contrabando e realiza incursões rotineiras para bombardeá-los com aviões F-16. Isto torna as uniões matrimoniais um negócio de risco. Noivos e noivas também precisam seguir o trâmite de uma autorização junto às autoridades de Gaza, pois o proprietário do túnel pode ser multado em US$ 1,5 mil.

Adel se casou com uma jovem palestina, mas precisou se divorciar “a pedido da família”. Voltou a se casar após conseguir uma noiva graças à sua irmã, que se casou com um egípcio em El-Arish. “Assisti a um casamento no Egito e fui apresentado a uma bela jovem com a qual depois me casei”, contou. Adel cruzou pelo túnel. Uma vez unido, o casal precisou engatinhar até Gaza, num trecho de 200 metros.

Com o dinheiro que economizou se casando com uma egípcia, em lugar de uma palestina, Adel conseguiu mobiliar um apartamento em Rafah. “Aconselho os jovens de Gaza a se casarem com egípcias”, afirmou. Adel pagou 30 mil libras egípcias (US$ 5 mil) de dote, mas as condições para contrair matrimônio são “muito mais fáceis e menos exigentes”, acrescentou.

Ahmed, que não quis dar seu sobrenome, cruzou para o Egito via túnel para visitar familiares e conheceu uma jovem egípcia. Poucas semanas após regressar, solicitou à sua família que a pedisse em casamento. “Os túneis fizeram com que fosse mais fácil me casar fora de Gaza”, afirmou à IPS. Ahmed havia pedido uma jovem de Gaza em casamento, mas a família pediu como condição um apartamento independente para o casal. “Nem eu, nem meus amigos, nunca ouvimos essa exigência ao pedir uma egípcia em casamento”, ressaltou.

Hadeel, uma jovem palestina de 20 anos, de Rafah, ficou amiga de uma egípcia durante uma visita oficial de uma organização não governamental ao Egito. Poucos meses depois essa amiga a informou que seu irmão e sua família queriam visitar Gaza. Atravessaram o túnel e Hadeel conheceu o rapaz. Várias visitas subterrâneas depois, ele a pediu em casamento. A cerimônia está marcada para outubro, e ela se mudará para o Egito.

Para muitos moradores de Gaza, além da luz existe o amor no fim do túnel. Envolverde/IPS